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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Atalhos

Não serão os atalhos que nos trarão de volta à trilha do crescimento sustentável

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

O Brasil viveu sua pior recessão e vive hoje uma lenta recuperação. Frustração com o ritmo da retomada, crescimento pífio e taxa de desemprego que custa a ceder geram as condições para que as mais diversas ideias e proposições surjam e prosperem como caminhos para dar início à retomada que está custando a vir. Legítimo, dado o custo da estagnação que hoje recai sobre uma população que sofre com o desemprego e com a falta de oportunidades. Mas igualmente perigoso, senão ingênuo, dado nosso histórico recente e a profundidade da crise que esse mesmo histórico legou-nos. Nesse contexto, falar em estímulos ficais para fazer a economia que parou voltar a andar, soa como um atalho que promete cortar o longo caminho de correção que temos de trilhar.

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Estímulos fiscais foram a base de uma orientação de política econômica que dominou o segundo mandato do presidente Lula e viu sua meta dobrada na administração da presidente Dilma. Empacotados sob o nome de Nova Matriz Econômica, um conjunto de medidas fiscais que tinham como objetivo manter a economia aquecida quando o ciclo de crescimento anterior já se exauria.

Ali a lista de estímulos fiscais usados e abusados foi longa. Aumento desordenado do gasto público, que nos fez ultrapassar o limite de receitas e gerar déficits fiscais sucessivos desde 2014; isenções fiscais desprovidas de avaliação de impacto que, segundo o Tribunal de Contas da União, montam hoje a mais de R$ 300 bilhões em renúncia anual de receitas, sem evidências de que benefícios tenham sido capturados.

Pelo lado dos entes subnacionais, volumes inéditos de garantias para concessão de empréstimos para Estados e municípios sem capacidade de pagamento foram o combustível que aprofundou o desequilíbrio estrutural desses entes, transformando receita extraordinária em gasto corrente. O resultado aqui foi um aumento real de salários sem precedentes e o consumo crescente de receitas com despesa de pessoal que estrangulam Estados e municípios e comprometem sua capacidade de servir à população.

Há ainda os estímulos ao consumo, via controle de tarifas públicas, e ao sobrendividamento, consequência da política de juros baixos praticada pelos bancos públicos via concessão de empréstimos a juros descolados da avaliação de risco e cujo principal efeito foi a transferência da inadimplência do sistema financeiro privado para o público. 

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Não menos importante, os investimentos equivocados via BNDES, feitos a taxas de juros subsidiadas – e portanto à custa do Tesouro Nacional. Finalmente, o inchaço da máquina pública, com concursos e contratações em série, elevações salariais desconectadas de ganhos de produtividade, aumentando sobremaneira o peso da máquina pública e levando a massa salarial do setor público a atingir 46% da massa salarial total do Brasil, evidenciando um mercado de trabalho dual, onde alguns poucos privilegiados continuaram a ter ganhos reais de salários enquanto 12 milhões de brasileiros engordavam as estatísticas de desemprego.

O resultado desses estímulos foi a completa desorganização da economia e um desequilíbrio fiscal estrutural que nos afundou na pior recessão da nossa história. A mesma que hoje atrai outros estímulos como forma de fazer andar a economia que parou.

A correção dos problemas gerados por esse conjunto equivocado de estímulos exige uma agenda de reformas ampla e complexa. Agenda que não pode mais ser adiada para que se devolva à economia brasileira o principal motor de crescimento que é a elevação da taxa de produtividade. Parte dessa agenda emerge nas mudanças estruturais que visama melhorar o ambiente de negócios, tirar o Estado de setores onde ele mais atrapalha do que ajuda e de fomentar um mercado de crédito (primário e secundário) mais ativo. Além disso, há amplo espaço para que o estímulo monetário faça o seu papel. Juros mais baixos, crédito mais farto e barato e um ambiente de negócios mais favorável são o caminho mais longo, mas são o único caminho seguro.

Os defensores dos estímulos fiscais de hoje o fazem sob o argumento de que ele daria um choque para que a economia saísse do marasmo. Seus efeitos de curto prazo se somariam aos efeitos que uma taxa de juros mais baixa e os ganhos de confiança com a aprovação da reforma da Previdência trarão lá na frente. Atalhos têm seu apelo e, por isso mesmo, o seu risco. Mas não serão eles que nos trarão de volta à trilha do crescimento sustentável.

Isso se dará a partir de uma agenda complexa, profunda e necessária. Mas a única que nos garantirá retomar o tempo perdido. Melhor devagar e sempre.

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*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

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