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Bolívia não negociou porque ´não tinha que fazer isso´

O vice-presidente do país, García Linera, completou afirmando que "a nacionalização foi uma decisão soberana do Estado e do povo bolivianos"

Por Agencia Estado
Atualização:

"Os brasileiros compreenderão que fizemos o que tínhamos de fazer", disse nesta terça-feira ao Estado o vice-presidente da Bolívia, Álvaro García Linera, durante uma rápida conversa com jornalistas na porta do Palácio Quemado, a sede do governo do país. "Não consultamos ninguém nem negociamos com ninguém porque não tínhamos de fazer isso. A medida de nacionalização foi uma decisão soberana do Estado e do povo bolivianos." A posição de García Linera sobre o tema é relevante. Para muitos analistas e jornalistas da Bolívia, ele representa o papel de "eminência parda" do governo de Evo Morales. Sociólogo, marxista e ex-líder político do Exército Guerrilheiro Tupac Katari, García Linera se converteu em ideólogo do Movimento ao Socialismo (MAS), o partido de Evo. Atribui-se a ele grande influência sobre as ações do presidente. "As novas regras estão aí. Basta agora que as transnacionais se adaptem a elas", prosseguiu, referindo-se à Petrobrás e às demais companhias petroleiras estrangeiras que atuam no país. Pelo decreto de nacionalização anunciado primeiro pelo próprio García Linera, em La Paz - minutos antes de Evo fazê-lo num campo administrado pela Petrobrás, em Tarija -, as empresas terão 180 dias para realinhar seus contratos sob as novas normas ou abandonar o país. Evo deixou La Paz logo pela manhã e foi a Santa Cruz de la Sierra, onde se reuniria com os novos administradores de algumas plantas de produção de gás e petróleo, cujo controle passa agora totalmente às mãos da companhia estatal Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB). Na sede de La Paz da YPFB, o movimento normal na frente do edifício camuflava o corre-corre do interior do prédio. Sucateada nos anos 90, quando todo o negócio de hidrocarbonetos (gás e petróleo) foi privatizado e entregue a companhias multinacionais, a estatal tem agora pela frente o desafio de encontrar quadros capazes de manter as operações do setor. Pausa Segundo assegurou ao Estado uma das porta-vozes da YPFB, Gloria Yzaguirre, não houve nesta terça, primeiro dia útil após o anúncio da nacionalização, nenhum incidente que causasse a paralisação da produção em nenhum dos 56 campos de gás e petróleo nacionalizados pelo governo boliviano. O governo boliviano garante que o fato de Morales ter ordenado ao Exército que ocupasse as instalações petrolíferas evitou possíveis locautes ou, como designou García Linera, "sabotagem" das operações por parte das multinacionais. O decreto de nacionalização é cruel com essas empresas. Além de perder o controle de todas as etapas do negócio de hidrocarbonetos, elas receberiam apenas 18% dos lucros. Pela lei, caberá também à YPFB a prerrogativa de estabelecer os preços dos produtos. Dúvida Nesta terça, no entanto, a constitucionalidade do decreto baixado por Evo começou a ser posta em dúvida por políticos e juristas da Bolívia. Falando sob a condição de não ter seu nome publicado, um diplomata estrangeiro baseado em La Paz observou que as múltis se instalaram na Bolívia pela Lei de Capitalização, sancionada no começo dos anos 90 pelo então presidente, Gonzalo Sánchez de Lozada. Trata-se de uma lei ordinária, aprovada após passar por todos os trâmites do Congresso. "Pela atual Constituição, um decreto supremo (como o da nacionalização) não pode ter precedência sobre uma lei ordinária", disse o diplomata. Para ganhar legalidade, o atual Congresso precisa revogar a Lei de Capitalização ou dar tramitação à lei de nacionalização. O governo de Evo - que tem a maior bancada da Câmara de Deputados, mas é minoria no Senado - não tem apoio suficiente para fazer nem um nem outro.

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