PUBLICIDADE

Avestruz-serpente

Foto do author Rolf Kuntz
Por Rolf Kuntz
Atualização:

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva continua sem projeto de governo, mas não sem projeto de poder. A política para o pré-sal é um dos componentes mais notórios desse projeto, mas o conjunto é muito mais amplo e sua articulação é cada vez mais clara. O roteiro vai muito além das eleições do próximo ano e a sujeição da economia às ambições políticas é parte essencial da pauta. Os planos de poder não são do PT nem para o PT. O partido se reduz, cada vez mais, a mero instrumento de sua figura mais importante. Para cumprir sua agenda o presidente usará, como tem usado, mais de um partido, sem discriminação moral e sem consideração do currículo das figuras envolvidas. Hoje, o projeto envolve a participação, por exemplo, dos senadores Fernando Collor, Renan Calheiros, Wellington Salgado, Romero Jucá e até da comovente figura de Paulo Duque, presidente do Conselho de Ética. É engano descrever esse grupo como tropa de choque do presidente do Senado, José Sarney. É um papel ocasional. É tropa de choque, sim, mas do presidente da República. Há sete anos e meio no poder, o presidente Lula não realizou nenhuma reforma importante. Ensaiou mexer no sistema tributário, mas o segundo projeto enviado ao Congresso continua emperrado. Ninguém sabe quantas alterações poderão ser feitas até a aprovação - se vier a ocorrer. Lula teve o bom senso de não atrapalhar o Banco Central e isso lhe permitiu governar com a inflação sob controle. As contas públicas foram mantidas em condição administrável até este ano, mas o custo fiscal das próximas eleições deverá aparecer dentro de uns dois anos. Se Lula for vitorioso na campanha, seu sucessor ou sucessora terá de enfrentar o ajuste sem reclamar da herança maldita.Não poderá reclamar até porque não será capaz de governar sem a tutela de seu eleitor principal. E dele dependerá para usar os instrumentos forjados por seu antecessor. O esquema de exploração do pré-sal, incluídos a nova estatal do petróleo e o fundo social exigidos por Lula, será uma das ferramentas principais, se os planos de hoje derem certo. Quem chefiar o Palácio do Planalto disporá de amplo controle sobre uma das mais promissoras e mais caras atividades econômicas. Terá enorme poder de arbítrio e, além disso, disporá de um fundo extraorçamentário para desenvolver uma política social de acordo com seus critérios e interesses políticos. O controle das agências de regulação acomoda-se perfeitamente nesse esquema. O governo se esforça cada vez mais para liquidar qualquer possibilidade de autonomia das agências. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, representa com perfeição os interesses do presidente Lula, nesse caso. Também a decisão de subordinar ao Executivo a advocacia do Cade, isto é, do sistema de defesa da concorrência, serve à estratégia de politização de toda a atividade reguladora. A reativação e a ampliação do peleguismo são muito claros. A atribuição de parte do imposto sindical às centrais foi um passo desse processo. A tentativa de legalizar a cobrança de uma contribuição dos não-sindicalizados pelos ganhos obtidos em dissídio é mais um avanço. E como classificar o golpe do ministro do Trabalho, Carlos Lupi, ao romper a regra de sucessão na presidência do Codefat, o Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador? Com esse golpe, foi eleito o representante da Confederação Nacional de Serviços, apenas sete meses depois de seu reconhecimento pelo Ministério do Trabalho. Em protesto, as confederações patronais da indústria, do comércio, da agricultura e das instituições financeiras abandonaram o conselho. O peleguismo estudantil, com a oficialização da figura do estudante profissional financiado com dinheiro público, é um aperfeiçoamento da velha política, já exercitada com a concessão de favores a sindicatos e ao MST. Recentemente, o presidente Lula mandou seus auxiliares procurarem um meio de intervenção nas decisões de investimento da Companhia Vale do Rio Doce, usando para isso a participação acionária de instituições ligadas ao governo. Já havia procurado interferir em casos de demissões da Vale e da Embraer - outra ex-estatal. São tentativas de restabelecer o comando governamental sobre duas das empresas brasileiras de maior sucesso. As manobras com certeza não terminaram e serão apoiadas por patriotas em busca de uma boquinha. Esse é o ovo em desenvolvimento no Palácio do Planalto. Tem o tamanho de um ovo de avestruz, mas abriga uma serpente: a do autoritarismo gestado em ambiente democrático. *Rolf Kuntz é jornalista

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.