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Brasil pode se tornar um 'hub de inovação' com 5G, diz ministro das Comunicações

Fábio Faria diz que nova tecnologia vai produzir impacto positivo no PIB

Foto do author Andreza Matais
Foto do author Felipe Frazão
Por Andreza Matais e Felipe Frazão
Atualização:

BRASÍLIA - O ministro das Comunicações, Fábio Faria, diz que o leilão do 5G permitirá ao Brasil se preparar para se tornar um “hub de inovação” na América Latina. Em entrevista ao Estadão, o ministro afirma que a tecnologia vai impactar gradualmente o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) a partir do ano que vem. O primeiro setor impactado, segundo ele, será o agronegócio. “Temos que parar para pensar, a partir do próximo ano, para rever o nosso PIB. O agronegócio a gente estima que cresça pelo menos 10% com o 5G. Se crescer, a gente vai colocar 2,6% do PIB, só no agro, sem falar mineração, portos e aeroportos, educação, segurança”, diz ele.

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Faria afirma que o 5G não sofrerá atrasos de implantação nas capitais em 2022, embora reconheça que as operadoras escolherão bairros ricos primeiro. Faria alerta que a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) vai cassar as teles que não realizarem os investimentos de expansão da rede no cronograma estabelecido. Ele diz que o consumidor não terá aumento de tarifa nos pacotes de serviços de telefonia móvel e prevê mais crescimento de operadoras regionais.

O ministro avisa que o governo possui alternativas para pagar os R$ 400 de Auxílio Brasil, trunfo eleitoral do presidente Jair Bolsonaro para substituir o Bolsa Família. Entre elas, estão abrir crédito extraordinário ou editar um decreto de calamidade, caso a PEC dos precatórios não vá adiante. Ele admite riscos na reversão de votos da oposição na Câmara, mas afirma que os parlamentares é que ficarão sem recursos para emendas de relator-geral, RP-9, a base do orçamento secreto. 

Fábio Faria, ministro das Comunicações de Jair Bolsonaro Foto: Dida Sampaio/ Estadão

O leilão do 5G demorou bastante a ser realizado. Que prejuízos o Brasil pode ter com isso?

Muitos países já têm a tecnologia, mas o Brasil será o primeiro da América Latina. Isso nos dá uma dianteira importante. Fizemos em tempo recorde, em 15 meses colocamos o leilão em pé. Fizemos lei geral das antenas, projeto de lei de internet das coisas, convidamos os ministros do TCU para as viagens. Foi um misto de política com técnica que deu certo. Estamos atrasados pelo que estava no passado, ninguém acreditava que o leilão ia sair. Outros governos não priorizaram a internet. O Fust só era usado para fazer superávit primário. O Brasil herdou uma herança de quase 50 milhões de pessoas sem internet. O leilão 5G não arrecadatório vai fazer com que a gente garanta esses investimentos, porque 80% dos valores serão destinados às obrigações que a gente colocou. Isso é bem relevante porque o governo prefere arrecadar.

Temos hoje poucas empresas com abrangência nacional e agora surgiram outra.

Foi uma surpresa. Quando vimos os 15 proponentes, ficamos com a impressão de que pudesse surgir uma nova tele grande e realmente aconteceu com a Winity, do fundo Pátria Investimentos. Outra surpresa são as regionais, como a Brisanet, do Nordeste. O mercado vai ampliar.

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O 5G vai se refletir em custos maiores para os consumidores ou essa ampliação da disputa no mercado vai compensar?

Não houve aumento de tarifas em nenhum país por causa do 5G. Há uma economia, o consumo é menor, a antena é menor, a implementação é mais barata e as teles ganham muito dinheiro. O foco do 4G eram as pessoas, lugares populosos. Com o 5G eles ganham dinheiro conectando coisa com coisa. Eles vão para o agronegócio, para o setor de mineração, para os portos e aeroportos. Há um foco grande na indústria. Então o valor, para o cliente normal, para nós brasileiros, não vai ter aumento de tarifa, não.

O governo espera uma área de cobertura 5G maior?

