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Brasil pode resistir bem à crise

Por Alberto Tamer
Atualização:

Após uma quinta-feira angustiante, as Bolsas nos Estados Unidos passaram horas de menos tensão, mas no fim da tarde sofreram forte queda com os índices S&P fechando com um recuo de 1,6% e o Nasdaq, 1,43%. A interpretação dos analistas era de que o anúncio feito pelo governo americano, antes da abertura do mercado, de um crescimento de 3,4% entre abril e junho havia ajudado. Ajudou, mas não muito. Mesmo outros indicadores positivos mostrando reação da economia americana, como inflação contida, demanda interna e exportações crescendo, não foi possível conter os efeitos da crise imobiliária. Ninguém acreditava que o aperto do crédito estava passando. O desafogo foi de curta duração. ATÉ BUSH ENTROU O governo americano armou uma verdadeira frente de defesa da qual até Bush participou. Ele convocou uma entrevista na qual reafirmou que a economia americana estava crescendo. Aproveitou, é lógico, para tentar reerguer seu índice de aceitação, enterrado pela guerra do Iraque. Isso não deve ter ajudado muito, pois continuam morrendo soldados americanos por lá e o povo quer a retirada das tropas. Bush afirmou que o desemprego está caindo, os salários aumentando, as exportações se expandindo e o povo trabalhando. "Eu quero que vocês atentem bem para esta nossa economia que está crescendo", afirmou ele. E, para coroar sua entrevista, declarou: "Eu prometo ao povo americano manter os impostos baixos para que a economia se mantenha forte". Tudo isso ajudou, a bolsa não despencou, mas o clima na tarde de ontem ainda era de cautela e forte tensão. BRASIL VAI SENTIR MENOS O Brasil vai sentir menos o efeito da crise dos mercados acionário e imobiliário americanos que estamos agora vendo. Alfredo Coutino, economista-sênior para a América Latina da Moody?s Economic.com, afirma à coluna, da Filadélfia, que o Brasil, como toda a América Latina, irá sentir, mas a redução do crescimento do Produto Interno Bruto não deve ser significativa. "O Brasil é um exportador nato de matérias-primas, os efeitos de um menor crescimento americano poderia afetar o desempenho econômico este ano." E O MERCADO FINANCEIRO? Sem dúvida, o País vai sentir a principal repercussão, afirma Alfredo Coutino. "O Brasil pode ser um dos mercados bursáteis mais afetados pela crise das hipotecas nos Estados Unidos, já que uma grande proporção de investimentos especulativos terão de abandonar o mercado brasileiro para buscar refúgio em ativos mais seguros como são os títulos do Tesouro americano." E AS PERDAS, IRÃO CONTINUAR? O economista-sênior da Moody?s não acredita. Lembra que já houve alguma recuperação com a performance econômica dos Estados Unidos no segundo trimestre. Coutino menciona também a redução da taxas de juros em 50 pontos base e o real valorizado. Tudo isso projeta um cenário menos desfavorável tanto para os mercados financeiro e bursátil quanto para o crescimento da economia. Esse crescimento poderá ser um pouco menor do que se previa, por causa de uma possível redução das exportações para os Estados Unidos, mas sem maior problema. Resumindo, vamos sentir o choque, mas estamos preparados para absorvê-lo. ACABOU? AINDA NÃO Essa era a expectativa do mercado americano no fim da tarde de sexta-feira. Tem mais. Muitos analistas não acreditavam em crise profunda, outros achavam que tudo pode acontecer. Vai depender essencialmente das notícias que surgirem no mercado imobiliário de créditos de risco. Há ainda muitas feridas. Afinal, as perdas nos valores das ações na quinta-feira foram súbitas e pesadas, US$ 300 bilhões no índice S&P. A coluna falou com analistas do mercado, nos Estados Unidos, pesquisou nos sites das agências, de jornais econômicos como o Wall Street Journal e o Financial Times, da Reuters, Bloomberg, CNN. Havia mais de 20 entrevistas sempre refletindo preocupação. Por causa do espaço, cito apenas algumas que refletem esse clima. "Quando há incerteza de financiamento, o mercado de ações não reage tão rapidamente para fazer acordos", lembra Eluta Spar, estrategista da Ryan Beck & Corpo, à Reuters. "A crise imobiliária, ainda por se intensificar, gerou menos facilidade de financiamento das empresas, repercutindo no mercado bursátil com uma enxurrada de vendas." "O perigo ainda está aí, no mercado de crédito. Segunda-feira e terça-feira serão dias muito importantes. Precisamos parar com essas notícias sobre os empréstimos pobres no mercado imobiliário e o de crédito", Stephen Sachs, diretor da Rydex Investment. "Foi uma sexta-feira de verão. Eu não vejo grande participação do mercado vindo aqui. Vamos ver o que se desenrola na segunda-feira", Stephen Carl, da William Capital. "Todo mercado de crédito está sendo atacado de todas as partes. E stamos apenas no começo", Bill Fleckenstein, da empresa financeira que leva seu nome. E aqui terminamos mais uma semana com acontecimentos que estavam previstos. Há ainda muito a temer.Vamos sair machucados, mas não com feridas mortais. Desta vez, ninguém nos pegou desprevenidos. Temos a despensa lotada para alguns meses. Agora é só esperar que esse imprudente povo americano não continue a comprar imóveis que não pode pagar com o dinheiro que não tem.

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