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Bolsonaro veta trecho da LDO que permitia usar Orçamento de 2021 para gastos de anos seguintes

O dispositivo foi inserido numa articulação direta do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) junto a parlamentares e em contrariedade com a equipe econômica

Por Idiana Tomazelli
Atualização:

O presidente Jair Bolsonaro vetou um trecho da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2021 que abria brechas para órgãos usarem o Orçamento do ano que vem para bancar despesas de exercícios seguintes. O dispositivo, como revelou o Broadcast, foi inserido numa articulação direta do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) junto a parlamentares e em contrariedade com a equipe econômica.

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O objetivo era tornar perene a exceção autorizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) para que gastos previstos no Orçamento de 2020 sejam executados apenas em 2021. A decisão gerou controvérsia, pois técnicos avaliam que há quebra do princípio da anualidade orçamentária (prever no Orçamento de cada ano o que será executado naquele período).

O texto da LDO previa que o empenho de uma obra (a primeira fase da despesa, quando há a sinalização do compromisso de que o gasto será feito) contemplaria “a totalidade ou a parcela da obra que possa ser executada no exercício financeiro ou dentro do prazo de validade dos restos a paga”. Na prática, o órgão poderia se comprometer com gastos a serem executados apenas em 2022, ano eleitoral, ou ainda no período seguinte.

A permanência desse trecho havia sido celebrada no MDR, um dos principais defensores da medida e que vê nesse instrumento uma forma de garantir recursos para suas obras. Segundo uma fonte que participou das negociações, o TCU criou o precedente que faltava para inserir essa abertura na lei.

Em publicação no Twitter, Jair Bolsonaro disse que irá 'restabelecer a verdade' sobre a vacina contra a covid-19 no Brasil Foto: Alan Santos/PR

Técnicos da área econômica, porém, veem nesse tipo de manobra uma forma de criar mais dificuldades para o teto de gastos, que limita o avanço das despesas à inflação, e reforçar o discurso de que uma flexibilização será necessária. Isso porque as obrigações acumuladas competem dentro do teto com as despesas previstas para o próprio ano. A equipe econômica, porém, é contra qualquer mudança, pois vê na regra fiscal uma “superâncora” de credibilidade de que as contas não ficarão descontroladas.

Na justificativa do veto, o Ministério da Economia disse que o dispositivo “provoca confusão conceitual” e permite “programação orçamentária por um prazo superior a um exercício”. “O dispositivo proposto permite que o princípio da anualidade orçamentária seja infringido, uma vez que permite o empenho de uma despesa plurianual em apenas um exercício”, informou a pasta.

‘Digital’ do MDR

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A possibilidade de usar o Orçamento de 2021 para bancar obras de anos seguintes foi apenas uma das “digitais” deixadas pelo MDR nas negociações da LDO, aprovada às pressas no fim de 2020. Como mostrou o Broadcast, uma série de dispositivos buscava priorizar as obras da pasta na distribuição de recursos, como ações de saneamento e o programa Casa Verde Amarela. Algumas caíram, como o de saneamento, mas o do programa habitacional ficou.

O ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, é tido como um habilidoso articulador político e com bom trânsito entre as principais lideranças do Congresso Nacional. Os artigos inseridos serviram para marcar uma posição política e situar o MDR na disputa por recursos. Dentro da pasta há o discurso de que a priorização é um "reconhecimento" do Parlamento à importância dessas áreas.

Não é de hoje que o grupo de Marinho se choca com o do ministro da Economia, Paulo Guedes. Os dois ministros acumulam um amplo histórico de embates em torno da política de gastos. Enquanto o MDR quer garantir a continuidade das obras e já sugeriu consultas para tentar tirar investimentos do alcance do teto, a equipe econômica rechaça qualquer mudança na regra.

Outra mudança empreendida na LDO que buscava facilitar a continuidade das obras era a autorização para transferência de recursos a municípios com até 50 mil habitantes mesmo que eles estivessem inadimplentes com obrigações financeiras, contábeis ou fiscais. Esse trecho foi vetado por Bolsonaro a pedido da Economia, que viu prejuízo a uma “relevante medida de finança pública voltada para a responsabilidade na gestão fiscal”. Segundo a Economia, cerca de 88% dos municípios têm menos de 50 mil habitantes, o que acabaria tornando os instrumentos de controle e boa gestão fiscal ineficazes.

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