BC estreia autonomia falhando na missão primordial de controlar a alta dos preços; leia a análise

Roberto Campos Neto agora precisa explicar ao ministro da Economia, Paulo Guedes, os motivos da falha no cumprimento da missão primordial do órgão

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Por Eduardo Rodrigues e Thaís Barcellos
3 min de leitura

BRASÍLIA - Atropelado pelos choques de preços que equivocadamente imaginou que seriam apenas temporários, o Banco Central estreou sua autonomia legal precisando justificar publicamente por que a inflação de 2021 teve o maior estouro da meta em quase duas décadas. Por isso, Roberto Campos Neto agora precisa explicar ao ministro da Economia, Paulo Guedes, os motivos da falha no cumprimento da missão primordial do órgão.

Roberto Campos Neto, presidente do BC (à frente), e Paulo Guedes, ministro da Economia; autoridade monetária ficou muito atrás da curva na tentativa de conter os efeitos da escalada da inflação Foto: Ueslei Marcelino/ Reuters

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Por mais que argumente fatores imponderáveis como a crise hídrica e o aumento internacional do preço do petróleo, o resultado do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) mostra que a autoridade monetária ficou muito atrás da curva na tentativa de conter os efeitos da escalada da inflação. O índice oficial encerrou 2021 em 10,06%, muito acima do limite máximo da meta de 5,25% e ainda mais distante do alvo de 3,75% para o ano passado.

O “estouro” da meta foi de 4,81 pontos porcentuais em 2021, o maior desvio desde 2002, quando o IPCA chegou a 12,53% e ultrapassou em 7,03 p.p. o teto da meta que era de 5,5%. Na última vez que a inflação superou os dois dígitos, em 2015, o IPCA de 10,67% representou um estouro de 4,17 p.p. em relação ao teto da meta.

Uma das primeiras respostas da autoridade monetária à pandemia de covid-19 foi uma forte redução na taxa básica de juros. A Selic começou 2020 em 4,50% ao ano e já havia caído para o piso histórico de 2,00% em agosto, em um movimento aplaudido pelo mercado na crise. Parte dos analistas inclusive acreditava que o BC poderia ser ainda mais audacioso na queda dos juros.

Mas, passado o auge da crise econômica da primeira onda da pandemia, o BC relutou em enxergar a subida da inflação como uma ameaça mais duradoura. Assim como outros bancos centrais e a maior parte do mercado, a equipe de Campos Neto acreditava que a pressão sobre o consumo de bens seria temporária e contava com o reaquecimento do setor de serviços para que o conjunto de preços da economia se reequilibrasse.

Os resultados mensais do IPCA, porém, começaram a surpreender para cima já em setembro de 2020. Mas, a despeito dos primeiros sinais de alta mais disseminada nos preços de alimentos, o Comitê de Política Monetária (Copom) abriu 2021 mantendo a Selic em 2,00% e só a partir de março iniciou uma gradual recomposição dos juros, para 2,75%. Até junho do ano passado, aliás, as comunicações do colegiado ainda traziam a avaliação de que os choques inflacionários eram apenas temporários.

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Para piorar, os preços dos combustíveis no mercado internacional não paravam de subir e o Brasil ainda entrou em uma das piores secas da história, com um impacto significativo nas contas de luz. Sem ter atacado com eficiência o primeiro choque quando pôde, o BC agora tinha três problemas na mesa para enfrentar.

Quando a autoridade monetária deu por si, nem mesmo o mercado acreditava mais no cumprimento da meta no ano passado. A saída foi dar um “cavalo de pau” na política monetária e acelerar a alta de juros em um ritmo não visto nos últimos 20 anos. Em agosto e setembro, foram duas altas de 1 p.p., que passaram movimentos de 1,5 p.p. nas reuniões de outubro e dezembro.

A Selic fechou o ano em 9,25%, acumulado uma alta de 7,25 p.p. em 2021, mas o remédio amargo veio tarde demais, uma vez que os efeitos da alta dos juros sobre a economia têm uma defasagem de pelo menos seis meses. Com a inflação perdida no passado, o BC luta agora para não perder o alvo também em 2022.

Dessa vez, o centro da meta é de 3,50% e a margem de cumprimento vai até 5%. O próprio Campos Neto já disse mais de uma vez que fará o que for preciso para não perder o objetivo deste ano e o Copom não colocou limites para a alta dos juros.

Já no começo de fevereiro, a expectativa é de que a Selic chegue a 10,75%. O mercado acredita que os juros baterão na casa de 11,75% em 2022, mas mesmo assim ainda aposta que o IPCA irá estourar a meta novamente, ainda que por muito pouco. No último relatório Focus, a estimativa dos analistas ouvidos semanalmente pelo BC era de um IPCA de 5,03% neste ano.