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Economia e políticas públicas

Opinião|Avanço no crédito

Nova lei estimulará a competição bancária e pode ajudar a reduzir spreads

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Atualização:

No Brasil, muitas vezes é difícil fazer o óbvio e, portanto, deve ser celebrada a aprovação na quarta-feira na Câmara da nova lei do Cadastro Positivo. Foi uma importante batalha, mas a guerra não está ganha: ainda há destaques a serem votados, e mais uma votação no Senado. Se sobreviver sem desfigurações, a nova lei estimulará a competição bancária e pode ajudar a reduzir spreads (mas é apenas um fator entre muitos).

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Hoje, os três “birôs” de crédito do Brasil – Serasa, SPC e Boavista – são autorizados a compartilhar com o conjunto dos bancos as informações negativas de crédito (atrasos, inadimplência) que recebem de cada um deles. Assim, quem empresta pode restringir o crédito aos maus devedores. Mas e os bons devedores? Pelo sistema atual, só os bancos (e outras instituições que concedem crédito) que os têm como clientes sabem que eles pagam direitinho.

Para outro banco, varejista ou “fintech” (empresas de tecnologia que estão entrando em serviços tipicamente bancários) que potencialmente podem querer conquistar esse cliente, é preciso fazer toda uma investigação sobre qualidade de crédito com base em indicadores indiretos como renda, profissão, endereço, etc. Assim, a competição bancária é dificultada, tornando mais fácil para cada banco manter sua clientela, mesmo praticando spreads elevados.

Com o cadastro positivo, bancos e instituições de crédito enviam aos birôs o conjunto das informações creditícias dos clientes, tanto as ruins como as boas (isto é, informações sobre pagamento em dia de contas, empréstimos, etc.). De posse desses dados, os birôs dão notas de crédito a cada pessoa e empresa, com base em modelos matemáticos.

A partir daí, bancos, financeiras, empresas varejistas com cartões próprios e fintechs podem acessar, mediante pagamento, as notas de crédito das pessoas e empresas. O acesso é restrito à nota, não se estendendo às informações que deram origem a ela. Qualquer pessoa ou empresa, por outro lado, tem direito a ter acesso gratuito tanto à sua nota quanto às informações usadas para conferi-la.

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Voltando ao exemplo acima, bancos, fintechs, etc. agora poderão “atacar” a clientela de seus competidores sem a desvantagem de não saber se os potenciais clientes são bons ou mau devedores. A grande massa de bons devedores vai ser mais disputada, o que ajudará a reduzir spreads (lembrando sempre que este é apenas um ponto desta vasta agenda).

Na verdade, já havia cadastro positivo no Brasil, mas de apenas 5 milhões de pessoas num universo potencial calculado em 100 milhões. A razão é que, pela lei antiga, o cliente que quisesse entrar no cadastro positivo tinha de ir até um birô de crédito se registrar. Com a nova lei, todos são automaticamente registrados, e quem não quiser ficar terá de solicitar a exclusão.

Pode parecer bobagem, mas não é. Dois prêmios Nobel foram concedidos nas últimas décadas para expoentes da chamada “economia comportamental” que mostram justamente que esses detalhes fazem toda a diferença. Na prática, cada pessoa ou empresa continua com o poder de decidir se entrará no sistema de cadastro positivo ou não. Mas ao tornar automática a participação, e voluntária a exclusão, é bem provável que o sistema se amplie muito e possa efetivamente ser um fator de competição no crédito.

As teorias conspiratórias de manipulação e uso indevido de dados bancários pessoais com a nova lei do Cadastro Positivo não se sustentam diante dos cuidados que foram tomados e da própria lei de sigilo bancário, que não será abolida.

O cadastro positivo, que existe em muitos países, é um benefício para os consumidores, especialmente os mais pobres, que geralmente só têm sua reputação de bom pagador como garantia. É um pequeno, mas importante, passo na enorme agenda para ampliar e baratear o acesso ao crédito no Brasil.

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Opinião por Fernando Dantas
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