Publicidade

''Bancos públicos serão mais decisivos''

Por Beatriz Abreu
Atualização:

O governo trabalha na adoção de "ações mais decisivas dos bancos oficiais", como Banco do Brasil, Caixa e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para estimular a concorrência no mercado financeiro e baratear o custo do crédito, informou ao Estado o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, que hoje bate o recorde de permanência no cargo. Meirelles, num cotidiano de crise, disputas internas e com o desafio de encontrar a saída para o estrangulamento do crédito que asfixia a economia, é a partir de hoje o mais longevo presidente do BC, completando 2.215 dias no cargo. Ele descreve nesta entrevista - por e-mail - os momentos mais difíceis, como o desafio que enfrentou em 2003 quando o País "beirava a insolvência" e as pressões recentes para uma queda das taxas de juros para evitar que a desaceleração da economia se acentue nos próximos meses. "É natural que muitos fiquem impacientes, particularmente quando o benefício da estabilidade é uma experiência nova no Brasil", afirma Meirelles, que aproveita para passar um recado: "As taxas de juros reais (descontada a inflação) continuarão caindo gradualmente no Brasil e a tendência é que continuem caindo no longo prazo, desde que sejam mantidas políticas responsáveis." Com a convicção do apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva -"sempre tivemos o apoio do presidente Lula contra todas as incompreensões"-, Meirelles afirma que a crise deve ser enfrentada "com o diagnóstico correto e medidas precisas" que ataquem "as causas reais" e evitem desequilíbrios que possam resultar na substituição de uma crise externa por uma crise interna, como já ocorreu no passado. O engenheiro goiano, que trocou a política pela presidência do BC, defende as medidas adotadas pelo banco nos últimos anos e reafirma a defesa de sua diretoria. "Felizmente, os resultados mostraram o acerto da política adotada", diz. Ele lembra que o País criou, em média, 1,5 milhão de empregos nos últimos anos, que o poder de compra e a renda média subiram substancialmente e "quase 10% da população ingressou na classe média vindas das classes D e E". A seguir a entrevista: O sr. completa neste domingo 2.215 dias à frente da presidência do Banco Central. Foram 2.215 dias de administração de conflito? Foram 2.215 dias de trabalho intenso visando a manter a inflação na meta, acumular reservas, normatizar e supervisionar o sistema financeiro e, com isso, contribuir para a estabilização da economia brasileira. As críticas fazem parte da vida de um homem público, particularmente a quem se dedica a combater a inflação em um país que tem um histórico hiperinflacionário e de descontrole financeiro do Estado. A experiência da estabilidade é recente no País. Uma das consequências é a grande dispersão de visões sobre os instrumentos a serem usados e a dosagem. Em conversas anteriores, o sr. teve oportunidade de revelar que amigos seus, no mercado financeiro internacional, chegaram a perguntar... Presidente do BC do Brasil? E colocavam a tarefa como um grande desafio. Quais foram os desafios? Quando assumimos, a inflação anualizada estava acima de 20% e o País beirava a insolvência. As reservas aproximavam-se do mínimo acordado com o FMI e vendíamos dólares diariamente para controlar os mercados. O risco Brasil estava em 1.400 pontos e o dólar, a R$ 3,40. Não existe consenso sobre as razões que levaram o País àquela crise, mas ninguém duvidava da sua gravidade. O desafio foi enfrentar todos os problemas ao mesmo tempo em que construíamos as bases para a estabilização e para um crescimento sustentado. Durante todo esse período, o grande embate travado com diferentes alas do governo foi manter a taxa de juros em linha com o controle da meta de inflação. O sr. é um vitorioso? Quando assumimos, a taxa Selic estava em 25% ao ano e os juros de mercado eram substancialmente mais elevadas. A taxa de juro de 360 dias na BM&F era 14% reais (acima da inflação esperada). Hoje a Selic está em 12,75% e a taxa real é a mais baixa já registrada. É natural, no entanto, que muitos fiquem impacientes e queiram uma queda rápida, particularmente quando o benefício da estabilidade é uma experiência nova no Brasil. Os resultados mostram, no entanto, que o ritmo foi adequado. Há meses, o sr. trava uma nova batalha: a da redução dos spreads. O presidente do BC tem instrumentos para "forçar" os bancos a reduzirem os spreads sem recorrer a uma medida intervencionista? Estamos regularizando a liquidez no mercado de crédito doméstico por meio da liberação de compulsórios, do financiamento de exportação por meio dos leilões de empréstimos das reservas, do mercado cambial pela venda de dólares no mercado à vista e com as operações de swap cambial. Nos próximos dias, anunciaremos a oferta de linhas de crédito que poderão ser usadas exclusivamente para empréstimos a empresas que têm dívida externa vencendo e não estão sendo integralmente financiadas. Numa primeira etapa, apenas os bancos autorizados a operar em câmbio no Brasil poderão participar, mas, nas próximas semanas, qualquer banco internacional com rating AA poderá participar. Isso vai aumentar a competição, hoje prejudicada pela restrição de crédito internacional. Isso contribuirá para a redução dos spreads. Os próximos passos serão ações mais decisivas dos bancos públicos, particularmente BNDES, Banco do Brasil e a Caixa, visando também a aumentar a competição. Como é trabalhar, como presidente do Banco Central, em um governo tão plural de ideias? Com diálogo e a cabeça aberta a ideias diferentes. Diante da crise, a política