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Jornalista, escritor e palestrante. Escreve às quintas

Opinião|As turbas digitais

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O meio, escreveu certa vez o medievalista canadense Marshall McLuhan, é a mensagem. É uma excelente intuição do professor que, embora tão repetida, é dita como se não tivesse significado. Mas tem. A mesma informação, vinda por meios diferentes, favorece reações emocionais distintas. O meio interfere no processamento que fazemos da mensagem. E o inacreditável favoritismo de Donald Trump, nas primárias do Partido Republicano dos EUA, é um alerta importante. A internet mudou a forma como nos informamos. Trump periga não ser apenas uma bizarrice americana. Pode acontecer em qualquer lugar. Até aqui. Obama, nos habituamos a dizer, foi o primeiro presidente americano a se eleger usando a web. É verdade. O que marca a campanha de Obama em 2008, porém, foi o uso da rede como ferramenta. As primárias, lá, não são como as de cá. Aqui é briga interna dos partidos, coisa de poucos caciques. Lá é parte do jogo democrático. O maior desafio, um Estado após o outro, é conseguir trazer eleitores às urnas. Isso já é difícil no dia da eleição de verdade – no processo de decisão do candidato é ainda mais árduo. O que o time do atual presidente conseguiu fazer foi, online, criar em cada condado células compostas pelos militantes mais engajados que faziam a campanha com seus vizinhos. Um jogo técnico, demográfico, baseado em censo e pesquisas. Sabiam em que grupos de eleitores tinham mais chances de obter votos e entendiam, perante o mapa do país, em que Estados precisariam vencer. A internet serviu para encontrar os bairros e cidades, nos Estados-chave, em que havia bolsões de eleitores que lhes seriam favoráveis. Hillary Clinton era sua rival na época. Ela jogou com as táticas tradicionais do Partido Democrata: usando os chefes locais do partido, costurando a ligação com líderes sindicais. Noutros tempos, bastaria. Mas, com tecnologia, Obama conseguiu trazer para as urnas gente que não costumava votar em primárias. Do ponto de vista técnico, o que era novidade em 2008 é recorrente em 2016. Todos os principais candidatos, nos dois partidos, fazem aquilo que só Obama fez há 8 anos. Mas Trump faz mais. Ele compreende, talvez de forma intuitiva, como se dá o diálogo na internet. Porque é isso que está ocorrendo em todas as democracias ocidentais: a natureza do debate político mudou. Onde antes havia uma busca pela aparência de civilidade, hoje é o contrário. O debate se tornou acirrado, agressivo, polarizado e, cada vez mais, dominado pelos extremos ideológicos. Trump não apenas compreende a natureza deste novo diálogo. Ele a abraça. Donald Trump não é fascista. Se bobear, sequer é o racista que seu discurso virulentamente anti-hispânico e anti-islâmico, com acenos para a Ku Klux Klan, o faz parecer. É um demagogo, daquele tipo clássico e que parecia em extinção. O sujeito não dá a mínima para a coerência, é capaz de repetir qualquer atrocidade que lhe renda votos. Não é à toa que o alto comando do Partido Republicano esteja apavorado. Um candidato assim, que flerta abertamente com os 10% de canalhas do eleitorado, pode jogar por terra a imagem de um partido que precisa se tornar mais inclusivo. Turbas raivosas, que humilham com ferocidade por qualquer deslize, fazem parte da teia digital. Se encontrar o veio certo, à direita ou à esquerda, um político pode capturar um bom número de eleitores cuja principal fonte de informação é online. Num mundo pós-fascista e pós-comunista, ambos podem encontrar espaço para renascer. Se virar candidato, Trump não deve se eleger. Mas ele é mostra de um velho tipo de político que renasce – e já há alguns do tipo por perto.

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