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As razões para o colapso da economia em 2015

Processo de regressão produtiva no Brasil, que já dura dez anos, e fatores conjunturais – que incluem erros da gestão Dilma Rousseff – levaram à atual crise

Por José Luis Oreiro
Atualização:

Ao iniciarmos o ano de 2016, nos deparamos com um cenário econômico verdadeiramente desolador. O PIB (Produto Interno Bruto) deverá fechar o ano de 2015 com uma queda acumulada de 3,5%, o desemprego perto de 9% da força de trabalho e a taxa de inflação próxima de 11%. Trata-se de uma queda bastante forte do nível de atividade econômica, somada a uma elevação expressiva da taxa de inflação, ou seja, um cenário clássico de estagflação.

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Para que possamos entender as razões da catástrofe ocorrida com a economia brasileira, devemos rejeitar as explicações simplórias, tanto à direita quanto à esquerda do espectro político e econômico. A explicação dada pela direita liberal é que a crise atual é reflexo da assim chamada “nova matriz macroeconômica”, em geral definida de forma casuística pelo liberal de plantão. Para alguns a nova matriz macroeconômica é o conjunto formado pelas pedaladas fiscais, pela desvalorização (sic) artificial da taxa de câmbio, pela redução voluntarista da taxa de juros a partir de 2011 e pelas desonerações fiscais.

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Segundo essa definição, a nova matriz macroeconômica teria sido implementada apenas no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff e, portanto, a política macroeconômica conduzida nos dois mandatos do presidente Lula seria, no geral, acertada. Outros, mais radicais, afirmam que a “nova matriz macroeconômica” teria sido iniciada com a política anticíclica adotada após a falência do Lehman Brothers em 2008. Implícito nessa posição está a ideia de que o correto seria o governo adotar uma política pró-cíclica em meio à maior crise do capitalismo desde 1929.

Efeitos negativos da Operação Lava Jato sobre a Petrobrás, inflação alta e sensação de incerteza levaram à estagnação econômica Foto: PAULO LISBOA|BRAZIL PHOTO PRESS|

A explicação dada pela esquerda neopopulista é que a crise atual da economia brasileira decorre do ajuste fiscal adotado no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Segundo essa explicação, a expectativa (racional? Muthiana?) de ajuste fiscal a partir da nomeação de Joaquim Levy como ministro da Fazenda, no fim de 2014, fez com que os agentes econômicos – antecipando o efeito recessivo do mesmo – reduzissem gastos com consumo e investimento, produzindo assim a queda do nível de atividade econômica que seria esperada a partir dos efeitos da contração fiscal que só seria implementada meses mais tarde. Para os defensores dessa posição, a inversão da linha de causalidade do tempo histórico (onde o futuro é incerto e o passado irrecuperável), tão cara à tradição pós-keynesiana da qual eles alegam se basear, parece não causar nenhum problema mais grave de escrúpulos.

Combinação perversa. Ambas as interpretações são incorretas. A crise atual da economia brasileira é decorrente da combinação perversa da regressão produtiva a partir de 2005 com fatores conjunturais (alguns deles originados dos erros de política econômica do governo Dilma Rousseff) que desencadearam uma “tempestade perfeita”.

Creio que não é novidade para ninguém que desde 2005 a economia brasileira sofre um processo de sobrevalorização crônica da taxa real de câmbio, resultado da combinação da forte elevação dos termos de troca (doença holandesa), grande fluxo de entrada de capitais especulativos devido ao enorme e persistente diferencial de juros e a permanência da taxa de inflação doméstica acima dos níveis registrados em outros países.

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Essa sobrevalorização da taxa de câmbio gerou um processo de perda da competitividade da indústria brasileira de transformação, levando a um progressivo aumento do déficit comercial da indústria e do coeficiente de penetração das importações.

A partir de 2011 essas transformações geraram uma situação de estagnação da produção industrial, na qual os estímulos de demanda viabilizados pela “nova matriz” transbordavam para o exterior na forma de aumento de importações de produtos manufaturados. Como a indústria de transformação é a locomotiva de crescimento da economia no longo prazo, a estagnação da produção industrial se traduziu em desaceleração e posterior estagnação do crescimento do PIB.

A “tempestade perfeita”, por seu turno, decorreu da combinação dos efeitos negativos que a Operação Lava Jato teve (e ainda tem) sobre os contratos e os investimentos da Petrobrás (responsável, no Brasil, por 10% da FBCF, sigla para Formação Bruta de Capital Fixo, indicador que mede os investimento das empresas em bens de capital, como máquinas que são utilizadas na produção); do efeito inflacionário do reajuste dos preços dos combustíveis e da energia elétrica ao longo do ano de 2015, o qual reduziu a renda real dos trabalhadores, impactando negativamente o consumo; e do aumento da percepção de incerteza por parte dos agentes econômicos devido à crise política pela qual passa o País.

Os efeitos combinados desses eventos se traduziram numa queda significativa tanto do investimento privado como do consumo das famílias, fazendo com que a estagnação econômica decorrente da perda de competitividade da indústria se transformasse numa queda acentuada do nível de atividade econômica. Dessa forma, a estagnação deu lugar à recessão, a qual resultou numa queda significativa das receitas de impostos da União, o que inviabilizou o ajuste fiscal pretendido pelo ministro Joaquim Levy.

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A boa notícia é que, finalmente, a taxa real de câmbio se encontra num patamar adequado para restaurar a competitividade da indústria. Se esse patamar de câmbio for mantido por um período de tempo suficientemente longo, as exportações de manufaturados irão aumentar e a estrutura produtiva da economia começará a se transformar, aumentando a participação da indústria no PIB. Trata-se, contudo, de uma mudança estrutural lenta, cujos primeiros sinais deverão ser observados apenas no início de 2017. Ainda teremos que conviver por um longo tempo com um quadro recessivo. Feliz 2017 para todos nós.

*Professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador nível IB do CNPQ

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