Muito maior, por vários aspectos. O leilão do 4G obrigava a cobertura de 80%% das cidades, agora ampliamos para 95%. No 4G grandes antenas, em Estados montanhosos, como Rio de Janeiro e Espírito Santo, ficava muito complicado. Temos um Brasil cheio de sombras no 4G.No 5G terá fibra ótica passando. Vai ter fibra na frente das escolas, de hospitais. A cobertura será muito maior e para a Anatel, que vai ficar monitorando, será muito mais fácil. Cuidamos de que todas as estradas federais tenham cobertura, porque o 5G precisa conectar a cadeia produtiva, o escoamento da produção. Uma lavoura de frutas, a fazenda com máquinas ligadas umas às outras, mas quando o caminhão ia para a estrada a empresa perdia a conexão. E no 5G ela poderá monitorar tudo até a chegada no porto e na casa dos clientes.

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Historicamente as teles tiveram problemas em executar os investimentos de expansão das redes. Como garantir que os investimentos comprometidos no leilão serão de fato realizados?

Se o leilão fosse arrecadatório, entrariam, vamos supor, R$ 50 bilhões no caixa do governo e as obrigações viram desejo do governo. Hoje é o ministro Paulo Guedes na Economia, eu sou o das Comunicações. Ano que vem podem ser outros, pode ser outro governo. Quem garante que a Economia vai disponibilizar o dinheiro todos os anos. Na Itália tem um problema grave. Eles fizeram leilão arrecadatório, veio a covid-19, o governo destinou recursos que seriam para telecomunicações para outras fontes e está tudo parado. A garantia é o fato de o leilão ser não-arrecadatório, porque o dinheiro vai ficar para os investimentos, outros não foram.

Mas como garantir que os investimentos serão feitos?

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Se não forem feitos a Anatel cassa o direito da tele. Ela vai deixar dinheiro, imóveis ou bens em garantia. Se não fizer o investimento de acordo com o que está no cronograma de entregas, a Anatel cassa e faz outro leilão.

É factível que a Anatel casse uma tele com um mercado tão restrito como o nosso, com três empresas na prática, e possa até deixar pessoas sem cobertura?

São três grandes operadoras com 50% de participação no mercado, os outros 50% estão cobertas com 300 operadoras regionais e elas estão crescendo muito. Algar, Brisanet, Sercomtel… Essas pequenas operadoras vão virar grandes já já. Todas elas estão com bancos por trás. Como o leilão não é arrecadatório, é mais fácil para elas dar 20% à vista e deixar os 80% em desembolso ao longo do tempo. É mais difícil elas deixarem de cumprir e o valor do leilão aumenta muito. Falamos com fundos de investimentos, com bancos, com empresas, todos estavam querendo entrar no 5G.

Que tipo de modelo de negócios podemos ter para telemedicina, carros autônomos, agro e indústria 4.0? Quem vai oferecer esses serviços?

O aumento de velocidade já falamos em até 100 vezes. A grande diferença é a latência, o tempo de resposta. O 4G não permite telemedicina, veículos autônomos, drones autônomos, nada que precise de precisão no tempo de resposta. Com 5G vamos ver muito nas ruas carro sem motorista, ônibus escolar autônomo, conserto de um trator no meio da lavoura, com óculos de realidade aumentada. A economicidade é muito grande. Médicos à distância atendendo em centro cirúrgico. Isso vai ser uma grande novidade. O setor privado vai abraçar. 85% das escolas terão 5G standalone, porque daqui a 10 anos as profissões vão mudar. Nas faculdades americanas e europeias, quase todo mundo faz física, robótica. As crianças estudando o Egito com um óculos vão saber como é uma pirâmide, entra em museus. Um país analógico fica totalmente para trás. O Brasil tem tudo para ser um hub de inovação. Como será o primeiro e é o maior país da América Latina, a gente tem como ser referência no continente.

Então tem esse próximo passo que é preparar o País para ser esse hub.

Quem vai preparar são as escolas.

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E as empresas? Elas vão precisar de mão de obra qualificada.

