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'Brasil está 20 ou 30 anos atrasado na agenda de reformas', afirma Gustavo Franco

Para ex-presidente do BC, há risco de o País reproduzir neste século o que a Argentina fez no século 20, quando regrediu a patamares do século 19

Por Vinicius Neder
Atualização:

RIO - O Brasil está há pelo menos duas ou três décadas atrasado na agenda de reformas econômicas, e isso por culpa “exclusivamente nossa”, independentemente dos diferentes cenários da economia global, na avaliação do ex-presidente do Banco Central (BC) e sócio da Rio Bravo Investimentos, Gustavo Franco.

Para ele, embora a aprovação dos ajustes nas regras da Previdência seja importante e a agenda de modernização proposta pela equipe econômica do ministro Paulo Guedes esteja na “direção correta”, a “intensidade” não é boa, principalmente por falta de apoio do presidente Jair Bolsonaro. A consequência de seguir atrasado na agenda de reformas é que o Brasil continuará para trás na trilha do crescimento econômico.

Para o ex-presidente do BC, a agenda econômica"não é para o presidente tão prioritária quanto outras coisas que parecem mais próximas dele" Foto: JF Diorio/Estadão

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Para Franco, nesse ritmo, o Brasil poderia, no século XXI, repetir o que a Argentina fez no século XX, quando o baixo crescimento econômico fez o nível da renda per capita do país vizinho regredir para os patamares do século XIX. O ex-presidente do BC participará do painel “Economia e poder”, no Estadão Summit, nesta quarta-feira, 30 (as inscrições podem ser feitas no site Estadão Summit - The Big Ideas). A seguir, os principais trechos da entrevista:

As turbulências na economia global, com destaque para a disputa comercial entre China e EUA, dificultam o avanço das reformas no Brasil?

Talvez seja até mais fácil. Com todas as incertezas no quadro internacional, ele continua sendo benigno. Não dá para dizer que tenha alguma tempestade no caminho. Tem noticiário, mas não quer dizer que tenha crise ou tempestade. O problema que temos são 20 ou 30 anos de atraso em avançar com a agenda de reformas. Isso é culpa nossa, não é culpa de ninguém. A nossa própria incompetência em fazer reformas modernizadoras nos mantém numa situação de certa mediocridade econômica, nos faz ficar num nível de renda per capita estagnado em relação ao Primeiro Mundo.

Como o sr. está vendo a atual agenda de reformas do governo?

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A direção é correta, mas a intensidade não é. O presidente da República não foi eleito com essa bandeira das reformas. Ele foi eleito com outras bandeiras. Ele assumiu as bandeiras das reformas pró-mercado, liberais, trazendo para dentro o (ministro da Economia) Paulo Guedes, num segundo momento. Não foi por causa disso que ele ganhou. Por isso, essa agenda não é para o presidente tão prioritária quanto outras coisas que parecem mais próximas dele.

O que dava para fazer diferente na agenda de reformas?

Claro que podia ser muito diferente, mas aí entramos num terreno contrafactual, onde qualquer coisa vale. Deixa eu fazer uma comparação mais com os pés no chão. O ex-presidente Fernando Henrique, por exemplo, quando foi eleito, tinha um compromisso muito claro com as reformas que iam consolidar a estabilização econômica. Ele foi ministro da Fazenda (no governo Itamar Franco), conduziu a concepção do Plano Real em seus primeiros tempos. Então ele, presidente da República, tinha um compromisso quase que orgânico com essa pauta de estabilidade macroeconômica e de modernização econômica do País. Não é o que vemos agora. O presidente da República não foi eleito a partir de uma pauta econômica, não foi ministro da Fazenda, nunca se interessou por temas econômicos. Incorporou o Paulo Guedes na oferta eleitoral que trouxe para as eleições, mas os temas econômicos nunca foram pauta prioritária de Jair Bolsonaro.

Nos 10 meses de governo, o governo não foi protagonista da articulação política para a aprovação das reformas. Qual o risco disso?

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Diferentes presidentes têm diferentes estilos de relacionamento com o Legislativo. Este presidente em particular optou por ter um relacionamento mais distante, ele não tem uma base parlamentar e tem um relacionamento diferente com os líderes do Congresso. Não sou do ramo para opinar se esse é o melhor sistema. A questão é em que medida é prioridade para este presidente a reforma econômica que está na cabeça do ministro Paulo Guedes e que muita gente no Brasil gostaria de ver acontecer. O ambiente é muito mais hospitaleiro, as pessoas querem reforma. Passamos a reforma da Previdência sem que o presidente da República tivesse de se empenhar pessoalmente nisso. É extraordinário. Os outros governos todos tiveram enormes dificuldades com esse tema em particular. Passou neste governo que parecia nem tão empenhado e interessado, com exceção das pessoas da área econômica.

