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‘Brasil está no rumo de uma colisão fiscal’, diz secretário-geral da OCDE

Para Gurría, queda das receitas e rigidez dos gastos deixam o governo brasileiro numa situação muito difícil

Por Luiz Guilherme Gerbelli
Atualização:
Angel Gurría, secretário-geral da OCDE Foto: EFE/Fernando Bizerra Jr.

O secretário-geral da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), Angel Gurría, acredita que o Brasil tem condições de promover o ajuste fiscal, mas ele pede pressa “diante da urgência da questão”. Atualmente, diz ele, o grande desafio da economia brasileira é promover uma reforma na Previdência. “Aritmeticamente o Brasil está num rumo de colisão fiscal”, afirma Gurría. A seguir os principais trechos da entrevista concedida Estado.

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Os analistas e OCDE esperam dois anos de recessão e uma recuperação lenta a partir de 2017. Quais serão as consequências desse período para o Brasil?

Com a recessão, haverá um crescimento do desemprego. Isso é inevitável. Uma outra questão tem a ver com a relação entre a dívida e Produto Interno Bruto (PIB). Ela está numa tendência muito preocupante. Mas existem alternativas para manter e até mesmo reduzir essa relação.

A OCDE propõe um superávit de 3% a partir de 2018.

Sim. Mas um outro ponto é o que o País faz com a Previdência. Os gastos podem chegar a 14% do PIB em 2039. Estamos a apenas uma geração de distância. Mas existem alternativas que podem reduzir esse gasto para 8% no futuro. Um dos problemas é que os salários mínimos tiveram ganho real de 80% nos últimos dez anos. O País tem uma questão de divergência aritmética. É preciso buscar uma convergência para manter o poder aquisitivo dos beneficiários da Previdência, mas tornar o sistema viável.

Mas o governo foi reeleito na premissa de não mexer nos atuais benefícios da Previdência e é apoiado por centrais sindicais que também são contrárias a essas medidas. Como se lida com esse fato?

Os governos têm de fazer o que precisa ser feito. Quando um governo está em campanha, ele não pode dizer o que vai ocorrer nos próximos anos na economia internacional. Se as circunstâncias se alteram, é preciso mudar a estratégia. Quando existe uma queda da receita e uma rigidez das despesas, o governo fica numa situação muito difícil. Como o País não deseja aumentar o déficit, o governo tem de reagir. Os custos nem sempre são possíveis politicamente, mas economicamente essa reação torna-se necessária.

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O que o sr. acha do retorno da CPMF? O governo diz que sem ela não consegue fechar as contas?

A CPMF é um instrumento, mas existem outros. O que é necessário é ter uma consciência clara: aritmeticamente, o Brasil está num rumo de colisão fiscal. Antes, o País tinha crescimento, superávit primário e juros mais baixos. Tudo isso representou uma estabilidade da relação dívida/PIB. Agora, essas questões não estão mais aí. É preciso trabalhar em cada um dos elementos: reduzir o déficit para diminuir o crescimento da dívida e reativar a economia com base na produtividade e no investimento.

A política de ajuste, onde implementada, acabou sendo impopular...

Mas a popularidade não é um bom termômetro para saber se as políticas de ajustes são necessárias ou não. O pior cenário para a popularidade resulta em não adotar medidas e depois enfrentar uma opinião pública que acuse o governo de não ter atuado. Não se pode medir a popularidade como um elemento de tomada de decisão, assim como não se pode tomar o nível da Bolsa de Valores, ou o nível do câmbio. É preciso uma visão de médio e longo prazo, e manter o caminho. Naturalmente, o ajuste fiscal tem um elemento recessivo, mas produz a impressão de que o governo sabe onde quer ir e produz confiança.

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Apesar do ajuste, o resultado fiscal deste ano será ruim. O sr. acha que o governo demonstra onde pretende chegar?

Sim. A nossa experiência institucional mostra que o ajuste funciona melhor quando a parte mais difícil é colocada primeiro. Isso funciona porque manda um sinal muito forte. Além disso, ao longo do processo, várias coisas ocorrem, como novas eleições, e tornam mais difícil continuar com as decisões de ajustes. É preciso colocar as decisões mais duras primeiro, o que vai produzir confiança, e a confiança vai produzir mais investimento.

Se as reformas não forem realizadas, sobretudo a da Previdência, qual é o risco da economia?

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A resposta é muito simples. Como já disse, é uma questão de aritmética. Não é uma questão ideológica nem uma opinião da OCDE. Fazer esse tipo de mudança não é como mandar um foguete para a Lua ou para Marte. Não é tão difícil. Politicamente é difícil, mas é preciso ter uma transparência e uma clareza na intenção e na comunicação.

O sr. acha que o País vai alcançar esses objetivos?

Nós acreditamos que o Brasil vai chegar lá, mas também devo dizer que, diante da urgência da questão, aconselho que o País chegue rápido.

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