
10 de abril de 2017 | 05h00
SÃO PAULO - A chave de uma sala comercial de 18 metros quadrados em Cachambi, na zona norte do Rio de Janeiro, deveria ter sido entregue a Marcello Lutterman, de 52 anos, em fevereiro. Por enquanto, porém, não há previsão apra a conclusão das obras do empreendimento. Segundo Lutterman, a construção está parada há cerca de oito meses e a própria construtora suspendeu a cobrança das parcelas. O problema é que ele já quitou o valor total do imóvel.
Lutterman havia comprado um apartamento de cerca de R$ 500 mil no Recreio dos Bandeirante, também no Rio, em 2012. Ele chegou a pagar R$ 160 mil. Sem conseguir arcar com os juros e as parcelas, fez, em 2015, um acordo com a PDG: trocou o apartamento pela sala comercial, cujo valor correspondia ao que já havia sido pago à empresa. À época, Lutterman não quis rescindir o contrato e receber o valor pago (operação conhecida como distrato). “Eles já não estavam honrando (com o compromisso).”
Agora, só resta ao comprador que a PDG reestruture sua dívida e retome a obra. De acordo com o site da companhia, 26% da estrutura do condomínio em que Lutterman tem a sala comercial ainda não foi concluída. Dos revestimentos internos, faltam 84%. Lutterman acredita que poderia estar cobrando R$ 1 mil por mês pelo aluguel do espaço.
O carioca é um dos cerca de 5 mil donos de imóveis cujas obras ainda não foram entregues pela PDG. Esse número só não é maior porque os bancos que financiavam as construções da empresa trabalharam para que não se repetisse uma tragédia no setor imobiliário, como a da Encol, que quebrou em 1999 deixando 700 empreendimentos inacabados – a PDG tem 30 condomínios nessa situação.
O Estado apurou que os bancos não cortaram o financiamento de obras cujo índice de distratos era alto, conforme permitido pelos contratos. A intenção das instituições financeiras foi garantir o valor já concedido à empresa e ficar com os imóveis cuja construção for finalizada. “A ideia é mitigar o prejuízo. Os bancos amadureceram e viram que acionar a cláusula (que permite interromper a obra) pode levar a construtora à falência, o que prejudica os próprios bancos”, afirmou uma fonte.
Consumidor. Além dos 5 mil clientes da PDG que aguardam a finalização de suas obras, há aproximadamente outros 15 mil com problemas, como distratos não pagos.
casal Gizele Vieira e Thiago de Oliveira está entre os que esperam receber um pagamento da empresa após acionar a Justiça. Eles compraram um imóvel no fim de 2012 com a promessa de que seria entregue em março de 2015 – cinco meses antes da data marcada para o casamento. Quando o prazo venceu, foram informados de que haveria um atraso de mais seis meses. Terminado esse prazo, a PDG comunicou que a construção levaria mais um ano e meio.
Eles acabaram desistindo do negócio e entraram com um processo contra a companhia. Hoje, vivem em uma casa alugada na zona norte de São Paulo – pagando R$ 1,7 mil por mês – e aguardam a devolução de R$ 60 mil determinada pela Justiça. “A ideia é investir o dinheiro para comprar um imóvel à vista. Não queremos mais passar por esse problema”, diz Gizele.
O advogado Marcelo Tapai, especialista em direito imobiliário, afirma que consumidores como Gizele e Thiago precisarão contratar um advogado para receberem seus créditos. No caso daqueles que têm imóveis em empreendimentos não finalizados, há a opção rescindir o contato, sob o risco de até não receber o valor, caso a construtora vá à falência, ou de aguardar a retomada das obras, voltando a pagar as parcelas quando isso ocorrer.
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10 de abril de 2017 | 05h00
SÃO PAULO - De maior incorporadora do País, a PDG virou um poço de problemas para os credores – majoritariamente bancos – e, principalmente, para seus clientes. Em recuperação judicial desde 22 de fevereiro, no maior processo do gênero no setor imobiliário, a empresa deve apresentar à Justiça até maio seu plano de reestruturação para tentar se reerguer. O desafio maior será concluir os 30 empreendimentos em andamento, 17 dos quais estão paralisados.
Segundo fontes ouvidas pelo Estado, a tarefa não será nada fácil. Com uma dívida total de cerca de R$ 7,8 bilhões – dos quais R$ 6,2 bilhões no processo de recuperação judicial, aprovado pela Justiça em 2 de março, além de cerca de R$ 1,6 bilhão não incluído no processo –, a PDG não tem hoje dinheiro para comprar um tijolo sequer.
Da dívida total, R$ 1 bilhão refere-se a ações de clientes, que somam cerca de 20 mil pessoas – caso do casal Gizele Vieira e Thiago de Oliveira, que desistiu da compra do apartamento após a construtora informar que a obra atrasaria um ano e meio. Eles tiveram de refazer seus planos e hoje engrossam a lista de credores da PDG.
Em um mercado marcado por baixa demanda por imóveis, altos níveis de rescisão de contratos (distratos) e crédito restrito para as próprias incorporadoras, a PDG, que contratou a consultoria RK Partners e o escritório de advocacia E. Munhoz, vai tentar levantar dinheiro novo com os bancos credores, como Bradesco, Itaú, Caixa e Banco do Brasil, para conseguir terminar as obras. A propostatambém prevê a venda de apartamentos em estoque e terrenos para fazer caixa. Procurados, RK e E. Munhoz não comentam.
Recursos. Fontes a par do assunto afirmaram ao Estado que a companhia precisa de pelo menos R$ 500 milhões para terminar as obras. “Há mais possibilidade de os bancos colocarem dinheiro em construções em estágio avançado porque, dessa forma, podem vender os apartamentos ou pegá-los como garantia”, afirmou uma pessoa ligada a um dos credores. “Mas, para as obras que ainda estão no início, a alternativa seria repassar os empreendimentos a outras incorporadoras ou convencer os clientes a bancar o término das obras.” Procurados, os bancos não comentaram.
No mercado, há ceticismo em relação à recuperação plena da empresa, que chegou a ser avaliada em Bolsa em R$ 14 bilhões, em 2010, e hoje vale R$ 103 milhões. Em 2016, a PDG encerrou com prejuízo líquido de R$ 5,43 bilhões. O patrimônio líquido ficou negativo em R$ 3,4 bilhões. Ou seja, o valor das obrigações é superior ao dos ativos.
“A dívida é insustentável. A PDG adotou estratégias erradas: cresceu desordenadamente em regiões que não tinham como ter escala e buscou atender públicos muito diferentes”, disse uma fonte de mercado. Ainda assim, segundo pessoas familiarizadas com o assunto, a recuperação judicial foi o melhor caminho. “Não acredito em risco sistêmico, mas uma falência poderia prejudicar o setor”, disse outra fonte.
Futuro. Vladimir Ranesvsky, presidente da empresa, faz um “mea culpa” e reconhece que a PDG tinha um projeto de atuação nacional com imóveis de vários padrões, para diversos públicos, que não funcionou. Isso vai mudar. “O foco será tornar a PDG uma companhia bem menor, mas rentável e capaz de honrar seus compromissos.”
Hoje presente em nove Estados, o grupo deve focar em poucas capitais, mas não definiu qual será o seu nicho de mercado. Colocar esse plano em prática, porém, ainda depende do aval dos credores.
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