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Aumento de juros dificulta ajuste

Por Antonio Corrêa da Lacerda
Atualização:

Durante muito tempo, em passado recente, a política fiscal, por ser considerada expansionista, era acusada de não colaborar com a política monetária no combate à inflação. É curioso que vivemos neste momento a situação reversa: a política monetária pode comprometer os resultados almejados na área fiscal. Ninguém tem dúvida da necessidade do ajuste. O problema é a dificuldade de fazê-lo num cenário econômico internacional ainda desafiador (queda dos preços das commodities, baixo dinamismo do comércio global, etc.). E o quadro doméstico é igualmente complexo, já vem de uma estagnação desde o ano passado, o que é agora agravado com as medidas de contenção já tomadas e o aumento do risco de racionamento hídrico e de energia. Diante deste arcabouço, chama a atenção o aumento da taxa de juros Selic, agora em 12,25% ao ano - uma elevação de 5 pontos porcentuais nos últimos dois anos! O risco é de que a combinação das medidas adotadas, diante da fragilidade do nível de atividade, nos leve a uma recessão, o que, por si só, pode inviabilizar o ajuste fiscal pretendido. Nesta hora, cautela deveria ser o nome do jogo... Enquanto nas principais economias do mundo as taxas de juros reais seguem negativas para suportar a atividade econômica, no Brasil a taxa de juros real segue acima de 5% ao ano e em elevação. Por causa do fraco desempenho econômico, aumentar a já elevada Selic comprometerá ainda mais os investimentos produtivos e a retomada da economia. E, em termos fiscais, acarretará grande aumento nas despesas com os juros da dívida pública. O setor público consolidado teve déficit primário de R$ 32,5 bilhões (0,63% do PIB) em 2014, uma inversão em relação ao ocorrido em 2013, quando o resultado primário correspondeu a um superávit de R$ 91,3 bilhões (1,88% do PIB). Também os elevados juros praticados (Selic) impactaram negativamente as contas públicas. O custo de financiamento da dívida pública atingiu R$ 311,4 bilhões (6,07% do PIB) no acumulado de 2014. O resultado nominal, portanto, foi deficitário em R$ 343,9 bilhões (6,7% do PIB) no ano, mais do que dobrando, comparado a 2013, quando o déficit havia atingido R$ 157,6 bilhões (3,25% do PIB). Diante do quadro deficitário das contas públicas, o Ministério da Fazenda segue implementando medidas restritivas, com contenção de gastos do governo e aumento de impostos visando a atingir a meta de 1,2% do PIB de superávit primário em 2015. A questão é que as medidas de ajuste fiscal são implementadas num cenário de desaquecimento das atividades econômicas e de forte incerteza decorrentes de vários fatos, como, por exemplo, o risco de racionamento de água e de energia. Portanto, as medidas adotadas na área fiscal, combinadas com a elevação dos juros, podem potencializar uma piora no desempenho econômico e, consequentemente, o aumento de arrecadação esperado pelo governo pode não ocorrer. Além disso, nos últimos anos o custo do financiamento da dívida pública teve grande elevação e também foi responsável direto pela piora no resultado nominal. Com as constantes elevações da taxa Selic, para 2015 o custo de financiamento deve se manter em patamares próximos a 6% do PIB. O setor produtivo segue se deteriorando. Na indústria, em 2014, registrou-se um decréscimo de 3,2%, com quedas em todas as grandes categorias econômicas. Houve recuo nos bens de capital (-9,6%), nos bens de consumo duráveis (-9,2%), nos bens de consumo semi e não duráveis (-0,3%) e nos bens intermediários (-2,7%). O risco é de que as medidas sejam "mais realistas que o rei" e provoquem uma queda ainda mais pronunciada na já fragilizada atividade econômica, inviabilizando o ajuste pretendido. Lembrando que cada elevação da taxa de juros representa, além do encarecimento do crédito e do financiamento, também um aumento dos gastos com pagamentos de juros sobre a dívida pública. Um verdadeiro "tiro no pé".* É professor-doutor, coordenador do Programa de Estudos Pós-graduados em Economia Política da PUC-SP e consultor. Site: www.alacerda.com

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