Quando as tecnologias chegam elas causam temor, mas elas geram muito emprego e oportunidade. Essas empresas grandes geram muitos empregos. As maiores empresas do mundo surgiram dos anos 2000 para cá. A Samsung tem quatro plantas grandes na Coreia do Sul, empresas de chip, cada uma com 35 mil funcionários. Quando as oportunidades chegam as pessoas se capacitam, dentro de onde possam se encaixar. Mas é uma necessidade nossa sim fazer capacitação para o setor.

Que crescimento econômico podemos esperar com o 5G?

Temos que parar para pensar, a partir do próximo ano, para rever o nosso PIB. O agronegócio a gente estima que cresça pelo menos 10% com o 5G. Se crescer, a gente vai colocar 2,6% do PIB, só no agro, sem falar mineração, portos e aeroportos, educação, segurança…

Em quanto tempo?

Ah, vai crescendo de acordo com a instalação da tecnologia. Mas o agro vai ser o primeiro setor, porque é onde tem mais receita para as teles. Com o 4G, em 1 quilômetro quadrado, você consegue colocar 10 mil equipamentos, sensores. Com o 5G vai para 1 milhão. Se tem uma praga na lavoura hoje, você coloca fertilizante em 100% dela para combater 10%. Com o 5G, passa um drone, ele identifica onde tem a praga, e aciona uma máquina para soltar os químicos só onde precisa. É uma economicidade grande. E uma empresa do agronegócio poderá contratar uma rede privativa só para ela, um banco pode fazer isso também, sem necessidade de esperar a tele. Vão ter várias redes privativas. Os outros setores vão de acordo com o tempo, mas no agro será muito rápido.

O governo vai continuar usando 4G?

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Vai porque a gente não consegue colocar 5G no Brasil todo. As rodovias federais serão 4G, porque não tem internet das coisas nas rodoviais, é mais para acompanhamento. É mais para acompanhar o escoamento da produção e isso a gente consegue fazer com 4G. A gente vai levar 5G para 85% das escolas com standalone, e 15% com 4G ou 5G sem ser standalone. No pior lugar no Brasil teremos o tecnologia 4G chegando na ponta.

É previsto que a disponibilidade do serviço 5G comece no ano que vem nas 27 capitais, mas estudos do próprio setor mostram dificuldades estruturais na maioria delas. Não tem risco de atrasar?

Risco zero. Poderia-se falar nisso se fosse para cobrir uma capital toda. Alguns lugares têm problemas com as parabólicas, como no Rio, onde as favelas têm muita antena e demora para limpar a faixa e poder instalar o 5G. Mas há uma quantidade mínima de antenas para cada 100 mil habitantes, uma a cada 100 mil. Então, para cumprir, vai colocar na Zona Sul, na Barra da Tijuca, Leblon, Ipanema, Copacabana e já cumpriu o primeiro ano. O que vai acontecer são Estados em que as teles vão cumprir as obrigações (de instalação de antenas) dos oito anos já no primeiro ano, porque eles querem faturar. Mas para as obrigações mínimas, isso foi muito bem estudado, não tem problema nenhum. Brasília por exemplo não tem muita parabólica, então com certeza a tele vai cumprir as obrigações logo no primeiro ano, não vai esperar os oito anos. Quando se fala que a cidade não tem condições de receber o 5G, é (cobrir) 100% da cidade. É que está escrito é 100% executável. E a tele vai escolher os bairros melhores, os que têm menos parabólica, os mais fáceis para executar.

Então deve chegar para uma população mais rica primeiro, do quem em bairros pobres.

Não porque fizemos política pública. Exigimos as 27 capitais e depois as 9600 localidades no Brasil. Se não tivéssemos feito isso, só iria chegar o 5G para onde existe capitalismo. Iam colocar só em São Paulo, Rio e Brasília. Não teria em nenhum outro lugar. Eles podem atacar primeiro nas localidades mais populosas.

O senhor prevê alguma dificuldade de segurança pública? Há localidades dominadas por milícias, narcotraficantes que bloqueiam a entrada de funcionários das próprias teles para serviços de manutenção atualmente e de concessionários de serviços públicos.

