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Bancos centrais sobre gelo fino

Por Dionísio Dias Carneiro
Atualização:

O mercado financeiro comemora quando bancos centrais sinalizam juros mais baixos. Na atual conjuntura, a comemoração pelas declarações de Bernanke foi exagerada, porque são dúbios os sinais de um presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) que lida com um desastre em câmara lenta e cuida de não precipitar uma queda súbita na confiança. Faz bem. Há peculiaridades da atual reversão cíclica que dificultam uma ação clara quando as pressões inflacionárias, em todas as economias do globo, recomendam que não se abandone a âncora de credibilidade construída nos últimos anos. Além disso, a política monetária é impotente para regular o nível de atividade quando se agravam outros desajustes na economia global. Dentre as peculiaridades da atual contração, podemos destacar os danos, ainda não totalmente contabilizados, que o desmoronamento da confiança nas técnicas de apreçamento de risco financeiro causou nas engrenagens da oferta de crédito. As novas características da indústria, que multiplica e refinancia as operações de crédito, criam desafios novos para a ação salvadora dos bancos centrais. Bancos centrais são banqueiros de bancos, mas algumas peças importantes do sistema que emperrou não são bancos, ou seja, não fazem parte do sistema de pagamentos que precisa ser preservado. No entanto, a crise de confiança, que atinge as instituições financeiras na esteira do fim da bolha imobiliária americana, tem características de uma corrida bancária clássica. Outra peculiaridade, que merece a atenção, são as restrições nacionais às mudanças de controle das instituições financeiras, pois os governos limitam a propriedade de estrangeiros. Em conseqüência, reforçam-se os dilemas políticos entre o grau de estatização e o grau de desnacionalização do sistema que resultará dessa crise. O grau de responsabilidade que as diferentes sociedades estarão dispostas a dar ao Estado na alocação dos investimentos volta com força à agenda eleitoral americana e criou embaraços recentes ao governo Brown na Inglaterra. O excesso de demanda na economia global permite, por exemplo, a coexistência de mercados superaquecidos, com produtores que só sobreviverão sob a proteção do dinheiro dos contribuintes. Todos os candidatos a presidente dos EUA são protecionistas. Também os sinais emitidos pelos mercados acionários são confusos. Os aumentos de produtividade gerados pela onda de progresso técnico e pela ampliação das escalas globais de comércio continuam a gerar um otimismo que sustenta expectativas de rentabilidades fantasiosas para muitos investimentos e propagam múltiplos irrealistas. Os banqueiros centrais caminham, assim, sobre gelo fino. Têm de reforçar o sistema de preços, mas conter esses exageros sem aumentar a probabilidade de uma queda súbita nos preços de ativos que se seguiria a um movimento rápido de desalavancagem financeira. Finalmente, não se podem desprezar as pressões inflacionárias que subsistem para 2008. Primeiro, porque não se esgotaram os efeitos do excesso de liquidez que estimulou uma taxa de crescimento real em velocidade superior à capacidade de resposta da oferta global de insumos. As matérias-primas de origem mineral são leiloadas entre consumidores ávidos, e as pressões sobre a capacidade de expansão da produção agrícola e extrativa vegetal são visíveis nos preços desses produtos nos últimos anos. A expansão da capacidade produtiva só se manifesta com grande defasagem. Em segundo lugar, as políticas fiscais estão e continuarão a ser expansionistas. Há demanda crescente por despesas sociais do Estado em toda parte, por força de fatores demográficos, que impõem gastos crescentes com saúde e proteção à velhice, enquanto exigências crescentes de gastos públicos com segurança ambiental, defesa e segurança pública coexistem com a resistência crescente das sociedades a maiores impostos. Finalmente, na atual ameaça recessiva, haverá políticas anticíclicas, via despesas de transferência, para atenuar os piores efeitos da contração do consumo, mas também pressão para que os Estados absorvam ativos de longa maturação que já não encontram abrigo nas carteiras privadas por causa da desconfiança nas avaliações de risco. Os bancos centrais, não contarão, assim, com a ajuda da política fiscal. Os europeus e o Fed não podem, ao contrário do Banco Popular da China, contar com a ajuda da apreciação cambial. No Brasil, o espaço de manobra torna-se particularmente desconfortável. *Dionísio Dias Carneiro, economista, professor do Iapuc, é diretor do Iepe/CdG

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