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Brasil era exportador, passou a importador

Especialista afirma que novas refinarias foram projetadas para produzir mais diesel que gasolina

Por RENÉE PEREIRA , SABRINA VALLE , SERGIO TORRES , RIO , RENÉE PEREIRA , SABRINA VALLE , SERGIO TORRES e RIO
Atualização:

De fornecedor de gasolina e etanol para o mercado externo, o Brasil virou cliente. "Continuaremos nessa posição pelos próximos 3 ou 4 anos, quando as novas refinarias entram em operação", diz o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. O problema é que as novas unidades foram planejadas para produzir mais diesel do que gasolina. Na Refinaria Abreu Lima, que deve começar a funcionar em novembro de 2014, 65% da capacidade será direcionada à produção de óleo diesel. O Comperj - que não tem data para entrar em operação - foi desenhado para produzir diesel, querosene, nafta e coque. Para o gerente de abastecimento do Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustível (IBP), Ernani Filgueiras, é possível que, diante do cenário de escassez, o complexo petroquímico produza gasolina numa segunda fase. A ideia da Petrobrás, segundo especialistas, era usar as novas unidades para outros combustíveis e deixar as antigas refinarias para produção de gasolina. Mas a estatal foi pega no contrapé. "Não há planejamento no mundo que dê conta de um cenário que tinha 100 novas unidades de produção de etanol com alta produtividade e de repente para tudo", diz uma fonte do governo. O fato, avaliam especialistas, é que a estatal apostou que o biocombustível atenderia a demanda. "Além disso, refino sempre foi visto como investimento de baixa retorno pelos analistas", diz o diretor da consultoria Gas Energy, Carlos Alberto Lopes. Mas ele discorda do mercado: "Quem tem matéria-prima tem de fazer o refino. A Exxon, por exemplo, é toda integrada." O executivo lembra que desde a década de 80 a Petrobrás não constrói uma nova refinaria no País.Para reduzir a dependência de gasolina importada, o governo já ensaiou elevar a mistura de etanol na gasolina, de 20% para 25%. Apesar de exigir aumento na importação do biocombustível, haveria alívio nas contas da Petrobrás, que compra gasolina mais cara no exterior e vende mais barato no Brasil. O rombo no caixa da estatal tem sido preocupante. O fim da crise dos combustíveis no Brasil terá de passar por uma reavaliação do papel do etanol na matriz energética brasileira. Na avaliação de especialistas, o País não conseguirá atrair todos os investimentos necessários se não houver clareza em relação ao futuro do biocombustível. "O primeiro passo é deixar a gasolina oscilar conforme o mercado internacional", afirma o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires.Mas a pauta do governo não vai nessa direção. Em Brasília, uma série de medidas estão sendo elaboradas para estimular a expansão do setor, como a desoneração tributária dos investimentos. Mas representantes do governo deixam claro que o problema é estrutural e a solução depende mais do produtor."Existe um problema estrutural de custo de produção. Os usineiros têm de encontrar uma saída para restabelecer a produtividade e diminuir os custos no processo de produção", destacou a fonte. Segundo ele, o desenvolvimento do etanol de segunda geração (feito a partir do bagaço da cana, por exemplo) e a cana transgênica devem promover uma virada no setor, como a que ocorreu com o lançamento do carro flex. Para os especialistas, no entanto, é preciso muito mais. "Hoje plantar cana não é um bom negócio. O setor precisa ser repensado", diz Edmar de Almeida, professor da UFRJ. / R.P. A Petrobrás precisa baixar a importação de gasolina com urgência não só para cortar custos. A logística de recebimento das cargas cada vez maiores do combustível tem limite. Se chegarem 100 mil barris por dia, a empresa não terá mais como fazer com agilidade a retirada da gasolina das embarcações para os portos e terminais, nem armazenamento e distribuição. Faltarão tanques, meios de transporte, espaço portuário e até pessoal. O aumento da demanda já provoca restrição de oferta. A BR Distribuidora (subsidiária da petroleira) está com dificuldades desde a semana passada para abastecer os postos no interior do País. Não falta combustível, mas sim caminhões e trens para levá-lo aos clientes que consomem cada vez mais. Dezenas de postos no Mato Grosso do Sul e Mato Grosso enfrentam problemas de escassez de diesel e gasolina. Em nota, a BR afirmou que o problema na região ocorreu por "complicações logísticas", geradas com o aumento da demanda. A empresa garantiu também que está aumentando o volume de produtos para a região por via rodoviária e que espera regularizar a situação nos próximos dias. Segundo a BR, o problema é pontual e não há desabastecimento. Mas começam a aparecer as dificuldades de se acompanhar um crescimento da demanda de gasolina que neste ano chegou a registrar altas mensais acima de 35% em relação a 2011. Dilema. O limite da Petrobrás ficou perto de ser atingido em dezembro, quando a estatal importou 90 mil barris diários, por causa do aumento do consumo interno e pela insuficiência da produção nacional de gasolina. Mesmo perdendo dinheiro, já que o preço da gasolina no Brasil não acompanha os aumentos internacionais, a Petrobrás não pode interromper a importação, sob risco de causar o desabastecimento do mercado brasileiro. Procurada pelo Estado, a petroleira informou que "as instalações existentes atendem às demandas atuais e os planos da companhia contemplam as necessidades futuras".Baixar as quantidades importadas passou a ser um objetivo importante da empresa. De janeiro a abril deste ano, de acordo com a Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), foram importados 70,9 mil barris diários de gasolina. A média baixou para 63,7 mil barris por dia entre janeiro e maio. O problema é que no fim do ano a demanda tende a aumentar. Meses de férias escolares tradicionalmente apresentam demanda elevada, com o aumento de viagens interestaduais. Períodos de escoamento de safra também podem levar a picos de consumo de diesel.Até lá, a companhia espera ter reduzido a importação para suportar o período do pique de consumo. O gargalo logístico fez a presidente da Petrobrás, Graça Foster, endurecer os entendimentos com distribuidoras como Shell e Repsol, exigindo mais investimentos e participação no escoamento dos produtos. Até agora, não havia rigor na cobrança dos deveres das distribuidoras com tancagem, por exemplo, mesmo que em contrato. As empresas deixavam de construir os tanques e a Petrobrás compensava a limitação com aumento da frequência da viagem de seus navios. Desde que assumiu, Graça vem revendo a logística: determinou que as distribuidoras cumpram as exigências contratuais e a cobrança sobre os contratos que estão sendo renovados tem ficado mais rígida. "Isso reflete o aumento da demanda interna e da necessidade de entrega", disse o presidente do sindicato das distribuidoras, Alisio Vaz.

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