PUBLICIDADE

As saúvas, a política e o corporativismo

Um retrocesso na agenda de reformas e ajuste fiscal nos colocará num pandemônio político e econômico

Por Nathan Blanche
Atualização:

Como disse Roberto Campos, “ou o Brasil acaba com o corporativismo (saúvas) ou este acaba com o Brasil”. Proponho atribuir ao grande economista e estadista brasileiro o título adicional de profeta. Nos últimos 15 dias evidenciamos um grande movimento das corporações de preservar seus privilégios previdenciários e dos partidos populistas em atrasar a aprovação da reforma da Previdência no Senado. Simultaneamente, tentativa de dar um tiro de misericórdia no maior movimento de limpeza ética e moral do País, a Lavo Jato.

PUBLICIDADE

Será por acaso que foi emitido um mandado para invadir e investigar o gabinete do líder do governo no Senado, Fernando Bezerra? E em seguida, em reunião do STF, foi aprovada a revogação da condenação por corrupção do ex-presidente da Petrobrás e do Banco do Brasil Aldemir Bendine. Na mesma ocasião, o ministro Barroso alertou que a votação de 7 a 3 a favor dessa decisão poderia estar criando uma jurisprudência capaz de revogar todas as decisões anteriores da Lava Jato, inclusive as 143 condenações de líderes políticos e empresariais.

O crescimento explosivo da Previdência tem sido o maior responsável pelo aumento do déficit da Seguridade Social, que em 2018 atingiu 4,0% do PIB (R$ 264,4 bilhões). Só o INSS, responsável por pagar as aposentadorias e pensões dos trabalhadores do setor privado, contribuiu com rombo de R$ 195,2 bilhões (74% do déficit da seguridade, que inclui, além das despesas previdenciárias dos setores privado e público federal, os gastos com saúde e assistência social). Este processo de aumento dos desequilíbrios fiscais, federal e nos Estados, inviabiliza investimentos públicos e mantém o temor de insolvência fiscal. Além de gerar incertezas e afugentar potenciais investimentos, dificulta a realização de outras reformas econômicas.

Em 2018, os investimentos públicos federais atingiram irrisório 0,8% do PIB, e devem fechar 2019 em 0,7% do PIB, patamar historicamente baixo (em 2014 esses investimentos correspondiam a 1,3% do PIB). Na ausência da reforma da Previdência, os investimentos e o custeio dos serviços públicos – que juntos compõem os chamados gastos discricionários – continuarão sendo as principais variáveis de ajuste fiscal para sustentar o teto do gasto, até o ponto em que apagões nos serviços públicos passem a ser uma rotina. Sem uma reforma da Previdência, tais gastos serão reduzidos até o limite máximo já em 2021, quando provavelmente o teto romperia. A retração dos investimentos públicos teve impacto decisivo para a queda da formação bruta de capital fixo, que sofreu retração da ordem de 20% de 2014 a 2018.

Infelizmente, há sinais de que políticos e alguns assessores do Executivo voltaram a estudar formas de driblar os mandamentos fiscais, que abririam espaço para flexibilizar o teto do gasto. Um eventual afrouxamento das amarras fiscais presentes na Constituição, especialmente antes de reformas essenciais, deve elevar a percepção de risco dos agentes, ameaçando a volta dos investimentos e a consolidação do ciclo de expansão econômica.

A era das escolhas fáceis ficou para trás, estamos num beco sem saída. Ou o Brasil acaba com estas “saúvas” ou elas acabam com o Brasil. Daí a importância de mobilizar o apoio dos mais variados segmentos da sociedade, especialmente dos formadores de opinião pública, para dar continuidade à atual agenda reformista. Urge, inclusive, a desmobilização do “Estado empresário”, com privatizações e concessões que estão programadas para o curto e o médio prazos. As estatais foram e devem continuar sendo as principais incubadoras para o emprego do cabide político e da corrupção.

A atual crise econômica internacional, mesmo com mais de US$ 16 trilhões de excesso de liquidez, é uma oportunidade para atrairmos investidores e, também, um alerta de que eles estão mais seletivos, muitas vezes preferindo aplicar em taxas de juros negativas, mas em ativos seguros.

Publicidade

Eventual retrocesso nesta agenda de reformas e ajuste fiscal nos colocará porta adentro de um pandemônio da política e da economia, com alto potencial de retomarmos o caminho de volta ao passado recente, semelhante ao trilhado por Venezuela e Argentina.

*SÓCIO-DIRETOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.