PUBLICIDADE

Apesar de AstraZeneca e Blackrock negarem, empresários reafirmam negociação de vacinas

Grupo de empresários brasileiros diz que negociação de até 33 milhões de doses de vacina segue em curso; laboratório e fundo de investimento negaram as conversas nesta terça-feira, 26

Foto do author Fernando Scheller
Por Fernando Scheller e David Friedlander
Atualização:

Apesar de o laboratório AstraZeneca e o fundo de investimento Blackrock terem declarado nesta terça-feira, 26, que não têm vacinas contra a covid-19 para fornecer à iniciativa privada, um grupo de empresários brasileiros reafirmou que continua a negociar  33 milhões de doses do laboratório, que distribui o imunizante em parceria com a Universidade de Oxford. O movimento foi iniciado pelo grupo Coalizão Indústria, na semana passada. Cerca de 60 empresas já teriam aderido à aquisição conjunta, embora grandes empresas nacionais, como Vale, Itaú e Vivo, tenham preferido não participar. 

A AstraZeneca reafirmou que, pelo acordo com a a Fiocruz, mais de 100 milhões de doses de sua vacina estarão disponíveis no Brasil, em parceria com o governo federal. Foto: Dominic Lipinski/EFE

PUBLICIDADE

O movimento de compra das vacinas tem como um dos coordenadores o advogado Fábio Spina, diretor jurídico da gigante Gerdau, que está trabalhando nas negociações dos imunizantes como voluntário. Procurado pela reportagem, Spina confirmou que as negociações seguem em curso. "A intenção (da coalizão) é gerar volumes adicionais de vacinas que, de outra forma, não estariam disponíveis para o Brasil", disse. "As empresas estão preocupadas com a questão humanitária e com o pleno retorno da atividade econômica.

Outro líder do movimento Coalizão Indústria, o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo Lopes, afirmou que as negociações continuam. Ele destacou que a operação ocorre com o aval do governo federal. "Desde o início da pandemia, a indústria está ajudando a salvar vidas. E estamos num esforço para trazer essas 33 milhões de doses (ao País)", diz. Lopes ressaltou ainda que o investimento total para comprar o lote seria de aproximadamente R$ 4,4 bilhões.

Para o presidente do Secovi-SP, Basílio Jafet, a iniciativa, caso obtenha sucesso, é válida e poderá ajudar a "preencher lacunas" deixadas pelo governo federal tanto na compra quanto na distribuição das vacinas. Ele acredita que, caso a coalizão tenha realmente acesso aos imunizantes, as empresas do setor da construção civil deverão adquirir as doses para seus colaboradores.

Em nota, porém, a AstraZeneca afirmou: "Todas as doses da vacina estão disponíveis por meio de acordos firmados com governos e organizações multilaterais ao redor do mundo, (...) não sendo possível disponibilizar vacinas para o mercado privado". No mesmo comunicado, a companhia disse: "Como parte do nosso acordo com a Fiocruz, mais de 100 milhões de doses da vacina Oxford/AstraZeneca (AZD1222) estarão disponíveis no Brasil, em parceria com o governo federal."

Após a negativa da AstraZeneca, o grupo de empresários esclareceu negociação de vacinas seria, na realidade, com o fundos de investimento, como o Blackrock, que deteriam uma "cota" de imunizantes por serem acionistas do laboratório. Procurado, o Blackrock negou a informação. 

Uma fonte do setor jurídico especializada em ciências da saúde diz que há vários entraves à importação de imunizantes pelo setor privado. Além de questões regulatórias – como o fato de o preço de produtos farmacêuticos ser monitorado pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) –, há a questão do volume dos imunizantes disponível. "Outros governos se comprometeram a comprar as vacinas antes ainda dos testes, dividindo o risco com as farmacêuticas. Não foi o que aconteceu no Brasil, que, de concreto, tem a Coronavac, do Instituto Butantan", disse a fonte.

Publicidade

O movimento das empresas, iniciado na semana passada, visa a agilizar a vacinação contra a covid-19 no País. A proposta que circulou em grupos de WhatsApp de empresários desde sexta-feira previa a compra de um mínimo de 11 milhões de doses (de um total supostamente disponível de 33 milhões), por US$ 23,79  a unidade. O valor está muito acima do pago pelo governo, no primeiro lote recebido da Índia, de pouco mais de US$ 5 a unidade. Uma fonte próxima à negociação diz que o valor da vacina pode "baixar um pouco", para cerca de US$ 20 por dose.

Nem todo o setor produtivo embarcou na ideia da Coalizão Indústria, que prevê o uso de 50% dos imunizantes para vacinar funcionários das empresas, com a doação da outra metade ao Sistema Único de Saúde (SUS). Grandes empresas acreditavam, porém, que todo o lote deveria ser destinado ao sistema público.

Apoio do Palácio do Planalto

Nesta terça-feira, 26, o presidente Jair Bolsonaro defendeu a possibilidade de empresas comprarem vacinas contra covid-19 para vacinarem seus funcionários e repassarem uma parte ao sistema público de saúde. "O governo é favorável a esse grupo de empresários trazer vacina a custo zero pro governo", afirmou Bolsonaro ao participar de evento virtual organizado pelo banco Credit Suisse. O ministro da Economia, Paulo Guedes, também elogiou a movimentação dos empresários.

CONTiNUA APÓS PUBLICIDADE

Em carta enviada à AstraZeneca e ao fundo Blackrock, na última sexta-feira, 22, o governo já havia explicitado o apoio à compra da vacina pelo 'pool' de empresas. No documento, assinado por Élcio Franco, secretário-executivo do Ministério da Saúde, além de outras autoridades, ficava explícito o aval do governo à aquisição, dada a garantia de que 50% dos imunizantes fossem para as mãos do Plano Nacional de Imunização.

Essas duas posições significam, porém, uma mudança de postura do governo em relação ao tema. Em reunião realizada há menos de duas semanas com os ministérios da Saúde, da Casa Civil e das Comunicações, empresas foram informadas de que o governo realizaria toda a imunização e de que não haveria necessidade de ajuda de empresários. À época, o governo disse que teria doses suficientes para vacinar a população e que a compra por empresas seria proibida.

A compra das vacinas pela iniciativa privada, e não pelo governo, levantou questionamentos entre parte do empresariado se a medida não representaria "furar a fila" de vacinação no País. Por enquanto, apenas grupos prioritários, como idosos e profissionais da saúde receberam doses do imunizante. Foi justamente esse ponto da proposta de compra de vacina por empresas que fez grandes empresas “saltarem do barco” no que se refere ao assunto.

Publicidade

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.