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Bonex dará dimensão à perda dos argentinos

Por Agencia Estado
Atualização:

Pela primeira vez, os argentinos saberão exatamente quanto perderam com a crise financeira e o fim da conversibilidade. O valor ficará explícito quando os depósitos bancários retidos forem convertidos em títulos do governo, os Bonex. "Não é à toa que a idéia do Bonex vai e volta", disse ao Estado o economista Fernando Montero, um argentino que foi secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda, de 1999 até o início deste ano. Em algum momento, explicou ele, os depósitos que ficaram retidos nos bancos serão transformados em títulos de longo prazo (provavelmente 10 anos) com valor em dólar. "Há uma grande discussão sobre a cotação que será utilizada", disse o ex-secretário. Essa cotação, diz Montero, vai "dar um preço para a perda dos depositantes." A única chance de os argentinos não perderem nada é eles reterem seus Bonex até o vencimento e não haver calote da dívida até lá. Isso já aconteceu em 1989. Mas, naquela época, foram emitidos US$ 3 bilhões em Bonex, e a Argentina era boa pagadora de dívidas. Agora, a emissão será de cerca de US$ 25 bilhões e o Estado já está em moratória. A conversibilidade fez a sociedade daquele país acreditar que tinha US$ 50 bilhões depositados, quando na verdade a Argentina não tinha mais do que US$ 30 bilhões. Segundo Montero, outros países emergentes resolveram crises semelhantes simplesmente emitindo dinheiro. O problema da Argentina é que ela não pode emitir dólares. E os argentinos, que depositaram dólares nos bancos, não querem nada diferente. "Isso é a cabeça do argentino", comentou. "O poder de compra deles nem caiu tanto assim, mas eles não levam isso em conta." O dado mais impressionante, na opinião de Montero, é que o sistema financeiro está se transformando numa via de mão única. "O peso que sai do banco não volta mais", disse. Ele é transformado em dólar e guardado em casa, tal é a desconfiança dos argentinos com relação aos bancos. "Não dá para saber o que acontecerá com o sistema bancário, mas não há país no mundo sem um", disse. Circulam propostas de fazer com que os bancos sejam regidos pela legislação estrangeira, de modo que, ao fazer um depósito, seja como se o argentino estivesse guardando seu dinheiro no exterior. "Isso poderia até resolver o problema da credibilidade, mas ainda teríamos de lidar com o problema do crédito." Na sua avaliação, o que diferencia a presente crise econômica enfrentada pela Argentina de todas as outras que o país já enfrentou é o peso sistema bancário, que nunca foi tão grande. "O problema com os bancos magnifica os efeitos da crise, transformando-a em uma coisa monstruosa", afirmou. Ele acha que, exceto pelos bancos, o presidente Eduardo Duhalde sabe o que fazer com a economia. Nesse sentido, o acordo de 14 pontos obtido com os governadores provinciais e os parlamentares dá as bases estruturais para a reorganização da economia local. O grande desafio, na sua opinião, é superar o imenso descrédito em que caíram as instituições argentinas, para o governo não ter de lidar com "uma crise cambial a cada duas semanas." Os 14 pontos são um começo, mas a volta da credibilidade é um processo longo. A questão é saber até quando uma sociedade "castigada" como a argentina aguardará. Mesmo não querendo ser pessimista, o economista não deixou de notar que a inflação já começa a mostrar suas garras. A taxa de abril foi de 10%, acumulando 20% no quadrimestre. O processo inflacionário começará a corroer a renda o que, por sua vez, terá efeitos negativos no consumo e na atividade econômica.

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