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As secretárias software

Empresas de tecnologia estão competindo para se tornar secretárias pessoais dos consumidores, com grandes implicações para o comércio e privacidade

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Por Redação
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Uma multidão animada invadiu o Bill Graham Civic Auditorium em São Francisco no dia nove de setembro. As pessoas se aglomeraram no local que normalmente apresenta shows de rock para assistir a um show da Apple, empresa que criou uma massa de seguidores fanáticos. Os executivos subiram ao palco para anunciar as novas atualizações do seu Apple Watch, iPhone e iPad, como também seu novo decodificador de TV que facilita a busca de programas e jogos na televisão. A estrela de fato do espetáculo, porém, foi a Siri, a assistente pessoal da Apple. Siri, que já está disponível nos iPhones, responde a comandos de voz e será incorporada nos novos controles remotos de TV da Apple, de maneira que os usuários não terão de levantar um dedo para mudar de canal ou encontrar algum programa novo. Se quiserem notícias sobre o tempo ou os resultados de um evento esportivo podem perguntar a ela e obter rapidamente a resposta. A migração da Siri para a televisão é um exemplo do avanço do software de assistência pessoal que copia algumas habilidades das secretárias de carne e osso: criam lembretes de reuniões, examinam informações e concluem outras tarefas. A Apple, que adquiriu a Siri em 2010 por US$ 200 milhões, é líder nesta área, mas muitas companhias de tecnologia vêm trabalhando em produtos concorrentes. Google e Microsoft oferecem assistentes digitais nos smartphones, Google Now e Cortana, respectivamente, que têm profundo conhecimento dos hábitos e horários dos seus usuários. A Amazon vende um aparelho autônomo que, entre outras coisas, toca música, lê livros em voz alta e pode ajudar na compra de produtos na plataforma. Em oito de setembro, Baidu, a gigante chinesa da internet, anunciou seu próprio agente digital, o Duer. E, recentemente, o Facebook anunciou um serviço de assistência pessoal chamado M, disponível em seu aplicativo de mensagens. No início as tarefas serão realizadas por humanos, mas isso deve mudar com o tempo.

Com a Siri, comprada em 2010, Apple é líder no setor Foto: Robert Galbraith/Reuters

