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'Auxílio emergencial foi desenhado para durar três meses e acabou', diz secretário da Economia

Em entrevista ao 'Estado', Adolfo Sachsida alerta qualquer programa futuro só terá espaço no Orçamento Federal a partir da revisão de outros gastos

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Por Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - O aumento do desemprego e da pobreza vai demandar do governo uma política social fortalecida no momento pós-crise da covid-19, reconhece o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, em entrevista ao Estadão/Broadcast. Ele alerta, porém, que o auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais “não é para ter vida longa” e qualquer programa futuro só terá espaço no Orçamento Federal a partir da revisão de outros gastos.“Temos que rever programas sociais que transferem dinheiro de pobres para ricos”, afirma. 

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Sachsida evitou elencar as iniciativas que estão na mira da equipe econômica, mas convocou membros da academia a auxiliar nesse debate em vez de apenas dispararem críticas contra o teto de gastos, mecanismo que limita o avanço das despesas à inflação. “As pessoas na universidade precisam chamar responsabilidade e apontar programas que não são eficientes”, diz.

Mesmo que a crise perdure, Sachsida avalia que o País precisará retomar a agenda de reformas. O secretário admite ainda que, mesmo que a economia reabra, ainda não está claro qual será o comportamento de consumo dos brasileiros. “Alguns setores vão ter perdas permanentes”, afirma. Confira os principais trechos da entrevista:

Adolfo Sachsida, o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia Foto: Dida Sampaio/Estadão

O sr. defendeu na semana passada uma forte rede de proteção social para o momento pós-pandemia. Como esse debate está sendo conduzido pelo Ministério da Economia, dada a limitação fiscal?

O pilar que dá sustentação ao lado fiscal da nossa economia é o teto dos gastos. Esse pilar macrofiscal foi preservado. A ideia é que todos os programas que nós fizemos de impacto fiscal sejam transitórios, e todos inevitavelmente terminem este ano. O auxílio emergencial aos informais foi desenhado para ter duração de três meses porque, quando você pega os dados, por exemplo, de famílias que moram em residências onde mais da metade da renda vem do setor informal, a perda de renda estimada com o distanciamento social é algo entre 70% e 80%. Logo que nós vimos esse problema, era fundamental desenhar algo de muita potência e muito rápido. Foi nesse contexto que o auxílio emergencial foi desenhado. Ele não é para ter vida longa. Ele é desenhado para durar três meses e acabou. As políticas de impacto fiscal implementadas durante a pandemia são transitórias porque a crise é transitória. Agora, passada a pandemia, é chegado o momento de alguns debates importantes para a nossa sociedade. Não há espaço fiscal para gastarmos mais.

Mas como fortalecer a rede de assistência social?

Quem lidera essa discussão é o Ministério da Cidadania. O que eu alertei é que alguns debates são importantes de serem feitos. Será que nós não estamos transferindo muito dinheiro dos pobres para os ricos? Eu acho que estamos. Isso tem que mudar. Nós temos que fazer a política social da maneira correta.

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E como muda isso?

Temos que rever alguns programas sociais que, na minha concepção, transferem dinheiro dos pobres para os ricos. Você tem que fazer o contrário. Não adianta achar que tem mais dinheiro para gastar. Temos que melhorar nossa eficiência, fazer mais com menos. Como se faz isso? Revendo programas sociais que não são eficientes. O que nós precisamos fazer é pegar o dinheiro que estamos gastando mal e colocar em programas onde nós gastamos bem. Existem vários programas no Brasil que estão mal focalizados. O que precisamos é rever esses programas, fazendo o dinheiro chegar onde ele realmente é necessário.

O que senhor acha da unificação dos programas sociais?

Esse é o caminho. Unificar tudo num único lugar. Temos que trabalhar melhor para alinhar corretamente os incentivos.

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O plano inclui revisar o abono salarial?

Eu não quero citar nomes porque não é o momento, ainda. O momento agora é dos meus amigos da academia também chamarem um pouco a responsabilidade. Me desculpa, aqui vou ser muito honesto. O teto de gastos veio para ficar. Está na hora de as pessoas que estão na universidade pararem de falar mal do teto de gastos e começarem a falar bem de como nós vamos mantê-lo. Está na hora, por exemplo, de os meus amigos da universidade, dos meus amigos que estão em institutos de pesquisa, começarem a ajudar o Brasil dizendo ‘ó, o programa A está gastando muito dinheiro e está transferindo dinheiro do pobre para o rico, está na hora de acabar com o programa A e transferir isso para aquele programa que ajuda os pobres’. Não vou ficar citando nome de programas agora. Mas quem está na academia podia estar fazendo isso, e eu espero que faça. É um pedido meu. O Brasil precisa dessa ajuda. Vejo muita gente na universidade que gasta um tempo enorme falando do teto de gastos. Prestem atenção, o teto de gastos veio para ficar. Agora, eu peço ajuda. Já que o teto veio para ficar, comecem a falar dos programas que não são eficientes. Eu quero um debate honesto.