monetária executada pelo BC tem sido alvo de críticas permanentes dos mais diversos setores. O BC é o responsável pelos erros e os acertos da política econômica? A onda de desemprego no País pode ser contida com a queda brusca da taxa de juros? Quando a crise atingiu o Brasil, estávamos crescendo a 6,8% ao ano, a demanda doméstica a 9,3% e a inflação acima de 6%. O crescimento médio do PIB de 2004 a 2008 foi de 5%, enquanto a média dos últimos 20 anos foi de pouco mais de 2%. A inflação variou dentro do intervalo de tolerância da meta, nunca abaixo do piso. As avaliações que tenho visto no mundo são de que esses indicadores da economia brasileira não refletem uma política monetária excessivamente conservadora. As taxas de juros reais estão caindo gradualmente no Brasil e a tendência é que continuem caindo no longo prazo, desde que sejam mantidas políticas responsáveis que assegurem a queda dos prêmios de risco. A crise externa nada tem a ver com a política monetária brasileira. Aliás, ironicamente, a atual crise mundial é resultado de um longo período de juros excessivamente baixos nos Estados Unidos, política que na época era tão elogiada por aqui. A crise tem de ser enfrentada com o diagnóstico correto e medidas precisas que ataquem as causas reais dos problemas sem criar desequilíbrios que no passado fizeram com que substituíssemos crises externas por crises internas. Nesses seis anos, qual foi o pior momento para tomada de decisões? É mais difícil aumentar ou reduzir as taxas de juros? O pior momento foi janeiro de 2003, quando enfrentávamos o risco de estagflação, isto é, baixa atividade com inflação elevada. Naquele momento, subir a taxa de juros foi o caminho correto, como ficou demonstrado, mas foi uma decisão muito difícil. É sempre mais fácil reduzir os juros, particularmente quando é a medida correta. Durante esse período, qual foi o momento mais difícil para conter a pressão do governo pela queda dos juros, contra a acumulação de reservas, formação de compulsórios? Felizmente, os resultados mostraram o acerto da política adotada. O Brasil criou em média 1,5 milhão de empregos nos últimos anos, o poder de compra e a renda média aumentaram substancialmente e quase 10% da população ingressaram na classe média vindas das classes D e E. As reservas internacionais que acumulamos nos últimos seis anos, somadas à posição de swaps reversos e aos depósitos compulsórios, estão sendo cruciais para enfrentar a crise. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em todo esse período, sempre esteve do lado das decisões do BC? Ele é permeável às críticas ao conservadorismo do BC? Sempre tivemos o apoio do presidente Lula contra todas as incompreensões porque ele sabe, melhor do que ninguém, que a inflação corrói o poder de compra do trabalhador. O ganho do emprego e renda são as prioridades do presidente e a estabilidade da economia, nos últimos anos, tem permitido esses avanços. Estamos entrando nesta crise, que é severa e tem reflexos importantes para o emprego, partindo de um nível muito mais elevado do que encontramos. A sua posição é o ponto de partida nas discussões de diretoria? O presidente do BC convence ou é convencido nas reuniões do colegiado? Meu estilo de trabalho é incentivar todos a expressarem livremente suas opiniões e também expressar as minhas com clareza. Considero-me um bom ouvinte e incorporo rapidamente posições que me parecem corretas. De outro lado, defendo vigorosamente minhas posições quando estou convencido delas. O imaginário popular convive com a fantasia de que aumentar ou reduzir as taxas de juros é um jogo do BC com o mercado. Quem influencia quem nesse movimento, na percepção de quem ocupa o posto de principal observador da cena econômica há 2.215 dias? Em um regime de metas de inflação é fundamental que a comunicação do BC seja eficaz. Para isso, o BC precisa ter credibilidade, o que significa ser realista e dizer a verdade, mesmo que não seja a mensagem mais agradável naquele momento. Se os agentes respeitam o BC, apostarão no cumprimento da meta e, como resultado, os custos sociais diminuirão consideravelmente. Com esses pressupostos, um banco central tem considerável grau de influência na formação de expectativas. Qual o segredo de se manter presidente do Banco Central por tanto tempo em meio às turbulências no mercado e o campo fértil das disputas internas contrárias ao conservadorismo do BC? Aliás, o BC é conservador? Trabalho com foco no resultado. Acredito que a realidade tende a prevalecer sobre a versão, mas a permanência de um ministro de Estado é prerrogativa do presidente da República. Para assumir o cargo, o sr. abriu mão de uma vida política que o teria conduzida por outros caminhos nesses seis anos. Valeu a pena? Valeu a pena. Tenho tido a oportunidade de contribuir em momentos decisivos da economia brasileira. O sr. assume publicamente que é "uma possibilidade real" a candidatura ao governo de Goiás, em 2010. O político Henrique Meirelles está de volta e está construindo a porta de saída da presidência do BC, em outubro, quando se filiar a um partido político? Uma potencial candidatura é uma possibilidade em razão do que expressam muitos lideres políticos do Estado. Isso não quer dizer que eu tenha tomado essa decisão ou que dedique tempo a isso. Não tomei essa decisão e não gasto tempo com isso. Tenho dito que o trabalho de presidente do BC é incompatível com pretensões políticas e continuo convencido desse fato. No momento, trabalho totalmente focado no BC. Quando sair daqui, terei quatro longos meses de quarentena para decidir sobre o meu futuro.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.