Azul vai fazer captação para reforçar o caixa sem usar recursos do BNDES

Aérea quer arrecadar até R$ 1,6 bilhão diretamente com o mercado para aliviar os efeitos da pandemia no caixa, após socorro do banco de fomento vir diferente do esperado

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Por Fernanda Guimarães e Cristian Favaro
3 min de leitura

Sete meses depois de entrar na maior crise da história do setor aéreo, a Azul pretende conseguir liquidez e estar pronta para a retomada com a emissão de debêntures conversíveis em ações, que devem injetar cerca de R$ 1,6 bilhão ao seu caixa. Ao contrário do que se esperava quando a empresa começou a negociar um pacote de socorro junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ao lado de Gol e Latam, a Azul utilizou apenas o desenho elaborado pelo banco de fomento. A decisão, tomada após um processo de discussão que levou meses, foi levar a operação integralmente ao mercado, sem recursos do BNDES.

O processo de socorro das aéreas foi longo. Um dos pontos em torno do qual não houve consenso foi a diluição dos acionistas prevista com o bônus de subscrição (títulos de dívida conversíveis em ações) - o que deixava o empréstimo caro na visão das empresas. Também havia restrição no uso dos recursos provenientes do pacote. O BNDES tinha imposto, segundo fontes, veto do uso de dinheiro para o pagamento de dívidas ou compra de aviões, por exemplo. A justificativa era de que o dinheiro tinha de ser utilizado para a continuidade das operações, dado que se trata de dinheiro público. Agora, em uma emissão que será integralmente privada, a Azul informou que o dinheiro será utilizado para capital de giro, expansão da atividade de logística e outras oportunidades estratégicas.

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Com a redução da jornada, Azul conseguiu reduziu os custos e despesas operacionais em 40,4%. Foto: Fábio Motta/Estadão

"Com base da 'tecnologia' ou modelo de instrumento proposto pelo BNDES, as empresas vão pegar todo dinheiro a mercado, preservando recursos públicos da União e do BNDES", disse uma fonte, que falou na condição de anonimato. No começo da crise o banco de fomento negociou com diversos setores afetados, mas as empresas acabaram conseguindo soluções de mercado. O BNDES acabou direcionando sua atuação a pequenas e médias empresas (PMEs), com R$ 65 bilhões distribuídos via Programa Emergencial de Acesso ao Crédito - PEAC-FGI.

Pelo modelo proposto pelo BNDES, os recursos poderiam chegar a R$ 2 bilhões para cada companhia aérea, sendo que 60% viriam do banco, 10% do sindicato de bancos privados e o restante do mercado - essa era uma exigência desde o princípio. Parte do empréstimo sairia com taxa de CDI mais 4% ao ano. Mas o valor subia exatamente por conta do bônus de subscrição: o custo efetivo poderia chegar a CDI mais 14% ao ano. No prospecto da oferta anunciado pela Azul na última segunda-feira, 26, as debêntures têm data de vencimento de cinco anos e irão pagar juros remuneratórios de 7,5% ao ano no primeiro ano, por meio de aumento no valor nominal das debêntures e 6% de juros remuneratórios nos demais anos, a serem pagos semestralmente em espécie.

A Knighthead Capital Management LLC e a Certares Management LLC vão ser os investidores âncoras na emissão da Azul. A Knighthead Capital, por sinal, também participa do grupo de credores que ajudou a compor o empréstimo à Latam, no processo de recuperação judicial da aéreas nos Estados Unidos.

Negociações

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Para conseguir driblar a crise dos últimos meses, a Azul promoveu uma dura negociação com fornecedores, arrendadores de aeronaves e funcionários. Somente na folha de pagamento, a empresa vai reduzir as despesas em aproximadamente 40% no segundo semestre, na comparação aos níveis pré-covid, com negociações com sindicatos e licenças involuntárias.

A retomada, entretanto, é um momento delicado para as empresas. Mesmo com todas as medidas de redução, a Azul fechou o segundo trimestre com liquidez total de R$ 3 bilhões, queda de 28% na comparação anual. A demanda continua crescendo.

A Azul havia previsto originalmente consumo de caixa de aproximadamente R$ 3 milhões por dia para o segundo semestre, mas apresentou um aumento de caixa de aproximadamente R$ 0,7 milhão por dia ao longo do terceiro trimestre, conforme dados preliminares e não auditados da aérea. Vitória diante de todo o caos da pandemia. Assim, para o quarto trimestre, a estimativa é uma queima de caixa média de R$ 2,5 milhões por dia.

O cenário fica mais difícil agora para a Gol, já que as concorrentes estão mais capitalizadas. Enquanto a Azul trabalha para captar recursos, a Latam conseguiu, no mês passado, mais de US$ 2,4 bilhões junto a investidores e acionistas, no processo de recuperação judicial nos Estados Unidos. No início da crise, especialistas apontavam a Gol como a companhia em posição mais confortável.

Ainda não está claro como anda a ajuda à Gol via BNDES. A aérea sempre se limita a dizer que negocia com o banco e há uma expectativa de que a operação, com subsídio do BNDES ou não, seja logo anunciada. Depois da Azul, ela era a mais adiantada nas negociações, disseram fontes. Já a Latam já deixou claro que a ajuda do banco de fomento perdeu prioridade, diante da captação feita no exterior.

Gol e Latam foram procuradas para se manifestar, mas não retornaram até o fechamento desta reportagem.

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