Bolsonaro veta socorro de R$ 4 bi para empresas de transporte público

Projeto de lei previa o repasse dos recursos a Estados, ao Distrito Federal e aos municípios com mais de 200 mil habitantes para garantir a prestação dos serviços durante o estado de calamidade pública causado pela pandemia

Publicidade

PUBLICIDADE

Por Lorenna Rodrigues e Amanda Pupo
4 min de leitura

BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro vetou integralmente o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional que destinava R$ 4 bilhões a empresas de transporte coletivo, como ônibus, trem e metrô. O veto ao projeto de lei 3.364/2020 por “inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público” foi publicado no Diário Oficial da União desta quinta-feira, 10.

O texto previa o repasse dos recursos a Estados, ao Distrito Federal e aos municípios com mais de 200 mil habitantes, em caráter emergencial, para socorrer as empresas e garantir a prestação dos serviços em razão do estado de calamidade pública causado pela pandemia de coronavírus.  Os deputados e senadores podem derrubar o veto do presidente e garantir o socorro às empresas.

Leia também

Indicação de Bolsonaro paradelegado permanente na ONU foi rejeitada pelo Senado. Foto: Dida Sampaio/Estadão

Na justificativa do veto, o governo alega que a medida fixa despesa sem apresentar estimativa do respectivo impacto orçamentário e financeiro. Além disso, a proposta ultrapassa o período de calamidade pública, que termina neste mês, e poderia acarretar redução de receita após 2020, o que exigiria a apresentação de medida de compensação, segundo o veto.

Contrapartidas 

Pelo texto aprovado por deputados e senadores, as empresas precisariam cumprir uma série de requisitos para receber os recursos. Entre os compromissos estão, por exemplo, a revisão dos contratos de prestação do serviço público coletivo de passageiros até 31 de dezembro de 2021, diretrizes pararedução gradual de emissões de poluentes tóxicos e a vedação de adoção de novas gratuidades de forma que onere usuários pagantes.

Pelo projeto, os repasses seriam realizados com recursos vinculados ao Fundo das Reservas Monetárias (FRM), extinto por meio de uma medida provisória sancionada em junho pelo presidente da República. A estimativa é que o fundo tenha cerca de R$ 8,6 bilhões. 

Continua após a publicidade

A aplicação do dinheiro, segundo o texto, deveria ser proporcional ao número de passageiros transportados por cada empresa.  Governadores e prefeitos interessados na ajuda devem manifestar interesse em assinar o termo em até 30 dias após a publicação da lei.

Pelo texto, os recursos seriam transferidos a Estados e o DF (30%) e municípios (70%) e liberados a empresas de transporte em etapas. Os recursos deveriam ser aplicados de forma proporcional ao número de passageiros transportados por cada empresa. Além disso, o texto proibia o aumento de tarifa no serviço de transporte público coletivo de passageiros, urbano ou semiurbano, nos estados e municípios que receberem a ajuda, enquanto durar o decreto de calamidade pública (até 31 de dezembro).

Segundo o texto, a transferência deveria ser feita a fim de promover o equilíbrio econômico dos contratos, além de adequar o serviço aos padrões sanitários, com a seguinte ordem de prioridade: aquisição de bens essenciais à prestação do serviço de transporte públicos (se forem veículos, devem ser novos ou ter, no máximo, cinco anos); aquisição antecipada de bilhetes de passagens (preferencialmente destinados a beneficiários de programas sociais do governo federal); contratação de prestação de serviços de transporte de pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida em veículos adaptados.

Pelo projeto, os recursos poderiam ser usados em outras finalidades, a depender das especificidades do sistema local, desde que sejam justificados pelo ente público responsável e estejam definidos no termo de adesão assinado pelos beneficiários.

Conforme a proposta, os Estados e municípios beneficiados com os recursos que não revisassem os contratos do serviço de transporte público até o fim de 2021 ficariam sujeitos a sanções, como a suspensão das transferências de recursos pela União para a área de transporte e a impossibilidade de celebrar contratos ou receber empréstimos de órgãos ou entidades federais no setor. 

Indignação 

O veto do presidente provocou a reação de várias associações do setor, além da Frente Nacional de Prefeitos (FNP), que disse ter recebido a notícia com perplexidade. "O veto integral é um equívoco", disse a Confederação Nacional do Transporte (CNT).

Continua após a publicidade

Em notas, as entidades destacam que o projeto emergencial para o setor foi construído ao longo de meses entre o próprio governo e parlamentares, Estados e municípios. A FNP, por exemplo, afirma que a negociação se arrastou por oito meses, justamente pela morosidade que o governo federal imprimiu ao processo. "E, agora, alega na justificativa do veto que a lei 'poderia ultrapassar o período de calamidade'", diz.

A Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) manifestou "estranheza e frustração" com o anúncio do veto ao projeto cuja elaboração havia sido conduzida pelo "próprio governo". "Há uma profunda incoerência neste veto", afirma a NTU, que lista nomes de lideranças do governo que se envolveram diretamente com a proposta, como Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do governo no Congresso, e Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara.

Entidade nacional que reúne transportadores de passageiros sobre trilhos, a ANPTrilhos afirmou em nota que recebeu com "indignação" a decisão do presidente. Segundo a associação, a falta de recursos afetará "milhões de brasileiros" que só têm o transporte público como meio de deslocamento, com risco de redução dos serviços. Para a entidade, o setor tem sido "relegado" pelas autoridades.

O presidente da ANPTrilhos, Joubert Flores, disse que o setor "se ressente" da falta de medidas específicas para atenuar a crise enfrentada no transporte público, que foi inclusive classificado como um setor essencial pelo próprio governo. Por isso, a entidade fez um "apelo" à Presidência para que o socorro ao setor seja reavaliado de "maneira célere".

"O setor vive sua maior crise e, desde o decreto da pandemia e de estado de calamidade pública, em março, os sistemas metroferroviários brasileiros acumulam um déficit de mais de R$ 7 bilhões, somente em termos de receita tarifária", afirma a associação. A entidade diz que, com o alongamento da crise, "que não tem perspectiva de finalização", o setor não está sendo capaz de "suportar os graves impactos".

A entidade ainda faz uma comparação com a resposta do governo a outros setores afetados fortemente pela crise, como o de aviação civil e de energia elétrica, que foram "rapidamente socorridos", diz a ANPTrilhos. "Mas o setor de mobilidade, que garante o deslocamento do cidadão nas cidades, incluindo aqueles que trabalham na linha de frente para o combate ao coronavírus, tem sido relegado pelas autoridades", afirma.

Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.