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‘Assistimos a um parlamentarismo branco na reforma’, diz Giambiagi

Economista se diz ‘perplexo’ por ver articulação da Previdência ser conduzida pelo Congresso, mas está ‘relativamente otimista’

Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO -- Embora sugira “retoques” ao relatório do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP) sobre a proposta de reforma da Previdência, o economista Fabio Giambiagi, especialista no tema, está “relativamente otimista” com a aprovação da mudança constitucional. O relator fez um “esforço muito relevante de conciliar diferentes opiniões”, disse Giambiagi, que trabalha no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e, mesmo completando os requisitos para se aposentar em agosto, pretende continuar trabalhando.

O economista Fabio Giambiagi, especializado em questões previdenciárias Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO

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Para o economista, que participa dos debates sobre reforma da Previdência desde os anos 1990, o ambiente atual do Congresso Nacional é favorável. Só que, em vez de liderada pelo Executivo, a aprovação da reforma está sendo comandada pelo Legislativo, numa espécie de “parlamentarismo branco”. O problema é que, nesse modelo, o ambiente favorável no Congresso pode ser efêmero, resultando na persistência do cenário de incerteza, que pode manter o País na estagnação. A seguir, os principais trechos da entrevista:

O impacto fiscal de cerca de R$ 900 bilhões, previsto no relatório da comissão especial da Câmara dos Deputados, é adequado?

É o melhor possível nas circunstâncias atuais, que são difíceis. Lembrando que estamos falando de uma comparação entre o cenário que resultaria sem reformas e o cenário que resultará com reformas. Mesmo no cenário ideal, do ponto de vista fiscal, associado à proposta original, não deixaríamos de ter um crescimento da despesa do INSS. Às vezes, quem acompanha à distância o debate pode entender que a reforma significa que, com ela, vai se gastar menos. Não, com ela vai se gastar menos do que se gastaria sem a reforma, mas o INSS vai gastar mais ano que vem que em 2019, mais em 2021 do que em 2020, mais em 2030 do que em 2021. O que está em discussão é a velocidade do crescimento [do gasto com INSS].

Uma reforma com economia maior não seria aprovada?

Todos os técnicos que lidamos com o problema aprendemos a duras penas que os limites da política obrigam a uma necessária dose de realismo. Nesse sentido, o valor de R$ 1 trilhão [em dez anos] não deve ser necessariamente entendido como algo inviolável, no sentido de que uma reforma de R$ 1 trilhão é ótima e que uma reforma de R$ 900 bilhões ou R$ 950 bilhões é um desastre. Não faz sentido. Seria desejável ter uma reforma de R$ 1 trilhão ou mais, mas aquilo que é politicamente viável passar [no Congresso] nas atuais circunstâncias é o que o relator apresentou, com alguns retoques. 

Não era melhor aprovar logo a proposta do governo Michel Temer, com economia em torno de R$ 650 bilhões?

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Essa avaliação só poderá ser feita no fim. Se, no decorrer da tramitação que ainda resta, houver novas desidratações, essa poderá ser a conclusão, mas, se o impacto for da ordem de grandeza de R$ 900 bilhões [em dez anos], acho que a espera terá valido a pena. Agora, política é risco. É fácil ser engenheiro de obra feita, depois que se sabe o resultado.

Quais os retoques necessários no relatório?

Dividiria as questões em três grupos. O primeiro grupo é a questão dos Estados. Como cidadão, torço para que, no fim do processo, os Estados sejam reinseridos na proposta. Se isso não ocorrer, vamos ter de um a dois anos de conflitos de todo o tipo, nos processos de aprovação nas assembleias legislativas. Vamos ver, praticamente todo mês, cenas, nos telejornais noturnos e fotografias de primeira página, de vitrines depredadas e ônibus incendiados, como vimos aqui no Rio [o então governador do Rio, Luiz Fernando Pezão, encaminhou ao Legislativo fluminense medidas de ajuste fiscal, incluindo elevação da contribuição previdenciária, no segundo semestre de 2016, desencadeando protestos que duraram até 2017]. Será um cenário terrível para os Estados, porque vão ficar numa situação de extrema penúria, devido ao aumento das despesas financeiras, e péssimo para o País, porque, nesse ambiente de convulsão, será muito difícil haver retomada forte do investimento, pela contaminação que isso gerará no “espírito animal” dos empresários.

