
27 de outubro de 2020 | 10h00
Sete meses depois de entrar na maior crise da história do setor aéreo, a Azul pretende conseguir liquidez e estar pronta para a retomada com a emissão de debêntures conversíveis em ações, que devem injetar cerca de R$ 1,6 bilhão ao seu caixa. Ao contrário do que se esperava quando a empresa começou a negociar um pacote de socorro junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao lado de Gol e Latam, a Azul utilizou apenas o desenho elaborado pelo banco de fomento. A decisão, tomada após um processo de discussão que levou meses, foi levar a operação integralmente ao mercado, sem recursos do BNDES.
O processo de socorro das aéreas foi longo. Um dos pontos em torno do qual não houve consenso foi a diluição dos acionistas prevista com o bônus de subscrição (títulos de dívida conversíveis em ações) - o que deixava o empréstimo caro na visão das empresas. Também havia restrição no uso dos recursos provenientes do pacote. O BNDES tinha imposto, segundo fontes, veto do uso de dinheiro para o pagamento de dívidas ou compra de aviões, por exemplo. A justificativa era de que o dinheiro tinha de ser utilizado para a continuidade das operações, dado que se trata de dinheiro público. Agora, em uma emissão que será integralmente privada, a Azul informou que o dinheiro será utilizado para capital de giro, expansão da atividade de logística e outras oportunidades estratégicas.
"Com base da 'tecnologia' ou modelo de instrumento proposto pelo BNDES, as empresas vão pegar todo dinheiro a mercado, preservando recursos públicos da União e do BNDES", disse uma fonte, que falou na condição de anonimato. No começo da crise o banco de fomento negociou com diversos setores afetados, mas as empresas acabaram conseguindo soluções de mercado. O BNDES acabou direcionando sua atuação a pequenas e médias empresas (PMEs), com R$ 65 bilhões distribuídos via Programa Emergencial de Acesso ao Crédito - PEAC-FGI.
Pelo modelo proposto pelo BNDES, os recursos poderiam chegar a R$ 2 bilhões para cada companhia aérea, sendo que 60% viriam do banco, 10% do sindicato de bancos privados e o restante do mercado - essa era uma exigência desde o princípio. Parte do empréstimo sairia com taxa de CDI mais 4% ao ano. Mas o valor subia exatamente por conta do bônus de subscrição: o custo efetivo poderia chegar a CDI mais 14% ao ano. No prospecto da oferta anunciado pela Azul na última segunda-feira, 26, as debêntures têm data de vencimento de cinco anos e irão pagar juros remuneratórios de 7,5% ao ano no primeiro ano, por meio de aumento no valor nominal das debêntures e 6% de juros remuneratórios nos demais anos, a serem pagos semestralmente em espécie.
A Knighthead Capital Management LLC e a Certares Management LLC vão ser os investidores âncoras na emissão da Azul. A Knighthead Capital, por sinal, também participa do grupo de credores que ajudou a compor o empréstimo à Latam, no processo de recuperação judicial da aéreas nos Estados Unidos.
Para conseguir driblar a crise dos últimos meses, a Azul promoveu uma dura negociação com fornecedores, arrendadores de aeronaves e funcionários. Somente na folha de pagamento, a empresa vai reduzir as despesas em aproximadamente 40% no segundo semestre, na comparação aos níveis pré-covid, com negociações com sindicatos e licenças involuntárias.
A retomada, entretanto, é um momento delicado para as empresas. Mesmo com todas as medidas de redução, a Azul fechou o segundo trimestre com liquidez total de R$ 3 bilhões, queda de 28% na comparação anual. A demanda continua crescendo.
A Azul havia previsto originalmente consumo de caixa de aproximadamente R$ 3 milhões por dia para o segundo semestre, mas apresentou um aumento de caixa de aproximadamente R$ 0,7 milhão por dia ao longo do terceiro trimestre, conforme dados preliminares e não auditados da aérea. Vitória diante de todo o caos da pandemia. Assim, para o quarto trimestre, a estimativa é uma queima de caixa média de R$ 2,5 milhões por dia.
O cenário fica mais difícil agora para a Gol, já que as concorrentes estão mais capitalizadas. Enquanto a Azul trabalha para captar recursos, a Latam conseguiu, no mês passado, mais de US$ 2,4 bilhões junto a investidores e acionistas, no processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. No início da crise, especialistas apontavam a Gol como a companhia em posição mais confortável.
Ainda não está claro como anda a ajuda à Gol via BNDES. A aérea sempre se limita a dizer que negocia com o banco e há uma expectativa de que a operação, com subsídio do BNDES ou não, seja logo anunciada. Depois da Azul, ela era a mais adiantada nas negociações, disseram fontes. Já a Latam já deixou claro que a ajuda do banco de fomento perdeu prioridade, diante da captação feita no exterior.
Gol e Latam foram procuradas para se manifestar, mas não retornaram até o fechamento desta reportagem.
