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Bancos reabrem cassino global

Menos de um ano após a turbulência global, os bancos voltam a fazer operações de risco com clientes subprime

Por Gustavo Chacra e NOVA YORK
Atualização:

Depois de meses de incerteza sobre o futuro do mercado financeiro americano, o cenário pode parecer de calmaria para os investidores, com o "Grande Pânico" se tornando história em Wall Street. Os índices Dow Jones e S&P 500, da Bolsa de Nova York, estão subindo desde março, quando estiveram nos seus níveis mais baixos em quase uma década. Na economia, o governo americano publicou, em agosto, sucessivos números que demonstram, segundo o Fed (Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos), o início do fim da recessão. Esse quadro, de acordo com alguns analistas, não passa de ilusão. Os bancos agem como se nada houvesse ocorrido e o "cassino financeiro" está de volta, escrevem críticos do governo em sites especializados como o zerohedge.com e publicações como o Wall Street Journal. Investimentos arriscados produzem lucros bilionários para alguns bancos. Mesmo as empresas de financiamento de imóveis, tidas como epicentro da crise, voltam a emprestar para clientes subprime (com elevado risco). A retomada do risco ocorre menos de um ano após o Lehman Brothers deixar de existir e o Merrill Lynch passar para as mãos do Bank of America, em uma época em que o JP Morgan e o Goldman Sachs temiam ser os próximos da lista. Na época, hedge funds (fundos de investimento com liberdade para atuar em vários mercados) fechavam as portas, operadores de mercado acostumados com bônus de cifras milionárias viam suas carreiras - e suas fortunas - se desintegrarem em poucos dias. O que ficou conhecido como o "Grande Pânico" poderia se converter em uma nova "Grande Depressão", como nos anos 1930, ou ser um pouco menos grave, como em 1907, quando o mercado foi salvo pelo banqueiro JP Morgan. Ben Bernanke, presidente do Fed, não queria cometer os mesmos erros dos dirigentes da instituição nos anos 1930 e sabia que o banco central e o governo precisavam intervir no mercado para evitar uma quebradeira generalizada, segundo David Wessel, editor de economia do Wall Street Journal e autor do livro In Fed We Trust (Nós acreditamos no Fed). Esse seria o primeiro passo. Atuando em sincronia, o Fed e a Secretaria do Tesouro, depois de fracassarem na tentativa de salvação do Lehman, incorporaram ao governo o gigante dos seguros AIG e diversas companhias de financiamento de imóveis como Freddie Mac e a Fannie Mae. Também negociou a venda do Merrill Lynch para o Bank of America. A Bear Sterns já havia sumido do mapa antes mesmo do ápice da crise. A segunda parte do plano de salvamento consistiria na regulamentação de todo o mercado financeiro para evitar que negociações com derivativos não colocassem todo o sistema em risco se os clientes subprime não conseguissem pagar as suas dívidas. Algumas medidas foram tomadas durante o auge da crise, como a transformação de bancos de investimentos em bancos comerciais comuns, o que limitava as suas ações. Mas a maior parte das reformas do mercado financeiro demorou para ser implementada. Apenas na semana passada, finalmente, a administração de Barack Obama, com o apoio do Fed, enviou para o Congresso um plano para reformar o mercado de alguns tipos de derivativos que provocaram a crise. Segundo um analista de Wall Street disse ao Estado, talvez seja um pouco tarde e a festa já recomeçou há algum tempo. O Merrill Lynch anunciou na quinta-feira que levará adiante uma agressiva política de remuneração para contratar pessoal. O JP Morgan aumentou o salário de seus funcionários. Até esse ponto, tudo bem, afirmam os céticos em relação ao cenário atual. O problema aumenta quando se fala na Goldman Sachs. O banco de investimentos anunciou um lucro recorde de US$ 13,8 bilhões no segundo trimestre deste ano. Ao longo de 46 dias úteis (71% do total) entre abril e junho, o Goldman Sachs conseguiu lucrar mais do que US$ 100 milhões por dia. A marca anterior era de 34 dias. O número aumenta para 89% quando o patamar é reduzido para US$ 50 milhões. Resultado que ocorre meses depois de o banco ser socorrido pelo Tesouro americano com uma ajuda de cerca de US$ 10 bilhões - já devolvidos. "Bancos que foram salvos da implosão poucos meses atrás pelos contribuintes apresentam ganhos recordes", dizem os analistas Naufal Sanaullah, Qasin Khan e Tyler De Bôer. Estudo deles demonstra que os bancos mantêm o mesmo tipo de operações anteriores à crise e as intensificaram ainda mais nas últimas semanas. Assim como na "era Alan Greenspan" (alusão ao célebre presidente do Fed que antecedeu Bernanke) havia a noção de que os Estados Unidos se expandiriam indefinidamente, agora passaram a ver a recessão como uma coisa do passado e que, a partir daqui, a tendência é crescer. Em um acréscimo de risco em relação ao período pré-crise, bancos e hedge funds utilizam cada vez mais o High Frequency Trading, no qual computadores são usados em operações de ações em alta velocidade que dão vantagem a alguns investidores em relação a outros. O professor da Universidade de Princeton e prêmio Nobel de Economia em 2008, Paul Krugman, advertiu em recente coluna no New York Times que os lucros do Goldman Sachs deixam claro três coisas. "Primeiro, o Goldman é muito bom no que faz. Infelizmente, isso é ruim para os Estados Unidos. Segundo, demonstra que os maus hábitos de Wall Street não desapareceram. Terceiro, indica que, ao resgatar o sistema financeiro sem reformá-lo, Washington não protegeu os americanos de uma nova crise - na verdade, tornou outra crise mais provável". O Goldman Sachs nega que venha se arriscando e ressalta a política de transparência em relação aos clientes adotada no início deste ano. Os bons resultados, diz o banco, se deve à maior competência. O problema, segundo Sanaullah, é que alguns bancos já realizam investimentos arriscados baseados na presunção de que a economia se estabilizou. Ele e muitos economistas americanos afirmam que os números divulgados nas últimas semanas, celebrados pela administração Obama, indicam na realidade uma situação ainda grave e com o risco da volta da recessão. O índice de desemprego (9,4%) parou de subir porque menos pessoas procuraram emprego, e não por aumento nas contratações; os estoques diminuíram porque não foram repostos; e a economia se reduziu em "apenas" 1% por causa dos gastos do governo por meio do programa de estímulo da economia, e não devido ao maior consumo ou investimento da iniciativa privada, tradicionais motores do crescimento do PIB nos Estados Unidos. Além disso, grande parte dos americanos continua endividada e suas casas podem ser hipotecadas nos próximos meses. Julho foi o mês que registrou o recorde em hipotecas executadas desde o início da medição, em 2005. Para complicar, conforme escreveram o Wall Street Journal e a revista The Economist, apesar de as financiadoras de imóveis Freddie Mac e Fannie Mae estarem sob controle, a Ginnie Mae, outra empresa do mesmo ramo e também sustentada pelos contribuintes, voltou a dar garantias indiscriminadamente para clientes subprime. A inadimplência não para de crescer e atinge 7%. O mercado que foi deixado de lado pelas duas empresas maiores antes da crise, passou para as mãos de Ginnie Mae. A conta, alertam as publicações, ficará com o governo. "Alguém no Congresso ou na Casa Branca está prestando atenção? Claro que não", escreveu o Wall Street Journal em editorial, no dia 11.

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