A consequência pode ser uma agenda de reformas menor do que poderia ser?

Sim, mas a agenda é o que reflete a correlação de forças entre o presidente e o Legislativo, e reflete o resultado da eleição. Essa agenda já é em si algo que vai provocar resistências. Se quem propõe a agenda já propõe de maneira não muito ambiciosa, é claro que a gente vai ter menos reforma do que poderia ou talvez do que o País estivesse disposto a aceitar. Isso talvez explique a lentidão da reação da economia à pauta de reformas. Embora tenha sido importante a aprovação da (reforma da) Previdência, a sensação de que falta muito ainda parece mais forte. Não se vê uma atmosfera de mudanças, de reformas, de modernização.

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A reforma da Previdência poderia ter sido mais ambiciosa?

Claro que foi o que era possível, foi muito brigado, mas era a reforma que deveríamos ter feito na segunda metade dos anos 1990. Se tivéssemos feito esta lá atrás, agora, estaríamos discutindo a capitalização e outros temas mais interessantes e de fronteira, com implicações sobre a taxa de poupança e crescimento de longo prazo. Nem chegamos perto desses temas porque tivemos de resolver as urgências do sistema, que eram para ter sido resolvidas muito tempo atrás.

Como o sr. avalia o cenário de baixo crescimento após a recessão? É hora de insistir apenas na agenda de reformas ou é possível lançar medidas de estímulo?

Não acho que exista nenhum atalho. Estamos diante de desafios estruturais difíceis, que envolvem reformas complexas, grandes, e a gente tem atacado essa agenda com certa timidez. Portanto, do lado de cá da cerca, no setor privado, as pessoas que têm recursos e vontade de tomar risco e investir querem ver também o governo tomando riscos e investindo numa agenda de reformas e modernização. Se o governo vai hesitante nessa direção, as pessoas não ficam muito confiantes de correr riscos. Acho que fizemos tantas bobagens nos últimos anos nessa rubrica de estímulos de curto prazo que é melhor não tentar nada nessa direção. Nada deu certo. Atalhos e truques costumam dar errado.

Alguns economistas defendem que o BC poderia ser mais rápido na redução dos juros. Qual sua visão sobre isso?

Sempre metade vai achar que está lento e metade vai achar que está rápido. E o fato é que está bem. É a menor taxa de juros que o Brasil teve na sua história, a inflação está num patamar muito bom, muito próprio, muito pequeninho, então, deixa o BC trabalhar.

Não preocupa a inflação estar abaixo da meta e o crescimento econômico muito baixo?

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Não me preocupo.

O Brasil pós-recessão caminha para o terceiro ano de crescimento muito baixo. Quais as consequências disso para a economia?

Diria que não são três anos de crescimento baixo. São 30 anos. A grande e desconfortável constatação é que não está funcionando. E, portanto, era preciso mudarmos o paradigma de política econômica, de política fiscal, e não conseguimos fazer isso durante todos esses anos.

Nem no Plano Real deu para mudar o paradigma?

Tivemos alguma oscilação para o bem, depois para o mal. O fato é que o Brasil hoje tem, como porcentual da renda per capita americana, o mesmo número do começo dos anos 1990. Estamos indo para a quarta década perdida. E estamos ainda com medo de fazer reformas. Não consigo entender.

Atrasar ainda mais a agenda de reformas amplia o ciclo vicioso?

Estamos fazendo agora reformas que deveríamos ter feito 20 ou 30 anos atrás. Já deveríamos estar na terceira ou quarta gerações de reformas nesses mesmos temas: Previdência, tributária, trabalhista. Nem conseguimos começar direito a trabalhista e a abertura (comercial). O Brasil continua hoje uma economia tão fechada quanto era nos anos 1980. E ainda há vozes falando sobre o gradualismo da abertura. É inacreditável. O Brasil é o país da procrastinação. Estamos estagnados há quase quatro décadas. Desse jeito, vamos reproduzir, no século XXI, o que foi o século XX da Argentina, que recuou para o século XIX. É triste, mas a nossa timidez em atacar as reformas econômicas tem um prejuízo de longo prazo horrível.

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