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Bolsonaro 'enterra' Renda Brasil e Congresso tenta puxar pauta social

Parlamentares querem turbinar alcance do Bolsa Família com projetos que já circulam na Câmara e no Senado; entrevista de assessor da Economia sobre congelar aposentadorias e pensões precipitou reação do presidente

Foto do author Adriana Fernandes
Por Adriana Fernandes , Idiana Tomazelli e Tania Monteiro
Atualização:

BRASÍLIA - Após o presidente Jair Bolsonaro enterrar o programa Renda Brasil até 2022, o Congresso tenta puxar para si a dianteira no debate da pauta social para ampliar o Bolsa Família depois do fim do auxílio emergencial aos vulneráveis criado na pandemia da covid-19. Parlamentares que já estavam envolvidos na elaboração de propostas com foco social veem oportunidade de avançar no reforço do Bolsa Família e na busca de novas fontes de financiamento.

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Assessores do presidente Bolsonaro também avaliam que o Renda Brasil, programa social que estava sendo desenhado para substituir o Bolsa Família e ser a marca social do governo, pode “renascer” no Congresso. A política tem o apoio de parlamentares aliados do governo, que veem na ampliação dos benefícios um bilhete de passagem para a reeleição daqui dois anos.

O Planalto já tinha colocado a discussão do Renda Brasil em ritmo mais lento após decidir pela prorrogação do auxílio emergencial até dezembro. Com a decisão de ontem, o governo entende que ganha tempo para um programa que é visto, inclusive, como um puxador de votos para o presidente e todos que o apoiam. Em conversas reservadas, lideranças do governo avisam que o Renda Brasil não está descartado.

O presidente Jair Bolsonaro usou rede social para rebater proposta de congelamento do valor de aposentadorias. Foto: Adriano Machado/Reuters

Em vídeo ontem, Bolsonaro sepultou mais uma proposta da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, para tirar o Renda Brasil do papel: desta vez, a de congelar aposentadorias e reduzir a potência de outros benefícios sociais. Ao final, o presidente colocou uma basta à discussão do programa até o fim do seu mandato e repetiu que não ia "tirar nada dos pobres para dar aos paupérrimos". Com seu discurso duro, Bolsonaro tentou encerrar as especulações, ignorando eventuais repercussões negativas no mercado do pito na equipe de Guedes.

Em reunião no Planalto com Guedes no início da tarde, o presidente reiterou que não admitia cortar nada de aposentados. Segundo Bolsonaro, a necessidade de manter o teto de gastos (que limita o avanço das despesas à inflação) diante das novas despesas teria de passar por outros caminhos e que a equipe economia teria de encontrar meios e ser "criativa", mas sem prejudicar os menos favorecidos.

Paciência

O presidente perdeu a paciência e explodiu ao ver as manchetes com a proposta de congelar as aposentadorias e pensões. O secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, que falou em entrevista ao G1 da medida do congelamento pode perder o cargo. Se isso se confirmar, será o terceiro auxiliar que Guedes a perder o cargo por atritos diretos com o presidente, além de Joaquim Levy, no BNDES, e Marcos Cintra, na Receita Federal. Guedes não o defendeu publicamente, assim como não fez com os dois primeiros. Para auxiliares do ministro, faltou sensibilidade política a Waldery. A ordem agora é suspender as entrevistas.

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No Planalto, a ideia era que se conseguisse que usar o Renda Brasil para ampliar em 50% o valor médio do Bolsa Família, de R$ 190 para R$ 300, patamar do auxílio emergencial prorrogado até dezembro. Sem revisão de outras despesas, porém, isso é considerado inviável.

Com a interdição do debate por Bolsonaro, parlamentares avaliam que é possível retomar o PL 6072 e os outros projetos de lei de ampliação do Bolsa Família já em tramitação no Congresso, conduzindo a discussão sobre a ampliação das linhas de pobreza e extrema pobreza (hoje em R$ 178 e R$ 89 por pessoa, respectivamente), o que na prática tornaria um maior número de famílias elegíveis ao programa. Uma comissão especial já foi criada para debater o tema.

O projeto contém regras para reajustes periódicos das linhas de entrada no Bolsa Família e dos valores do benefício, evitando que a pobreza seja achatada de forma fictícia - isto é, quando você deixa de atualizar a linha de pobreza e, consequentemente, menos pessoas estarão abaixo dela. A linha de extrema pobreza do Bolsa Família está bem abaixo daquela que o Banco Mundial utiliza para o grupo de países muito pobres, como Bangladesh e Indonésia. Cálculos apontam que seria precisa dobrar o orçamento do programa em 2021, de R$ 35 bilhões para R$ 70 bilhões, para atualizar essa linha de corte ao patamar do Banco Mundial.

O projeto em tramitação no Congresso prevê a atualização dessas portas de entrada para R$ 250, como linha de pobreza, e R$ 100 por pessoa, como linha de extrema pobreza. Isso levaria a uma inclusão de 3 milhões de famílias no programa. Segundo o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), um dos autores da proposta, o custo seria de R$ 10 bilhões a mais que o custo atual do programa.

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Discussão deve continuar

Para Rigoni, há sim alternativas de revisão nos gastos para abrir espaço à ampliação do Bolsa Família sem a necessidade de mexer em outros benefícios. Ele cita o corte dos “penduricalhos” nos salários da elite do funcionalismo, que poderia poupar R$ 3 bilhões. “Mas enfrentar essas discussões sem que o governo apoie se torna difícil”, afirmou, lembrando que a equipe econômica deixou o debate dos penduricalhos dos servidores atuais de fora da reforma administrativa.

Para a deputada Tabata Amaral (PDT-SP), também autora do projeto, a discussão da renda básica deve continuar independentemente da “suspensão” determinada por Bolsonaro. “Lamentamos que essa seja a postura do governo”, disse.“Vamos continuar lutando por todos os caminhos possíveis pelo direito a uma vida digna para o povo brasileiro”, afirmou.

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Segundo ela, o PL 6072 reajusta os valores do benefício do Bolsa Família, adiciona um benefício para a primeira infância e atualiza as definições de pobreza e extrema pobreza para algo mais próximo dos parâmetros internacionais . Já a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 200/19 torna a garantia de renda uma política de Estado. As propostas têm como coautores parlamentares de mais de 20 partidos da Câmara.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, criticou a equipe de Guedes. “A equipe econômica está nos querendo vencer pelo cansaço. Quem está ficando cansados somos nós”, disse. Segundo Tebet, num País com a desigualdade do Brasil e com tantos super-ricos, não há lógica em querer melhorar o Bolsa Família mexendo na classe D quando se tem alternativas para mexer nas classes A e B./COLABOROU EMILLY BEHNKE

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