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27 de outubro de 2020 | 10h00
A Azul deu um passo importante para sair da turbulência provocada pela pandemia de covid-19 e fortalecer o seu caixa ao anunciar o plano de emitir debêntures conversíveis em ações, que devem injetar cerca de R$ 1,6 bilhão na aérea. Ao contrário do que era esperado, a empresa usou praticamente o mesmo modelo proposto pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas conquistou um custo mais vantajoso. Os olhares agora se voltam para a Gol, uma vez que suas concorrentes - além da Azul a Latam - conseguiram levantar recursos importantes para atravessar a crise.
Ao contrário do que se esperava quando a Azul começou a negociar um pacote de socorro junto ao BNDES, ao lado das outras duas aéreas, a Azul utilizou apenas o desenho elaborado pelo banco de fomento. A decisão, tomada após um processo de discussão que levou meses, foi levar a operação integralmente ao mercado, sem recursos do BNDES. Conseguiu atrair para a operação a Knighthead Capital Management LLC e a Certares Management LLC, que vão ser os investidores âncoras na emissão da Azul.
A Knighthead Capital Management LLC, por sinal, também participa do grupo de credores que ajudou a compor o empréstimo à Latam no processo de recuperação judicial da aérea nos Estados Unidos. Mesmo se não houver demanda de outros investidores, os dois âncoras garantirão toda a operação.
"A avaliação final foi de que um instrumento híbrido que mistura tanto a dívida como a ação seria a melhor saída. De um lado, se a empresa jogasse tudo em ação, ocorreria uma diluição muito alta. Já se fizesse tudo por dívida, a empresa continuaria muito alavancada", disse uma fonte que acompanhou de perto o processo, mas pediu para não ser identificada. A proposta desse instrumento híbrido partiu do desenho elaborado pelo BNDES.
"Com base da 'tecnologia' ou modelo de instrumento proposto pelo BNDES, as empresas vão pegar todo dinheiro a mercado, preservando recursos públicos da União e do BNDES", disse outra fonte ao Estadão/Broadcast. No começo da crise, o banco de fomento negociou com diversos setores afetados, mas as empresas acabaram conseguindo soluções de mercado.
No prospecto da oferta divulgado pela Azul, a companhia informa que as debêntures têm data de vencimento de cinco anos e irão pagar juros remuneratórios de 7,5% ao ano no primeiro ano, por meio de aumento no valor nominal das debêntures, e 6% de juros remuneratórios nos demais anos, a serem pagos semestralmente em espécie. O grupo agora vai começar a buscar por interessados. Os investidores âncoras, entretanto, já sinalizaram demanda para a emissão inteira, o que traz garantia ao processo.
No início da crise, a Gol chegou a ser apontada por diversos especialistas e analistas como a melhor posicionada entre as aéreas no Brasil. De abril para cá, entretanto, suas concorrentes acabaram se mexendo e levantaram recursos importantes - e preciosos - para conseguir enfrentar o desafio da retomada do transporte aéreo.
Em dados prévios divulgados ao mercado, a Gol informou que fechou setembro com posição de liquidez total de R$ 2,2 bilhões. O grupo teve de honrar, no início de setembro, com um empréstimo de US$ 300 milhões que era garantido pela Delta. O mercado chegou até a especular que a empresa iria encontrar uma forma de postergar o pagamento por causa da crise, o que não ocorreu.
Muitas dúvidas ainda pairam sobre a ajuda do BNDES ao setor aéreo. Do lado da Azul, fontes próximas das negociações afirmaram que não faria mais sentido para a empresa continuar com as tratativas com o banco de fomento depois de levantar todo esse dinheiro no mercado. A lógica é a mesma para a Latam, que conquistou um alívio financeiro importante depois do empréstimo dentro da recuperação judicial. A dúvida agora é a Gol. A empresa evita dar detalhes sobre as negociações e sempre reforça que o tema está sobre a mesa.
Procurada, a Gol não se manifestou por estar em período de silêncio. Já a Latam disse que continua conversando com o BNDES.
De forma geral, o desafio das aéreas agora é conseguir dinheiro para sair da inércia. A demanda por voos no mercado doméstico brasileiro apresentou queda de 55,2% em setembro na comparação com igual mês de 2019, segundo dados da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Apesar do recuo, setembro continuou a tendência de recuperação mês a mês do setor, depois do pior da crise, em abril. No relatório anterior, de agosto, a queda havia sido de 67,5% no ano.
Os analistas do BTG viram com bons olhos o anúncio da Azul. Na avaliação do banco, o movimento tende a fortalecer a posição de caixa da aérea no futuro. "Além disso, acreditamos que os termos obtidos são mais favoráveis do que os oferecidos pelo BNDES uma vez que a diluição potencial é menor (12-14% contra 15%) e a oferta já está ancorada", destacam Lucas Marquiori e Fernanda Recchia, em relatório.
A equipe do banco destaca ainda que a diretoria da Azul tem feito um bom trabalho para reduzir custos e a nova captação representaria um importante passo da empresa para reduzir o seu risco de liquidez. "A alavancagem tem sido uma das principais preocupações dos investidores", apontaram.
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