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Bancos privados também lucraram com o ‘bolsa empresário’ do BNDES

Levantamento mostra que bancos comerciais desembolsaram 91% dos recursos do Programa de Sustentação do Investimento, ou R$ 327 bilhões, e ficaram com a maior fatia dos ganhos com as operações

Por Alexa Salomão
Atualização:
 Foto: Paulo Vitor/Estadão

Os bancos comerciais concentraram os lucros do maior programa de crédito público subsidiado já feito no País, o Programa de Sustentação do Investimento, conhecido como PSI. A instituição que liderava o programa, o BNDES, Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, teve papel marginal na concessão do crédito.

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Os bancos comerciais repassaram R$ 327 bilhões de recursos do Tesouro Nacional e ficaram com mais de R$ 8 bilhões do total de R$ 10 bilhões em spreads que foram gerados pelas operações. O BNDES, enquanto isso, ficou com menos de R$ 2 bilhões.

O PSI foi um programa público de financiamento para máquinas e equipamentos que vigorou de 2009 a 2015. Foi lançado para reduzir o impacto da crise financeira internacional e mantido com o argumento de que impulsionaria os investimentos e o crescimento do País. Os empréstimos ficaram a cargo do BNDES. Como foi utilizado principalmente por grandes e médias empresas, os economistas o apelidaram de “bolsa empresário”, numa paródia ao Bolsa Família.

Um novo levantamento mostra que o PSI beneficiou também o setor financeiro. Do total de R$ 359 bilhões desembolsados no PSI, apenas 9% ocorreram em operações diretas, feitas pelo próprio BNDES. Os demais 91% dos desembolsos foram por meio do que se chama de operações indiretas, feitas pela rede de bancos credenciados ao BNDES. Em nota, a assessoria de imprensa do BNDES confirmou o resultado do levantamento, ressaltando que os dados, inclusive, são públicos.

Fazem parte da rede credenciada cerca de 70 bancos de médio e grande portes, instituições como Banco do Brasil, Bradesco, Itaú Unibanco, Caixa Econômica Federal, Banco Pine, Banco ABC, BTG Pactual, Banco Volkswagen, Mercedes Benz – apenas para citar algumas delas. “De certa forma, o PSI também foi um bolsa banqueiro”, diz o autor do levantamento o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas FGV/IBRE.

Pelo lado dos desembolsos, o PSI, segundo Afonso, causou triplo prejuízo ao BNDES. Ele perdeu não apenas por ter intermediado um volume menor de recursos. Individualmente, também ganhou menos. A taxa de juro definida para o BNDES era de 1% (na linha voltada à inovação chegou a ser zero), enquanto a taxa dos bancos credenciados oscilou entre 1,5% e 3%.

Assim, Afonso estima que dos mais de R$ 10 bilhões gerados pela intermediação dos financiamentos, a rede credenciada ficou com mais de R$ 8 bilhões. Como a taxa do PSI era extremamente atraente, o programa ainda “roubou” clientes de linhas tradicionais do BNDES. Em nota, a assessoria do BNDES confirmou que linhas do Finame, atreladas à TJLP e concorrentes do PSI, “apresentaram queda no número e valor total financiado” na vigência do PSI, mas sem detalhar quanto.

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Preocupados. Entre os economistas que acompanham contas públicas, a avaliação geral é que o PSI merecia outro tratamento porque custou caro sob vários aspectos. O Tesouro Nacional emitiu títulos públicos em favor do BNDES, o que elevou a dívida do Brasil. Repassou mais de R$ 520 bilhões ao banco. Para que não houvesse perdas com a taxa fixa, menor que a TJLP usada normalmente nas linhas do BNDES, o Tesouro assumiu uma conta de R$ 270 bilhões em subsídios, que vai pagar até 2060.

O programa já era criticado por não ter gerado o crescimento prometido e privilegiado grandes empresas. “Agora, fica claro que as distorções foram além do que se havia imaginado”, diz o economista e assessor parlamentar Felipe Salto. Para a economista Mônica de Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, o peso dos bancos comerciais foi tão alto que já não é possível chamar o PSI de programa público – o que teria ocorrido foi mero repasse de dinheiro. “Não foi programa de investimento: foi banco privado negociando empréstimo com seu cliente privado”, diz Mônica.

Em nota, o BNDES diz que, de fato, a instituição credenciada tem autonomia para avaliar o cliente e as garantias, podendo inclusive negar o financiamento. Mas diz que o BNDES monitora o processo: “As condições das operações indiretas são determinadas por normas expedidas pelo BNDES e comunicadas por intermédio de circulares a seus agentes financeiros. Com isso, o BNDES analisa todas as operações para conferir se atendem às normas.”

O Tribunal de Contas da União (TCU) tem avaliação diferente. Mantém várias frentes de trabalho analisando a origem e o destino dos recursos do BNDES. Os técnicos não chegaram ao PSI, mas enviaram à reportagem 11 relatórios com conclusões sobre os sistemas de monitoramento do BNDES em relação ao destino dos recursos. A conclusão é que são “insuficientes”, têm “fragilidades”. Precisam ser aperfeiçoadas.

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A Federação dos Bancos (Febraban), em nota, disse que os bancos cumpriram o seu papel de auxiliar o BNDES. “Para obter a capilaridade necessária para a sua eficiência, o PSI contou com os bancos comerciais para fazer a intermediação, como é realizado tradicionalmente com outras modalidades de repasses”, diz o texto, destacando que os bancos seguiram à risca as normas do PSI e do BNDES.

Quem se preocupa com os rumos da política pública não considera adequado o PSI ter sido maciçamente desembolsado por bancos comerciais. “Bancos olham balanços e garantias para liberar recursos, o BNDES, vai além: é voltado ao desenvolvimento do País, tem uma baita estrutura para qualificar projetos, definir que setores merecem apoio”, diz Geraldo Biasoto, professor do Instituto de Economia da Unicamp.

 Foto: Arte Estadão
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