O Simples é um desses programas sob revisão? As microempresas estão sofrendo bastante com a crise.

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O que está na minha cabeça não é um desenho já pré-pronto, é muito mais um convite ao debate. Quando você olha, dada a magnitude dessa crise, você sabe que o desemprego vai aumentar, que vai precisar de uma política social mais forte e que vai ter problema também com o número de falência de empresas. Então o que estava citando é que íamos precisar de políticas de emprego melhor desenhadas, de uma política social mais eficiente e de uma melhor lei de falências. A rigor, a ideia não é muito do Simples, não, porque temos que preservar o teto de gastos, e o Simples é um gasto tributário. Mexer no Simples não abre espaço no teto. O que precisamos é melhorar a alocação do que efetivamente é gasto.

O que dá para melhorar em relação à recuperação judicial no Brasil?

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Temos que trabalhar em conjunto com o Congresso. Infelizmente, o número de falências resultante desta pandemia vai ser alto. Nós vamos precisar de uma Lei de Falências muito eficiente para poder realocar rapidamente o capital que está num setor para outro setor. Se nós ficamos cinco, dez anos discutindo a falência de uma empresa, vamos ter problemas bem severos na economia. Agora é trabalhar no projeto de lei que já está lá na Câmara.

Como o sr. vê os impactos já sentidos pela economia e o cenário à frente? O BC alertou que a recuperação pode ser marcada por idas e vindas.

Infelizmente o Brasil e o resto do mundo vão sair dessa crise mais pobres e mais endividados. São quatro os lugares em que o Brasil precisa prestar muita atenção. Temos que ter políticas de emprego mais eficientes, porque o desemprego vai aumentar. Temos que ter uma política social mais eficiente, porque a pobreza vai aumentar. Temos que ter uma lei de recuperação judicial mais eficiente, porque o número de falências vai aumentar. E temos que ter mais eficiência no mercado de crédito. Dado que não temos espaço para gastar mais e vamos manter o teto de gastos, o que sobra? As reformas. Estamos em um País em que a cada dez domicílios, um não tem água. Poxa, não é possível isso. Temos que avançar nessa agenda de saneamento. Temos que avançar na privatização da Eletrobras, nas privatizações e concessões. Abrir a economia, melhorar as nossas questões de consolidação fiscal, rever as desonerações tributárias. Temos que ter um sistema tributário mais eficiente. Nós temos, acima de tudo, que parar de transferir dinheiro dos pobres para os ricos no Brasil.

Mas como conciliar isso com a duração ainda incerta da crise?

Nossas medidas estão desenhadas para aguentar três, quatro meses. Temos consciência disso. Se a duração da crise passar desse período, algumas outras medidas terão que ser pensadas. Mas parte expressiva das medidas já foi tomada. O que está faltando a rigor? Crédito para micro e pequena empresa, que já foi aprovado na Câmara, o presidente já está sancionando. Essa primeira leva de intervenções foi robusta e chegou a tempo para preservar vidas, empregos e empresas. Agora é o momento de verificarmos se está faltando alguma coisa, algum ajuste. Mas mesmo que a crise dure muito mais, não podemos fugir de uma verdade incontestável. O nosso País precisa de uma série de reformas, e eu acho que, passado esse primeiro momento da pandemia, que vai até junho, julho, vamos ter que nos confrontar com isso. Mesmo que a pandemia continue. Tenho convicção de que o ministro Paulo Guedes, o presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, o presidente do Senado (Davi Alcolumbre), todos eles trabalhando em conjunto vão conseguir implementar uma agenda reformista a partir de agosto no Brasil. Vai ser um ano difícil, é importante deixar isso claro. Mas se nós fizermos a lição de casa este ano, nós teremos um ano que vem melhor.

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Tem espaço para redução das desonerações num quadro em que boa parte da indústria é atrasada?

Aqui também temos que fazer uma mea-culpa. Talvez não tenha deixado tão claro por que se quer rever desonerações. Quando se quer rever um gasto tributário, não é porque se é mau e quer aumentar imposto.Se o gasto tributário dá resultado, aumenta emprego e a produção, é uma coisa. Mas em vários casos, esses gastos tributários implicam transferir dinheiro do Brasil inteiro para um grupo específico. Nesse momento delicado das contas públicas, está errado fazer isso. Vamos trabalhar duro, com muita transparência e muito debate, mostrando algumas desonerações que não fazem sentido. E convidando o Congresso a nos ajudar a rever isso. Estou muito convicto que essa vai ser uma oportunidade de rever várias coisas que me parecem inapropriadas.

