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Bolsonaro na China: sem ambição e estratégia

Nem mesmo no meio empresarial parece haver clareza sobre o que se espera das relações bilaterais

Por Pedro da Motta Veiga e Sandra Polónia Rios
Atualização:

A mitigação dos danos à relação bilateral com a China, decorrentes de declarações feitas na campanha de 2018 pelo então candidato Bolsonaro, foi destacada pela imprensa como o principal objetivo da visita do presidente àquele país. Trata-se de objetivo muito pouco ambicioso para a primeira visita presidencial ao maior parceiro comercial do Brasil e segunda maior economia do mundo. Contudo, uma avaliação realista do posicionamento do Brasil em suas relações com a China é útil para explicar o baixo nível de ambição.

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Desde que a China ganhou relevância como parceiro comercial e de investimentos do Brasil, há, em nosso país, a percepção de que as relações bilaterais, embora positivas em termos agregados, deixam a desejar quando analisadas em termos da qualidade dos fluxos. Isso é particularmente válido para os fluxos comerciais: o Brasil consolidou-se como um fornecedor de commodities agrícolas e minerais para a China, enquanto esta exporta para o Brasil essencialmente produtos manufaturados.

No caso dos fluxos bilaterais de investimentos, frustrou-se, em larga medida, a expectativa de que capitais chineses agregassem capacidade produtiva e tecnológica à indústria do Brasil em setores intensivos em tecnologia de informação. Os investimentos chineses concentraram-se em petróleo e gás, no início, e em geração, transmissão e distribuição de energia, a partir de meados da década.

Este quadro produziu, do lado brasileiro, reações tópicas, que em geral se manifestavam quando de visitas presidenciais à China: demandas pontuais por maior acesso a mercado para produtos específicos, habilitação de frigoríficos para exportação de carnes, etc. Iniciativas voltadas para a diversificação da pauta de exportação brasileira na China também houve, mas com sucesso limitado, em razão de resistências protecionistas chinesas ou de problemas do lado da oferta brasileira.

Produziu, ainda, a percepção difusa e bem disseminada de que o Brasil carece de uma estratégia adequadamente desenhada e implementada para lidar com a China e extrair maiores benefícios da relação bilateral. A criação, desde o começo do século, de vários mecanismos de interlocução e cooperação bilaterais e a elevação da Parceria Estratégica estabelecida pelos dois países em 1993 ao status de Parceria Estratégica Global não foram suficientes para preencher esse vazio.

Nem no meio empresarial parece haver clareza sobre o que se espera das relações bilaterais. As manifestações do setor refletem, em geral, preocupações de curto prazo com, de um lado, barreiras pontuais às exportações de produtos do agronegócio para a China, e, de outro, o tratamento a ser dado à economia chinesa nos processos de investigação de antidumping para produtos industriais.

Fato é que pouco se avançou na concepção de tal estratégia, na definição de quais seriam seus objetivos, instrumentos e condições de sucesso. E este é certamente um dos fatores que explicam a baixa ambição dos objetivos da visita presidencial à China.

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O segundo fator diz respeito à orientação da política externa do governo Bolsonaro. Aqui nem é preciso fazer referência às declarações críticas do então candidato aos investimentos chineses no Brasil. Mais relevante é entender que a aproximação política do Brasil com os EUA num contexto internacional cujo componente central é a disputa econômica e tecnológica entre chineses e norte-americanos deixa espaço limitado para uma política ativa de cooperação com a China e dá margem para o surgimento de áreas de fricção entre os dois países.

Talvez o que se possa realisticamente esperar, neste contexto desfavorável, da posição brasileira ante a China seja o tratamento de importações e investimentos chineses no Brasil em termos não discriminatórios e compatíveis com os objetivos governamentais de ampliar a integração internacional da economia do País e atrair inversões para setores carentes de capitais, como os de infraestrutura. *SÃO DIRETORES DO CENTRO DE ESTUDOS DE INTEGRAÇÃO E DESENVOLVIMENTO

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