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Barroso no Goldman Sachs

Entre as proezas do Goldman estão o modo sutil como maquiou as contas da Grécia

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Por Gilles Lapouge
Atualização:

Quando lemos a notícia, esfregamos os olhos e lemos de novo. Era verdade: o português José Manuel Barroso, que foi presidente da Comissão Europeia de Bruxelas até outubro de 2014, arranjou novo emprego. Bom para ele, o pobre homem que estava sem trabalho havia 18 meses. E foi contratado por quem? Pelo banco Goldman Sachs. É uma instituição sólida. Foi o banco que deflagrou a crise das subprime, pondo em risco as economias do Ocidente enquanto nadava em dólares especulativos.

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Entre as proezas do Goldman estão o modo sutil como maquiou no início do século as contas da Grécia de modo que esse país arruinado pudesse entrar na zona do euro – pecado mortal que provocaria dez anos depois a falência da própria Grécia e a abertura de um abismo no qual a União Europeia quase naufragou.

A excelente escolha do Goldman Sachs não surpreende. O diabólico banco funciona assim: contrata suntuosamente “agendas de endereço” (e a de Barroso é suculenta, após tantos anos no alto escalão da União Europeia).

O Goldman já estendeu outras vezes a mão a poderosos aposentados, como os ex-comissários europeus Mario Monti e Peter Sutherland, e o ex-chefe da Otan e ex-primeiro-ministro dinamarquês Andrers Fogh Rasmussen.

Barroso era um alvo ideal. No plano ideológico (se assim se pode chamar) é compatível com o Goldman Sachs: na chefia da União Europeia, alinhou-se à política de Bush e à sua guerra idiota com o Iraque. Em seguida, impôs habilmente à União Europeia uma linha liberal dogmática, que não fazia parte da filosofia dos pais da UE, e ajudou a afastar Bruxelas da maior parte dos europeus.

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Vários outros dirigentes têm mostrado a mesma avidez de Barroso. Um caso é o do chanceler alemão socialista Gerhard Schroeder, que, no dia seguinte à sua derrota nas eleições, foi nomeado chefe do consórcio ligado à construção do gasoduto russo-alemão Nord Stream. Há outros exemplos. Tony Blair, não contente de mandar os ingleses lutar no Iraque, passou a integrar, após deixar o governo, os conselhos de administração mais seletos do mundo.

A lista é longa. Nenhuma dessas excelências, ressalve-se, viola as regras usuais de conduta ou o estatuto de seus antigos empregos. Os estatutos da UE limitam-se a recomendar aos ex-comissários que mostrem “delicadeza” na escolha de sua nova atividade. Delicadeza! Que significa isso?

Vale notar que esses grandes personagens são distintos demais para saquear o caixa dos organismos que dirigem. Não são vulgares nem escroques. Essa parte – malas de dólares, contas adulteradas, contabilidade maquiada – eles deixam para os ministros, deputados e presidentes de Câmara brasileiros, para ministros franceses e banqueiros. Esses altos dirigentes da política mundial são cavalheiros, burgueses que têm o sentido do Estado – mesmo que algumas de suas façanhas sejam tão lamentáveis e rendosas quanto sumir com milhões de euros.

O ingresso de Barroso num banco tão poderoso indignou as consciências europeias, principalmente as socialistas. Elas exigiram que Barroso renuncie “a essa contratação indecente, indigna e vergonhosa” e que sejam estabelecidas regras estritas. Aí, então, tudo vai ficar certo? Nem tudo, pois em Bruxelas dificilmente se encontrará uma maioria altos funcionários capaz de ir tão longe. Há de compreendê-los: um dia eles encerrarão sua carreira em Bruxelas e precisarão se recolocar, como fizeram não apenas Barroso, mas tantos outros comissários europeus. / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