Todas essas empresas ainda têm vários obstáculos a superar, mas a sofisticação e o alcance das funções do seu software de assistência pessoal vêm expandindo. A progressão da assistente Siri e de outras secretárias virtuais sinaliza duas importantes tendências que moldarão o futuro da internet no quesito consumo: a evolução da “busca” independentes das consultas no motor de busca, no sentido de um serviço interativo mais personalizado, e uma mudança gradativa dos aplicativos individuais para um ecossistema de serviços cuja intermediação será feita por um poderoso software de assistência. De acordo com a empresa de pesquisa Gartner, cerca de 38% dos consumidores americanos utilizaram os serviços da assistente virtual em seus smartphones recentemente; no final de 2016, cerca de dois terços dos consumidores em mercados desenvolvidos os utilizarão diariamente. Os software robôs estão cada vez melhores para prever o que os usuários necessitam com base em comportamentos passados e em sua atual localização. As secretárias virtuais oferecidas por várias gigantes do setor de tecnologia fazem parte dos seus esforços com vistas a dominar a inteligência artificial e, em particular, o “aprendizado da máquina” - ensinar os computadores a absorver enormes quantidades de dados, a reconhecer padrões e melhorar em tudo aquilo que fazem. As empresas estão gastando bilhões de dólares na aquisição de startups que trabalham nessa área e vêm contratando especialistas no campo da inteligência artificial. Só a Apple pretende recrutar 90 especialistas, e o Facebook contratou uma estrela no campo da inteligência artificial, Yann LeCun, para dirigir seu centro de pesquisa no assunto. O reconhecimento de voz vem sendo aprimorado rapidamente, embora ainda tenha imperfeições. Há dois anos Google Now interpretava mal 25% das palavras faladas, mas hoje erra somente 8%, de acordo com Aparna Chebbapragada, que supervisiona o produto. O grande foco de atenção das companhias é de que modo usar as informações que os consumidores armazenam em seus aparelhos para fornecer recomendações antecipadas em vez de apenas responder às solicitações. O Google é particularmente bom e ao mesmo tempo inquietante nesse aspecto. Por exemplo, ele examina os e-mails dos usuários para lembrá-los sobre quando sair para reuniões ou pegar um avião. O Cartana da Microsoft também tem esse recurso, mas até recentemente estava limitado aos dispositivos Windows. A tecnologia de posicionamento global (GPS), que já é um recurso padrão nos smartphones, vem auxiliando as assistentes virtuais a realizar seu trabalho de uma forma ainda melhor. Se um consumidor deseja ser lembrado para comprar leite da próxima vez que for ao supermercado, um alerta de “flash” será emitido quando o telefone detectar que ele chegou. A tecnologia também vem permitindo automatizar a dor de cabeça de organizar reuniões. Algumas startups, incluindo a Clara Labs e a x.ai, oferecem assistentes de programação virtuais que utilizam uma combinação de algoritmos e humanos para ajudar a montar uma agenda. Os assinantes enviam uma cópia do software robô para os e-mails; ele escaneia seus calendários e escolhe um local conveniente em nome deles. Em média, os humanos necessitam de sete e-mails para marcar uma reunião, e assim as secretárias virtuais podem economizar muito tempo. As pessoas tendem a ser simpáticas com as assistentes virtuais, mesmo quando sabem que estão correspondendo com um robô, diz Dennis Mortensen, diretor do x.ai. Com o tempo, o software estará tão aperfeiçoado que os humanos talvez nunca saibam que seu interlocutor é uma máquina. Muitas secretárias de carne e osso não precisam se preocupam com a possibilidade de perder seu emprego para a tecnologia. Pelo menos no momento. As secretárias digitais são úteis para buscar informação sem precisar usar as mãos, mas têm dificuldade para concluir ações que envolvem tarefas mais complexas, como reservar um voo. Sua correspondente humana passou vários dias “empregando” as diversas secretárias digitais disponíveis. Embora consigam encontrar restaurantes próximos e fazer uma reserva por meio da OpenTable, elas não a conhecem tão bem nem têm a capacidade de julgamento necessária para dizer qual a “melhor” comida italiana. Echo, produto da Amazon, conseguiu definir o que é uma “assistente pessoal” sem hesitação, mas não soube de modo nenhum responder quando sua correspondente perguntou se Echo era a sua assistente pessoal. Para agradar seus mestres, as assistentes virtuais necessitarão se conectar melhor com os serviços externos para atender às solicitações. Esse é o sonho da Viv, startup dirigida pelos fundadores da Siri, que deve lançar um serviço nesse estilo no próximo ano. As assistentes virtuais existentes também vêm se aperfeiçoando. A Cortana uniu-se ao Uber, por exemplo, para ajudar seus usuários na reserva de carros, e recentemente começou a mostrar aos usuários cupons relacionados a suas compras quando vão a lojas ou navegam online. O avanço das secretárias virtuais envolve vários desafios. Um deles tem a ver com a privacidade. Os melhores serviços terão acesso a uma valiosa coleção de dados, mas ainda é uma incógnita como as informações dos consumidores serão compartilhadas com empresas de fora que atendam aos requisitos. Ao contrário das secretárias reais que trabalham para uma pessoa ou empresa, as assistentes virtuais dividiram sua lealdade. Por exemplo, Google Now e Facebook M podem trabalhar em nome dos consumidores, mas suas matrizes lucram vendendo anúncios direcionados e extraindo dados do consumidor. A Apple, pelo contrário, tem feito da privacidade um dos seus principais argumentos de venda. Um dilema similar surge no que se refere ao comércio. Como as assistentes virtuais colaboram para as pessoas comprarem mais produtos online, elas terão poder para promover determinadas empresas e privar outras de fazer negócios. Quando solicitada a reservar um bilhete de avião de São Francisco para Londres, a secretária virtual escolherá o bilhete mais em conta, ou comprará uma passagem na companhia aérea que tem uma relação promocional com a empresa que a criou? À medida que as secretárias virtuais se tornam mais poderosas, a pergunta de quem trabalha para quem vai se tornar mais premente. 2015 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS. TRADUZIDO POR TEREZINHA MARTINO, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.

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