A revisão de gastos tributários fica mais difícil ou mais fácil depois da crise?

Fica mais transparente. E a transparência é sempre o primeiro passo para o avanço. Nesse sentido, ela entrou no radar de toda a sociedade. É claro que quem vai perder essas vantagens tributárias talvez não goste tanto. Mas é uma pergunta para a sociedade brasileira. Você quer manter essa política que custa tanto? Para eu manter essa política, não podemos manter essa outro. A sociedade vai escolher.

O Palácio do Planalto se aproximou do Centrão, isso tem duas consequências. Uma é a construção da base, que pode ser útil para aprovar medidas de interesse do governo, e outra é a pressão do Centrão para aumento de gastos no momento pós-crise. Como a área econômica vai lidar com isso? Como será o diálogo?

Eu entendo muito pouco de política. Quem faz a parte de relacionamento com o Congresso é a assessoria parlamentar. O que eu posso dizer com certeza absoluta é que nenhuma pressão de gasto chegou em mim. O que chegou é o que o ministro Paulo Guedes sempre diz: Adolfo, precisamos de um conjunto de medidas pró-mercado. Da mesma maneira que desenhamos medidas de combate à crise, temos que ter medidas de retomada econômica. Aqui existe um consenso muito claro que não há espaço fiscal. Eu tenho certeza que podemos fazer muito sem gastar mais. Essa é a minha tarefa. Mostrar que isso é possível.

Há o debate de como e quando reabrir a economia. Mas tem o comportamento das pessoas, se elas vão consumir. Como o Ministério da Economia vê essa questão?

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Estamos estudando e olhando com muito cuidado a experiência internacional. Pedi para o pessoal rever os textos que analisam a crise da gripe espanhola. Tem um grupo que está estudando isso, como se deu a recuperação, como foi o padrão de consumo. Pedi também como se consegue ter medidas para melhorar a parte de alocação. Mas há essa dúvida. Alguns setores, mesmo quando voltar a economia, vão ter perdas permanentes. O que estamos vendo é uma quebra estrutural de paradigma. Por isso está tão difícil prever quanto vai ser o crescimento do PIB. Existem duas grandes incertezas. A primeira é quando a economia vai voltar, permitir que ela reabra. Depois, mesmo que ela reabra, não está claro qual será o comportamento das pessoas. Vou dar um exemplo que é fácil de entender: cinemas. Vamos supor que fosse permitido. Quantos iriam? Várias atividades, mesmo que se permita a volta, a chance de ter uma quebra muito grande é muito alta. Estamos estudando. Vamos entender que a nossa função aqui não é ajudar setor A ou setor B. Nossa função é desenhar politicas que melhorem o padrão de bem estar da sociedade brasileira.

Economistas críticos ao governo dizem que radicalismo do ministro Paulo Guedes na crise poderá colocar o Brasil numa situação muito pior. Existe esse radicalismo?

Não, existe bom senso. Não vamos sair dessa crise fazendo o mesmo que nos trouxe a ela. Do ponto de vista estrutural, a situação da economia foi muito prejudicada por uma política fiscal que colocava o Estado como principal artífice do motor do crescimento. O que existe na nossa equipe é a boa teoria econômica. Não há radicalismo em nada. Tanto é que sempre estamos nos debates e nos propondo a ouvir. O que sustenta a credibilidade da nossa política é o teto de gasto. Não há como abrir mão dele. Como vamos mantê-lo gastando mais? Isso é uma inconsistência. Para gastar mais em política social, temos que reduzir o gasto em algum lugar. Será que é justo tanto tanta gente perdendo emprego, tendo redução salarial, e o funcionário público não dando um centavo de contribuição?Será que não poderíamos economizar um pouquinho com funcionário público e gastar um pouco mais no combate à pobreza? Será que não poderíamos gastar um pouco menos com desoneração tributária para empresários ricos e gastar um pouco mais com políticas de preservação do emprego?

A medida de redução dos 50% do repasse ao Sistema S, adotada na crise, foi barrada pela Justiça. Por que é tão difícil fazer essas mudanças?

Eu gosto muito da frase do Reagan: “It’s simple, but not easy.” É simples, mas não é fácil. É decisão da Justiça, vamos respeitar, vamos trabalhar para deixar nossas políticas cada vez mais claras. A questão do Sistema S é pelo seguinte: a magnitude dessa crise é muito pesada. É fundamental manter dinheiro no caixa das empresas. A medida do Sistema S ia fazer isso, deixar mais dinheiro no caixa das empresas. Mais dinheiro no caixa das empresas é mais emprego. Vamos recorrer e, passo a passo, vamos conseguir avançar nessa agenda.