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‘Brasil é competitivo e isso incomoda’

Narrativa que mancha a imagem do agro brasileiro esconde interesses comerciais

Por Bruno Meirelles
Atualização:
Roberto Jaguaribe épresidente da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex Brasil) Foto: Hélvio Romero/Estadão

Fortalecer o agronegócio brasileiro no exterior está entre as prioridades do embaixador Roberto Jaguaribe, presidente da Apex-Brasil. Apesar da pujança do setor, que contribui com 23,5% do PIB, a tarefa não é considerada tranquila, pois há obstáculos a serem superados. Um deles é desconstruir o que Jaguaribe chama de “narrativa negativa” em torno do segmento, que o vincula a altas taxas de desmatamento e uso excessivo de agrotóxicos. “Por que esse discurso se sustenta? Porque há um grupo demagógico e cínico disfarçado de ambientalista com interesses puramente comerciais. A competitividade do Brasil incomoda esses mercados”, afirma. A seguir, os principais trechos da entrevista.

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Quais são os principais desafios do agronegócio brasileiro?

Não é possível separar, hoje, sustentabilidade e produção agrícola, o que transforma o Brasil na grande potência agrícola e ambiental do mundo. Para traduzir isso em resultados, temos desafios externos, como a imagem da evolução do agro. Nossa extraordinária história não é contada, pois predomina lá fora uma narrativa negativa. Outro obstáculo é o acesso a mercados. No comércio exterior, boa parte dos países tem discurso liberal, mas o setor agrícola é controlado sob fachadas de protecionismo, controle de qualidade e questões ambientais. Há ainda desafios internos, e o mais evidente é a logística e a infraestrutura, particularmente para o Centro-Oeste. Por fim, o Brasil precisa de um sistema de controle de qualidade com mais eficácia. Isso não quer dizer que a nossa produção não seja de qualidade. Mas falta marketing eficiente.

Por que a imagem negativa ocorre no exterior, mesmo com o Brasil tendo avançado em sustentabilidade?

Os detratores dos interesses brasileiros têm primazia na narrativa. Isso precisa ser revertido. Esse esforço tem várias dimensões. A primeira é a criação de uma base de informações científicas a respeito da realidade da produção agrícola no Brasil. A segunda é a detecção de informações equivocadas no exterior que tenham impacto prejudicial relevante. Precisamos estar presentes nas discussões em que esses assuntos sejam tratados e fazer nossos próprios eventos e reuniões. Por fim, temos de criar mecanismos de acesso aos formadores de opinião. Temos, por exemplo, 60% de cobertura vegetal nativa, enquanto a Europa tem apenas 0,3%.

Como esse discurso contrário ao Brasil se sustenta?

Porque há um grupo demagógico e cínico disfarçado de ambientalista com interesses puramente comerciais. A competitividade do Brasil incomoda esses mercados.

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A questão do consumo de agrotóxicos é um ponto sensível.

Uma frase que vi várias vezes é que somos o campeão mundial de agrotóxicos, uma falácia. Diversos países, sobretudo Japão e nações europeias, utilizam muito mais agrotóxicos por hectare do que o Brasil. É importante uma correção dessas questões, incluindo internamente.

A possibilidade aventada pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro, de retirar o Brasil do Acordo de Paris pode resvalar nesse processo de construção de uma imagem positiva do agro?

O mercado consumidor já está com uma inclinação totalmente dirigida para a sustentabilidade, independentemente da nossa permanência ou não no acordo. O presidente tem legitimidade para tomar as políticas adequadas no seu momento. Mas, como candidato, ele apresentava um discurso que agora está matizando em função das informações que vai recebendo. Não sei se a saída teria impacto direto ou não. Mas, como a sustentabilidade é muito manipulada por interesses protecionistas, qualquer coisa que facilite essa manipulação nos torna mais vulneráveis.

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A FAO-ONU estima que em 2020 o Brasil será o maior produtor e exportador de alimentos do mundo. O sr. considera factível?

De longe, o maior produtor de alimentos é a China, pela demanda populacional. Não acho que deve ser uma meta chegar ao número um. A meta deve ser uma expansão sustentável, com qualidade, para atender a demandas efetivas de mercado. Quem tem mais condições de fazer isso? Não tenho dúvida de que é o Brasil em todos os requisitos. Em relação aos mercados fechados, vamos ter pouca capacidade de atuar. Elementos de protecionismo são percebidos como importantes para a manutenção de segmentos com relevância cultural, social e até política, difíceis de desmontar. Mas acho que isso passa a ser cada vez menos relevante, pois a demanda global vai subir de qualquer maneira por duas razões: expansão da população e pelo aumento da capacidade aquisitiva das camadas mais baixas.

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