Qual o segundo grupo de retoques?

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O segundo ponto é a questão da capitalização. É uma discussão meritória, que o ministro Paulo Guedes, compreensivelmente, tem encaminhado com muita ênfase, mas, em relação à qual, honestamente, tenho dúvidas acerca da conveniência política de insistir neste momento. Meu receio é que acabe gerando uma reação negativa de algumas dezenas de deputados que poderiam votar a favor e que, se isso for um componente central da reforma, o risco que se corre é que votem contra. Não creio que se possa se dar ao luxo de arriscar 20 ou 30 votos que podem ser fundamentais para a aprovação.

Qual o terceiro grupo de retoques?

O terceiro ponto envolve uma série de questões que acabaram sendo modificadas no relatório de uma forma inesperada e não adequadamente fundamentadas. Primeiro, a questão da regra de transição do funcionalismo, estendida também para o regime geral, mas cuja origem está claramente nas pressões do funcionalismo. Na proposta original, existia a possibilidade de os servidores que entraram antes de 2003 se aposentarem com integralidade e paridade [ou seja, com aposentadoria no valor equivalente ao último salário e com direito a receber os mesmo reajustes dos servidores ativos], mas havia o requisito, para isso, de alcançar 65 anos, se homem, e 62 anos, se mulher. Na regra de transição que foi colocada [no relatório], a integralidade e paridade poderão ser alcançadas em idade muito precoce. O curioso é que esse ponto não era uma das exigências políticas do chamado “Centrão”.

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Há outras questões inesperadas?

Em segundo lugar, houve uma mudança importante, cuja razão realmente não consegui entender, porque me parecia que era uma questão pacificada, que foi a retirada do gatilho de elevação do parâmetro etário [idade mínima] em função de futuras mudanças na expectativa de vida. Há um divórcio entre a Constituição e a demografia. A Constituição é rígida, e a demografia é móvel. A demografia não irá se adaptar à Constituição, então, a única solução é adaptar a Constituição à demografia. A demografia continuará mudando. Diante disso, ou o País é inteligente e incorpora um elemento de ajuste automático desses parâmetros na Constituição para que, com o envelhecimento da população, haja um ajuste automático muito suave ou vamos estar recorrentemente tendo que gastar capital político de futuros governos com uma questão que poderia ser resolvida agora.

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Mais algum problema no relatório?

Um terceiro ponto é a retirada da possibilidade de adoção de alíquotas extraordinárias para o equacionamento dos RPPSs [sistemas públicos]. O substitutivo preserva a ideia de elevação da alíquota básica de 11% para 14%, mas retira aquela menção à possibilidade de adoção de alíquotas extraordinárias. Essa questão poderá se revelar muito importante no caso de alguns Estados cujo desequilíbrio é tão grande que uma alíquota de 14% não é suficiente. O quarto ponto foi a mudança de redação do Artigo 27 [que trata de como calcular o valor do benefício, aposentadoria ou pensão]. Na proposta original, era uma média calculada com base em 100% das contribuições. Agora, arrisca-se gerar a interpretação de que o que vale são as 60% maiores contribuições, o que gera risco de uma ampla judicialização, o que se quer evitar, e de uma redução da potência fiscal, uma vez que, com o descarte das 40% menores contribuições, estaríamos elevando bastante a média [dos benefícios] em relação à média contemplada na proposta original.

Esses problemas comprometem o relatório?

O relator [deputado federal] Samuel Moreira [(PSDB-SP)] fez um esforço muito relevante de conciliação de diferentes opiniões. Esses comentários que faço são apenas a título de aprimoramento de um trabalho de tentativa de definição de consensos que é extremamente positivo. Ele retirou os pontos em relação aos quais, no decorrer dos debates, se formou quase um consenso de que nesse estágio deveriam sair. Refiro-me ao BPC [Benefício de Prestação Continuada, pensão de um salário mínimo para idosos com mais de 65 anos ou deficientes físicos que tenham renda domiciliar por pessoa abaixo de um quarto de salário mínimo por mês] e às mudanças [nas aposentadorias] rurais. Ainda que, pessoalmente, creia que essa questão vai ser revisitada no futuro.

