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Atrações fúnebres

Em busca de experiências diferentes, turistas procuram locais como Salem, Chernobyl e túmulos de celebridades

Por The Economist
Atualização:
Sinal de alerta de radiação é colocado próximo à reserva ecológica estadualde radiçãodentro da área de exclusão de 30 km ao redor da usina nuclear deChernobyl Foto: AP Photo/Sergei Grits

Há algumas semanas, em Salem, Massachusetts, uma bruxa ficou sem varinhas mágicas. Teri Kalgren, proprietária da Artemisia Botanicals, que, além de ervas medicinais, vende itens de feitiçaria, atribui o fim do estoque ao movimento de turistas. Não é de hoje que pessoas visitam Salem para saber detalhes sobre os julgamentos de 1692, quando a histeria puritana levou à execução de 20 pessoas (e dois cachorros) por bruxaria. Em 1982, a cidade criou o Haunted Happenings, festival de Halloween com um dia de duração. De lá para cá, os festejos foram se ampliando e agora se estendem por todo o mês de outubro, atraindo 500 mil turistas. Em 2016, a cidade arrecadou US$ 104 milhões com o turismo, que é responsável por cerca de 800 empregos diretos.

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Do outro lado dos EUA, Scott Michaels também é testemunha da atração que exerce o macabro. Sua agência, a Dearly Departed Tours, com sede em Hollywood, começou com o empreendedor ao volante de um velho carro funerário, levando curiosos para conhecer túmulos de celebridades. Hoje, as visitas acontecem diariamente, numa operação que envolve sete funcionários.

O fato de que a indústria do turismo está em expansão acelerada é conhecido. Entre 1999 e 2016, segundo a Organização Mundial do Turismo, dobrou o número de pessoas que escolhem passar suas férias no estrangeiro. Com os turistas cada vez mais interessados em experiências diferentes, em vez de passar o dia à beira da piscina, o “turismo lúgubre” está em alta. A expressão é abrangente: inclui lugares onde foram cometidas atrocidades, como Auschwitz e os campos de extermínio no Camboja, áreas que foram palco de desastres nucleares, como Chernobyl, na Ucrânia, e Fukushima, no Japão, e outras localidades mórbidas, como a casa onde a ex-mulher de O. J. Simpson foi assassinada. A internet tornou esses locais mais conhecidos; os voos baratos os tornaram mais acessíveis.

Desastre nucelar. Veja-se o caso de Chernobyl. O acidente, ocorrido em 1986 numa usina nuclear localizada em território que hoje pertence à Ucrânia, causou a morte de mais de 30 trabalhadores, contaminou milhares de pessoas e obrigou 180 mil soviéticos a deixarem suas casas. Há dez anos, o jornalista eslovaco Dominik Orfanus esteve em Pripyat, aglomeração urbana que o desastre transformou em cidade fantasma, e resolveu abrir uma agência de turismo. As visitas à“zona de exclusão” dispararam: foram de 7,2 mil, em 2009, para 36,8 mil, em 2016. As restrições menos rigorosas, em vigor desde 2011, e o fato de a Ucrânia ter sediado a Eurocopa de 2012 contribuíram para impulsionar os números. A chernobylwel.com e duas agências concorrentes já receberam 2 mil avaliações no site TripAdvisor.

É possível justificar a exploração comercial de Chernobyl pela passagem do tempo e pelo fato de que, para a atrofiada economia local, os recursos gerados do turismo vêm a calhar. Em Salem, as mortes ocorreram há mais de 300 anos. Já as tragédias mais recentes exigem maior sensibilidade. As autoridades japonesas proíbem visitas aos arredores da usina de Fukushima, onde três reatores nucleares sofreram derretimento depois que um tsunami atingiu o litoral do país em 2011, causando a morte de quase 19 mil pessoas. Mesmo assim, guias locais levam mais de 2 mil turistas ao ano para conhecer cidadezinhas próximas aos reatores.

Michael Frazier, do National September 11 Memorial & Museum, de Nova York, fica incomodado com a palavra atração, embora o museu cobre ingresso, tenha lojinha de suvenires e mencione em seu site ser a segunda atração mais recomendada por turistas em Nova York no site Trip Advisor. A instituição também é o sexto museu do mundo em fotos e vídeos compartilhados no Instagram. Em 2016, mais de 3 milhões de visitantes geraram US$ 67 milhões para a fundação sem fins lucrativos que administra o lugar.

No memorial do World Trade Center e em Auschwitz, visitas controladas impedem a formação de multidões alvoroçadas. Em Chernobyl, porém, às vezes “são tantos ônibus que a cidade fantasma vira uma espécie de Disneylândia”, diz Orfanus. Carolyn Childs, da empresa de pesquisas My Travel Research, acredita haver espaço para que, com o auxílio de consultorias, esses locais consigam transitar cuidadosamente entre a recordação dos mortos e o apelo comercial.

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A morte vende bem, diz Philip Stone, do Institute for Dark Tourism Research, da Universidade de Central Lancashire. Em sua maioria, os turistas que visitam lugares lúgubres estão em busca de significados. As pesquisas do professor Stone sobre as motivações dessas pessoas revelam menos indivíduos esquisitões e mais estudiosos amadores da natureza humana. O Museu das Bruxas, em Salem, tenta atender a essas expectativas mais intelectuais, mostrando como a caça às bruxas é um traço que volta e meia aflora na cultura dos EUA, citando casos como a internação de japoneses após o ataque a Pearl Harbour, em 1941, e a perseguição aos comunistas pelo senador Joseph McCarthy, nos anos 1950. Um guia sugere que os visitantes, vestidos a caráter para o Halloween, tentem estabelecer paralelos com circunstâncias atuais. As pessoas deixam o museu absortas em reflexões.

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