As dificuldades são as mesmas. Se tem miliícia que não deixa entrar, é maior. Mas o 4G chegou, mesmo com todas as dificuldades. As favelas são muito populosas, é de interesse das teles. Acredito que ninguém vai tentar barrar a chegada da modernidade. 

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O 5G é um salto tecnológico comparável a que?

A chegada da internet foi um marco grande, mas era muito lento e pouca gente tinha acesso, computador enorme, caro... A chegada do celular foi muito marcante e a chegada do 5G vai ser quase igual a isso, vamos viver na economia digital. O aparelho celular virou seu melhor amigo. Esse é o maior leilão da história na América Latina, de telecom, e vai chegar perto do maior do Brasil, que foi o pré-sal. Tive apoio do governo, o presidente foi correto comigo, me deu a missão de levar internet para todo mundo. Eu falei: ‘se fizermos um leilão não-arrecadatório, poderemos cobrir o Brasil todo’. Tive apoio do ministro Paulo Guedes, que poderia pleitear um leilão arrecadatório, a gente não ia conseguir fazer as entregas.

Se fosse arrecadatório, resolveria o problema do financiamento do Auxílio Brasil.

Ainda bem que separamos isso lá atrás.

Separou, mas não solucionou. O governo dependeu de quatro votos da oposição para aprovar a PEC dos precatórios que abre espaço para financiar o auxílio.

A discussão hoje é a forma. A decisão de dar R$ 400 do auxílio está tomada. Se não for via PEC, vai ser via crédito extraordinário ou vai ser, como o próprio (ex-presidente Michel) Temer sugeriu, seria a calamidade. Tem 20 milhões de pessoas passando fome. A própria imprensa diz isso. Aí o Lula posta que se fosse ele faria em R$ 600. É uma discussão muito mais política, mas se não for via a PEC dos precatórios, vai ser via crédito extraordinário mesmo.

Então o senhor enxerga risco de esses quatro votos caírem?

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Risco tem, porque ainda tem a votação no segundo turno (no plenário da Câmara) e no Senado, e a margem foi muito apertada. Quem se prejudica mais é o parlamento se não for dessa forma (PEC dos precatórios), porque não vai ter recurso para emenda, para RP-9, mas o auxílio está garantido, o governo tem instrumento para o auxílio.

O governo não está indo para um caminho populista de olho no impacto eleitoral?

Não, porque se fosse desejo da política para eleger o presidente teríamos feito o auxílio de R$ 600. O presidente chamou o ministro Guedes e disse ‘olha, o mundo está vivendo inflação o muito grande, de alimentos, de gás, combustível, e o Brasil também’. O gás bateu recorde na Europa, está 100 euros. Falta alimento no mundo todo. Quem vivia do Bolsa Família lá atrás não está comprando as mesmas coisas. Então a gente tem que se adequar. Esse valor foi estudado. Ele disse que R$ 400 era um valor adequado e defensável, que realmente as pessoas precisam, mas se for mais do que isso vai parecer populismo. Ele fez no valor adequado para que o mercado entendesse. O mercado realmente deu uma barrigada, mas hoje ele já comprou, já está precificado o valor de R$ 400. A instabilidade vem exatamente por não ter ainda essa decisão. Se saísse hoje os R$ 400 e acabou, resolvido, fosse via crédito extraordinário, via calamidade ou via PEC, seria a mesma coisa para o mercado. O temor é mudar de última hora, dos R$ 400 para os R$ 600 como o PT quer. O mercado demonstra quando tem oscilações, quando surge mais um auxílio para diesel, para gás, eles ficam espantados. A forma é o que menos interessa. A decisão foi tomada e o governo tem instrumento.

E o presidente desistiu de criar auxílio de R$ 400 para os caminhoneiros?

Está sendo estudado. Pelo que ouvi nas conversas, seriam R$ 300 milhões por mês, para 700 mil caminhoneiros, e o valor seria retirado de recursos não executados dos ministérios. Não precisa de PEC, nem de crédito extraordinário, seria dentro do próprio orçamento.

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