O sr. está pessimista ou otimista com a aprovação da reforma?

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Estou de certa forma perplexo, porque o rumo que o tema está seguindo é algo que não era contemplado em nenhum dos cenários de analistas. Os cenários passavam pela formação de uma maioria liderada pelo Executivo. E o que estamos assistindo hoje é uma figura inteiramente singular do que alguns começam a chamar de parlamentarismo branco. Se a reforma passar, e estou relativamente otimista de que há boa chance de que passe, será pelo trabalho magnífico de articulação que tem sido feito pelo deputado Rodrigo Maia [(DEM-RJ), presidente da Câmara]. A questão é que essa articulação interna à Câmara se dá num contexto em que os deputados perceberam que o custo de uma eventual não aprovação da [reforma da] Previdência seria altíssimo e eles apareceriam diante da opinião pública como responsáveis por algo que seria visto como uma catástrofe. Tenho sérias dúvidas de esses incentivos que hoje existem se manterão no longo prazo, quando entrarem em questão outros assuntos em relação aos quais tenda a haver maiores dificuldades de aprovação. Por exemplo, (a regra de reajuste do) salário mínimo, que é um debate que, cedo ou tarde, terá que ser feito.

Essa articulação do “parlamentarismo branco” pode ser efêmera?

Exatamente. Para a reforma tributária, pelo papel do Rodrigo Maia, que praticamente chamou a causa para si, pode ser que essa situação se repita, mas, à medida que nos aproximamos de futuras eleições, e lembramos que já temos uma no ano que vem [eleições municipais, em outubro], os incentivos para que deputados que não são da base aliada votem a favor do governo diminuem. O chamado velho regime morreu, está sendo substituído por um ornitorrinco, uma coisa que é difícil de definir, mas ninguém sabe se esse ornitorrinco vai sobreviver.

 Com isso, a reforma da Previdência será insuficiente para recuperar a economia?

Aprovando a Previdência, vamos evitar cair no abismo, mas temos uma longa caminhada pela frente, que envolve a necessidade de reforçar o lado fiscal para além das questões previdenciárias. Não vejo elementos que permitam ver ainda como poderemos ter sustentação legislativa duradoura para futuras medidas que continuam sendo importantes para alicerçar o otimismo de longo prazo. Nos ciclos anteriores de crescimento, nos anos 1990, e depois na década passada, existiam dois denominadores em comum. Em primeiro lugar, a percepção de que o governo tinha comando sobre a agenda do Legislativo, tanto no governo Fernando Henrique quanto no governo Lula. Em segundo lugar, associado a isso, havia uma percepção, por parte do empresariado, da existência do que eu chamo de “chão pela frente”, de você olhar para o horizonte e ter uma visão de que dava para tomar decisões de investimento anos à frente, com riscos apenas moderados.

O que achou do fato de o relatório da comissão ter sugerido elevação de impostos?

Do ponto de vista formal, me parece inadequado dar esse tratamento no âmbito da reforma previdenciária. Não estou entrando no mérito da questão, mas não me parece adequado tratar questões estritamente tributárias no âmbito da reforma previdenciária. Deveriam ser tratadas na reforma tributária.

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Sentiu diferenças entre o clima da comissão especial da reforma proposta agora, em relação à reforma do governo Temer?

Quando eu fui apresentar minhas ideias na comissão em abril de 2017, todos os discursos, sem exceção, foram extremamente críticos à reforma. Agora [em maio], notei duas diferenças importantes. Primeiro, o ambiente era muito mais adequado, mérito, em particular, do presidente [da comissão especial] Marcelo Ramos [(PL-AM)]. Em segundo lugar, a grande maioria das manifestações, e eu ouvi mais de 40 discursos no dia, era a favor do espírito da reforma, mesmo fazendo ressalvas aqui e acolá, notadamente no caso do BPC. Deu para notar que há um ambiente muito diferente.

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