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Bolsonaro aposta em pacote econômico como última trincheira para se reeleger

Governo prepara medidas como reajuste do Bolsa Família e programas de qualificação profissional para tentar frear queda de popularidade e chegar mais competitivo às eleições do próximo ano

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Por Adriana Fernandes
Atualização:

BRASÍLIA - A economia é hoje a principal trincheira e última linha de defesa do presidente Jair Bolsonaro para tentar garantir sua reeleição em 2022. Com apoio do Centrão, o presidente vem montando um cardápio de medidas econômicas para evitar maior perda de popularidade, na esteira das revelações feitas pela CPI da covid-19, e chegar competitivo ao pleito do próximo ano. Especialistas ouvidos pelo Estadão apontam que a incógnita é saber se o presidente e os políticos aliados do Centrão conseguirão arremeter a tempo o “avião da economia” para que os efeitos da retomada atual, até agora muito desiguais, cheguem até a maior parte da população.

No cardápio de “bondades”, estão a elevação para R$ 300 (ou mesmo um valor acima) do benefício médio do Bolsa Família (que hoje é de R$ 190); o pacotão do emprego com um bônus de R$ 550 para a qualificação de jovens e informais; um botijão a cada dois meses para família de baixa renda com dinheiro da Petrobras; aumento da faixa de isenção e correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e desoneração forte do imposto pago pelas empresas; novas medidas de desoneração do diesel; reajuste dos salários dos servidores; e ainda um novo programa de refinanciamento de dívidas tributárias (Refis).

O presidente Jair Bolsonaro conta com o Centrão para aprovar novas propostas Foto: Gabriela Bilo/Estadão

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Todas essas medidas estarão combinadas com um Orçamento irrigado de emendas parlamentares para aliados, fundo eleitoral mais gordo, folga maior no teto de gastos (regra da Constituição que fixa um limite anual para os gastos) e medidas que vão colocar dinheiro extra no caixa no ano que vem, como leilões de concessões já programados.

Um ponto de inflexão será a divulgação do relatório da CPI da Covid, prorrogada por mais 90 dias e que pode dar combustível a um quadro mais turbulento. “É justamente o momento em que o governo estará negociando a votação do Orçamento e o Bolsa Família”, chama a atenção Rafael Cortez, cientista político e sócio da Tendências Consultoria. Na sua avaliação, a economia deve, ao menos, ajudar a fazer o movimento de estancar a perda de popularidade – “que já é muito relevante”. Para Cortez, olhando para o quadro eleitoral, o governo Bolsonaro ainda é muito competitivo e, em parte, isso tem como explicação a economia.

Os economistas apontam que o ganho do cenário econômico, por si só, ainda não é capaz de reverter o processo de aumento de rejeição e nem o reforço do Bolsa Família seria uma “bala de prata” capaz de levar o presidente ao segundo turno com chances de vitória. Estudos sobre impacto de programas de transferência de renda na eleição mostram que não é trivial limitar a faixa de quem ganha e de quem perde. Além disso, o auxílio emergencial inicial de R$ 600 colocou o sarrafo lá em cima. Com a diminuição do valor para R$ 250, em média, o benefício perdeu o poder de proteção da popularidade que tinha em 2020.

Se a chave do cofre e o comando da agenda do Congresso pelo Centrão favorecem a estratégia econômica pró-eleição, a aceleração da inflação, o desemprego e o risco de racionamento de energia em 2022 jogam contra ela. Não por acaso, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está tentando implementar um programa de emprego robusto, com recursos de fora do Orçamento, vindos do Sistema S, e vem abandonado os pilares da sua política liberal para atender os pedidos de Bolsonaro e do Centrão.

“Uma das variáveis mais importantes para a popularidade é o emprego, e esse ainda vai reagir. Parece que ainda tem muita água para rolar embaixo da ponte, principalmente quando a economia reabrir mesmo e o emprego começar a andar”, avalia Caio Megale, economista-chefe da XP. Segundo ele, o foco no programa de qualificação da mão de obra é fundamental para o governo.

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Responsável pelas pesquisas de avaliação de popularidade na XP, Victor Scalet diz que o modelo de aprovação presidencial usado pela companhia, que contém dados desde 1996, indica que a avaliação do presidente deveria subir para cerca de 40 a 45 pontos de aprovação no período eleitoral de 2022. Mas houve uma quebra da correlação que existia antes entre a melhora da pandemia e a avaliação do presidente. “A correlação, que vinha muito forte desde o começo da pandemia, quebrou porque a avaliação negativa dele continua subindo.” A CPI da pandemia acabou “fazendo preço”, no jargão do mercado.

Na corrida eleitoral, outro fator que pode jogar contra ou a favor é que as eleições estão sendo decididas, cada vez mais, perto do dia do pleito. “Vamos percorrer uma eternidade até iniciar a disputa eleitoral de 2022. Um tempo longo como esse dificulta qualquer tipo de previsão a priori”, diz o ex-governador do Espírito Santo Paulo Hartung. Segundo ele, na saída de uma crise da envergadura da pandemia, o quadro é muito mais complexo. “A dita polarização atual pode derreter o processo e melhorias econômicas, se não chegaram à população, não têm impacto na decisão eleitoral.”

5 Perguntas para Silvia Matos,  coordenadora técnica do Boletim Macro do Ibre/FGV

1. Qual será o papel da economia nas eleições?

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A economia é importante para a eleição. Mas o espaço de manobra para aumentar a satisfação das pessoas e reduzir o desconforto delas é pequeno. O governo vai tentar atuar nessa direção, mas a gente sabe que existem muitas restrições para fazer isso. O primeiro aspecto é que uma recuperação econômica mais forte é muito inflacionária. Aí, o tiro sai pela culatra. Se tivesse um espaço para crescer sem acelerar a inflação, seria mais tranquilo para qualquer política.

2. Por que esse espaço é muito pequeno?

À medida que a economia abre depois da pandemia, como temos visto em outros países, há uma volta da inflação de serviços, o que é o natural mesmo. Se fosse só simplesmente uma aceleração de serviços, com acomodação de outros preços, poderíamos de alguma forma conviver com uma inflação um pouco mais alta temporariamente. Mas o problema todo é que, no Brasil, temos visto há algum tempo vários fatores que podem colocar a inflação acima de 7% neste ano. Temos a questão da energia, por exemplo, que pode ser um problema para o ano que vem na eleição.

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3. Qual seria o maior risco no caso da energia?

Se não chover realmente no período que deveria chover, no final do ano, o risco de racionamento se intensifica ainda mais. Os reservatórios estão em níveis muito baixos. Colocar tarifa lá em cima não é suficiente. O racionamento talvez não seja um risco neste momento, porque se está aumentando tarifas, mas, à medida que a economia volte, é natural que tenha alguma necessidade de aumento (de consumo). Isso virou um gargalo. Imagina se estivéssemos crescendo 9%, que energia teríamos? É um sinal que a economia tem restrições para uma aceleração muito forte do crescimento.

4. Quais outros fatores que podem complicar o cenário econômico para 2022?

Estamos vendo uma volta da inflação de alimentos. Estávamos colhendo uma desaceleração da inflação de alimentos e a crise hídrica está afetando muito o Centro-Sul, que é produtor de alimentos: arroz, feijão, leite... Do ponto de vista da inflação, tem mais pressão por todos os lados, como gás de cozinha, o petróleo continua subindo. É um momento muito inflacionário, e aquele alívio que esperávamos no segundo semestre não virá.

5. Mas a virada econômica vai ajudar o governo? 

A inflação vai ser um grande gargalo e, se a gente quiser acelerar demais, vai virar mais inflação.

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