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Bertin contrata envolvido no mensalão

Um processo judicial diz que Lucio Funaro está lá para "salvar" patrimônio; grupo desmente e diz que ele assessora briga societária

Por Alexa Salomão e Josette Goulart
Atualização:

O economista Lucio Bolonha Funaro costuma ser lembrado no meio empresarial por duas peculiaridades: ter temperamento forte e ser citado, investigado, acusado ou chamado a depor (varia de caso a caso) em boa parte das grandes investigações de lavagem de dinheiro ocorridas no Brasil dos últimos dez anos.

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A lista de casos em que seu nome esteve relacionado é vistosa. Operação Satiagraha, contra desvio de verbas públicas. Caso Banestado, que denunciou evasões de divisas. CPI dos Correios, que rastreou operações suspeitas de fundo de pensão de estatais. Hoje, é mais lembrado como o operador que aceitou a delação premiada no escândalo do Mensalão. Funaro tem pelo menos uma dezena de empresas, segundo consta em processos que ele moveu contra alguém ou de outros nos quais ele é o alvo. Recentemente, porém, ocupou-se de negócios de terceiros, especificamente no grupo Bertin.

Em um processo movido por Maurício Cury de Vecchi, gerente de projetos da Gaia Energia, empresa do grupo Bertin, Funaro é citado como aquele "contratado para 'salvar' tudo o que for possível e enviar ao exterior". O grupo estaria "se preparando para uma possível 'quebra' em 2014", diz o texto do processo.

O grupo, que já foi dono do maior frigorífico do País - vendido ao JBS em 2009 -, diversificou os negócios e partiu para o ramo de concessões. Acabou se desmantelando na área de energia. Só nos últimos doze meses vendeu ativos para pagar R$ 1,5 bilhão em dívidas, mas ainda deve R$ 600 milhões, tem dificuldades para tomar empréstimos e enfrenta diversas disputas judiciais.

O diretor financeiro do grupo Bertin, Wendel Caleffi, nega veementemente que haja uma operação para salvar o patrimônio. "Nada do que o Maurício conta é verdade ", diz. No entanto, Caleffi confirma que o economista Lucio Funaro foi contratado, sim, mas especificamente para prestar consultoria em um caso particular - a briga societária entre os Bertin e o Grupo Dias, do empresário mato-grossense Filadelfo dos Reis, pelas pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) de Curuá e Salto Buriti, no Pará. A disputa, com acusações pesadas de ambos lados, corre em sigilo numa câmara arbitral.

"Tínhamos várias disputas judiciais e precisávamos chamar alguém para coordenar essa ação - alguém que conhecesse os melhores advogados, pareceristas e árbitros nessa causa", diz. "Nos indicaram Funaro porque ele já tinha experiência em briga parecida com o grupo Schahin pela hidrelétrica de Apertadinho, em Rondônia, na mesma esfera arbitral."

Pessoas próximas dos Bertin dizem que Funaro tem estreitas relações com a família, principalmente da geração mais jovem, e costuma ser visto pelos corredores da empresa há anos. "Desconheço essa proximidade", diz Callefi. Segundo o executivo, Funaro vai permanecer na assessoria até que a disputa com o grupo Dias termine.

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Alguns documentos anexados ao processo promovido pelo ex-executivo do Bertin procuram exemplificar a extensão do comando de Funaro. Dois deles tentam mostrar que ele tem controle sobre o caixa. Funaro assinou autorizações de reembolsos e de pagamentos a membros da família Bertin (em destaque acima) em papel timbrado da Viscaya, empresa de sua propriedade pela qual foi contratado pelos Bertin.

Há também trocas de e-mails reforçando a ideia de que ele tem participação na gestão. Em uma delas, um executivo da área de PCHs do grupo pedia a "V. Sa" Funaro autorização para fazer débitos de valores ínfimos, R$ 5,00. Procurado para comentar a sua participação na empresa, Lucio Funaro declarou, por intermédio de sua assessoria de imprensa, que não se manifestaria.

Caleffi não entende o que são os papéis com repasses autorizados por Funaro. "Funaro não tem procuração, nenhum mandato para atuar em nome do grupo, é apenas um assessor e não sei porque um executivo faria esse tipo de solicitação a ele".

Pagamentos.

Com mais de mil páginas - a maior parte delas de documentos -, o processo movido por Vecchi conta que foram as divergências na família que levaram Funaro ao grupo. Em março de 2013, Fernando Bertin foi afastado da presidência. Em seu lugar, entrou o irmão Reinaldo. Em julho, segundo a denúncia, Reinaldo também destituiu Fernando da tarefa de acompanhar as ações judiciais e foi então que avisou aos funcionários que eles deveriam se reportar a Funaro, que a partir daquela data teria então iniciado estratégias para "salvar os ativos livres".

Transferências.

A denúncia apresenta alguns detalhes de como isso seria feito: "Ativos imobiliários do grupo estão sendo transferidos a Luciante Participações, empresa de propriedade dos filhos dos sócios controladores do grupo Bertin". Como exemplo, o processo detalha a documentação de transferência da Fazenda Hiroshima, em Mato Grosso, para a Luciante. Na sequência, o imóvel foi negociado com o grupo italiano Enel, que construirá na região a hidrelétrica Salto de Apiacás.

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Em outro trecho, o processo narra que "várias transferências não contabilizadas foram feitas através da empresa Veneza Participações (que é do Bertin)". Porém, não há registro dessas transferências nos autos.

Caleffi nega qualquer transação suspeita, em qualquer unidade do grupo, mas confirma a operação com a fazenda, que lhe parece totalmente aceitável. "Os filhos são herdeiros das empresas e esse tipo de transferência não caracteriza blindagem de patrimônio", diz.

Vecchi trabalhou no grupo de 2006 a 2013 e, apesar de gerente, podia acompanhar movimentações financeiras, cuidou de obras, avaliou projetos. Segundo relata no processo, ele enfrentou uma sucessão de problemas no grupo Bertin. O ápice foi uma agressão de Funaro nas dependências da empresa, diante dos colegas de trabalho. Há um boletim de ocorrência narrando o incidente.

Segundo Caleffi, o ex-colega talvez tenha exagerado. "Lucio não é mesmo uma pessoa de trato fácil, mas eu procurei os colegas depois do incidente e eles disseram que não tinha reparado nada de estranho."

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