Sem solução para precatórios, aumento médio do novo Bolsa Família será de apenas R$ 8,51

Com previsão atual de gastos para 2022, famílias receberiam em média R$ 194,45, valor inferior aos R$ 300 prometidos pelo presidente Jair Bolsonaro; para entregar reajuste, governo precisa resolver Orçamento

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Por Idiana Tomazelli
Atualização:
4 min de leitura

BRASÍLIA - O novo programa social do governo, chamado de Auxílio Brasil, terá um aumento de só R$ 8,51 no valor médio em relação ao Bolsa Família, caso governo e Congresso não consigam aprovar a tempo uma solução para os precatórios, dívidas judiciais que tiveram forte aumento em 2022 e ocupam o espaço no Orçamento que seria destinado à ampliação da política social.

O Ministério da Cidadania calcula que o valor médio do Auxílio Brasil seria de R$ 194,45 em 2022, pago a 14,695 milhões de famílias, considerando a dotação disponível hoje no Orçamento. Os dados constam em parecer técnico da pasta obtido pelo Estadão/Broadcast via Lei de Acesso à Informação (LAI).

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O valor é R$ 105,55 menor do que vem sendo prometido pelo presidente Jair Bolsonaro, que almeja um benefício médio de pelo menos R$ 300 para as famílias do novo Auxílio Brasil.

Também é apenas R$ 8,51 maior que o valor médio de R$ 185,94 calculado para vigorar até outubro deste ano, último mês do Bolsa Família, já que a intenção do governo é implementar o Auxílio Brasil a partir de novembro de 2021.

Sem aprovar acordo para precatórios, Orçamento de2022 não tem espaço para um Bolsa Família maior. Foto: Agência Brasil

Além do reajuste tímido, o parecer mostra que a ampliação no número de famílias alcançadas pelo programa também é pequena. Hoje, 14,655 milhões de famílias recebem o Bolsa Família, e mais de 1 milhão aguarda na fila do benefício. Pelos cálculos do Ministério, a previsão é de um aumento líquido de apenas 39.761 beneficiários, caso a dotação orçamentária para 2022 permaneça como enviado pelo governo ao Congresso Nacional.

O pedido de acesso ao parecer foi protocolado pela reportagem em 10 de agosto e deveria ter sido enviado pelo Ministério da Cidadania até 9 de setembro, mas a pasta descumpriu o prazo estipulado em lei. O envio dos pareceres ocorreu apenas depois de o Estadão/Broadcast mostrar a violação da LAI e recorrer à Controladoria-Geral da União (CGU), que determinou a divulgação dos documentos em até cinco dias.

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Por telefone, a assessoria de imprensa do Ministério da Cidadania informou que o atraso se devia ao “alto volume de pedidos”, mas não encaminhou resposta oficial por e-mail como solicitado pela reportagem. Em vez disso, foram enviados os documentos requeridos há mais de um mês.

Em sua decisão, a própria CGU alertou que a lei prevê a responsabilização dos agentes públicos “quando da prática de condutas ilícitas no tocante a recusa/retardamento no fornecimento das informações requeridas".

O documento do Ministério da Cidadania foi assinado por técnicos no dia 2 de agosto – uma semana antes do envio da Medida Provisória ao Congresso Nacional –, mas estava sob sigilo até agora, embora a lei determine a transparência como regra.

Mesmo que o governo pretenda reajustar os valores, as normais legais determinam que os cálculos de impacto financeiro e orçamentário sejam feitos de acordo com o espaço disponível no Orçamento.

Para 2022, o governo prevê um gasto de R$ 34,2 bilhões com os benefícios de composição familiar, primeira infância e superação da extrema pobreza. Outros R$ 85,95 milhões serão destinados às bolsas de iniciação científica, auxílio esporte escolar, auxílio criança cidadã (para pagamento de creches) e inclusão produtiva urbano. Já o auxílio inclusão produtiva rural custaria R$ 187,45 milhões. Outro R$ 1,157 bilhão seria reservado ao custo de operação do programa. O gasto total seria de R$ 35,8 bilhões. Os mesmos valores são projetados para 2023.

O parecer também detalha os valores até agora estimados para os benefícios do Auxílio Brasil, bem como para as linhas de pobreza e extrema pobreza que delimitam quem tem direito ou não ao programa. A linha de extrema pobreza, hoje em até R$ 89 por pessoa, seria reajustada para R$ 93. Já a linha de pobreza, hoje até R$ 178 por pessoa, seria ampliada a R$ 186.

O valor do benefício de composição familiar, pago por cada integrante familiar entre 3 e 21 anos, seria de R$ 45. Já o benefício primeira infância (0 a 36 meses) ficaria em R$ 90. Já o benefício de superação da extrema pobreza, pago a quem mesmo com os outros benefícios não atinge a linha inferior de extrema pobreza, será calculado caso a caso, com o mínimo de R$ 10 por pessoa.

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Aumento

O próprio governo estima ter cerca de 30 dias para destravar a solução para os precatórios (dívidas judiciais) e conseguir espaço no Orçamento para ampliar o Auxílio Brasil aos valores prometidos pelo presidente Jair Bolsonaro: benefício médio de R$ 300 a 17 milhões de famílias.

Nos últimos dias, governo e Congresso chegaram a um acordo para limitar o gasto com essas dívidas judiciais a R$ 40 bilhões em 2022, deixando outros R$ 50 bilhões para o ano seguinte ou para serem negociados e pagos fora do teto de gastos, a regra que limita o avanço das despesas à inflação.

A implementação desse acordo, porém, depende da aprovação de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que requer apoio de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação em cada Casa. Depois, o Ministério da Economia precisa enviar o Congresso uma mensagem modificativa do Orçamento para remanejar os recursos e abrir caminho ao Auxílio Brasil.

Transparência

O economista Gil Castello Branco, fundador da Associação Contas Abertas, critica o fato de o Ministério da Cidadania ter descumprido o prazo para divulgar essas informações. "Os pareceres técnicos sobre o novo benefício são peças essenciais para a análise do programa, seja por parte do Congresso ou pela sociedade. Quando o governo não fornece esses pareceres, a impressão que se tem é que há algo a esconder. Por qual outro motivo o governo não libera o acesso a esses pareceres técnicos?", questionou.

Antes de o Ministério repassar as informações, o diretor-executivo da Transparência Brasil, Manoel Galdino, afirmou que é bastante incomum um órgão ignorar pedidos de acesso à informação. “Mais de 90% dos pedidos são respondidos dentro do prazo, ainda que negativamente (quando o acesso não é concedido)”, diz. “É muito incomum e é gravíssimo.”

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