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'Brasil tem potencial para ser líder mundial em finanças verdes'

Para presidente do UBS no Brasil, há uma forte demanda em todo o mundo por investimentos sustentáveis, e isso pode ser uma enorme oportunidade para o País

Por Marcelo de Moraes
Atualização:

A presidente do banco suíço UBS no Brasil, Sylvia Coutinho, avalia que o País tem todas as condições para assumir protagonismo mundial na questão das "finanças verdes". No momento em que aumentam as cobranças internacionais e dos próprios agentes econômicos por políticas ambientais sustentáveis, ela diz que o Brasil "tem os maiores ativos ambientais do planeta" e pode conseguir atrair investimentos externos se souber aproveitar essa oportunidade.

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"Existe hoje, globalmente, uma demanda tremenda de toda essa agenda de ESG (meio ambiente, social e governança, na sigla em inglês), de investimento sustentável. Masjá vínhamos sentindo isso há muito tempo. E é o capital que está buscando esses ativos ambientais. Então, para a gente é uma oportunidade imensa. Para os setores de agronegócio, de infraestrutura, para todas as áreas. A impressão é que o governo acordou para isso", diz.

Sylvia é otimista com as possibilidades da retomada do crescimento econômico do País, especialmente com a possibilidade de prosseguimento nas reformas, depois da aprovação da previdenciária no ano passado. Mas admite que o efeito coronavírus deve reduzir o ritmo dessa retomada. Ela diz que o UBS já reviu sua previsão para o crescimento do PIB em 2020. "Estimávamos que o PIB deste ano seria na ordem de 2,5%. E agora estamos revendo para algo em torno de 2,1%." A seguir, os principais trechos da entrevista:

Qual é a sua avaliação do cenário econômico do Brasil neste momento?

Na minha opinião, e também na daqui do banco, o Brasil está vivendo um ciclo meio clássico de recuperação econômica. 2020, a princípio, seria o quarto ano de um período de dez anos de crescimento. Porque a gente tem uma visão que prevê dez anos de crescimento sustentado. E esperamos que 2020 seja o primeiro ano, desses primeiros quatro anos dessa retomada, em que a gente veja um crescimento um pouco mais robusto. Apesar, claro, dos impactos causados pelo coronavírus, que, na nossa opinião, deve derrubar um pouco o crescimento. A gente estimava que o PIB deste ano seria na ordem de 2,5%. E estamos revendo para algo em torno de 2,1%. 

Sylvia Brasil Coutinho, presidente do banco UBS no Brasil. Foto: UBS

Qual é a importância das reformas nesse quadro de recuperação?

Uma coisa que eu acho positiva quando a gente olha o Brasil é que me parece que é um dos poucos mercados que estão encarando de frente as reformas necessárias. Obviamente, a reforma da Previdência foi um marco importante. Então, você olha aí e tem uma série de mercados, incluindo desenvolvidos, que estão tendo de passar pelas mesmas difíceis reformas e que não estão conseguindo. O Brasil está aí, não só fazendo a sua lição de casa, como há a sinalização de que vai continuar fazendo. A nossa visão de um ciclo positivo de dez anos para frente também pressupõe, claro, que essas reformas, que são necessárias, sigam acontecendo. E também a nível microeconômico. O Brasil, como a gente sabe, continua naquele famoso ranking do Doing Business (os melhores países para se fazer negócios) com um score bastante ruim. E a gente espera que isso, ao longo desse período, contribua para melhorar significativamente a posição do País no ranking. E também tornar o Brasil, que é um mercado naturalmente atrativo pelo seu tamanho, pela sua potencialidade, cada vez mais competitivo como um mercado para atrair capitais externos para investimentos de longo prazo. 

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O governo está tentando reduzir cada vez mais a participação do Estado e atrair o setor privado para os investimentos. Como a sra. vê isso?

O fechamento do PIB do ano passado, que será anunciado em março, está estimado em torno de 1%, 1,1%. Quando a gente olha o número resultante, não é tão robusto como esperaríamos. Mas, quando você desconstrói esse 1%, você teve o Estado recuando algo em torno de 0,6% e o setor privado crescendo 2%, o que resultou neste 1,1% que veremos em março. A resultante pode ter sido menor do que desejava o mercado, especialmente depois da depressão na economia que a gente teve. Mas, qualitativamente, é bastante saudável. E mais sustentável do que crescimentos anteriores, que foram muitas vezes artificialmente inflados por ações governamentais e consumo de curto prazo. Então, isso é bastante positivo.

O que mais lhe tem chamado a atenção?

Outras ações que me animam bastante é o que está acontecendo no setor de infraestrutura, no agronegócio, que, além de serem pilotados por pessoas que realmente entendem do negócio, estão se reformulando para se tornarem cada vez mais competitivos globalmente. O Banco Central também está com uma forte agenda para aumentar a competição. Eu diria que tudo isso está convergindo para um maior crescimento estrutural da economia brasileira. Eu participo de muitas rodas de CEOs. A gente se reúne para falar um pouquinho de Brasil e de diversos setores. E o que eu sinto é um entusiasmo em relação ao futuro. Claro que tem muita dificuldade ainda. O Custo Brasil, por exemplo, ainda continua alto, se a gente compara com outros mercados.

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E a epidemia do coronavírus também deve atrapalhar o crescimento do País...

O cenário externo até abriu o ano de maneira bastante benigna. Tirando o coronavírus e a situação no Oriente Médio, eu diria que o arrefecimento da guerra comercial entre China e Estados Unidos deu uma acalmada nos mercados, e a gente percebeu, paulatinamente, uma retomada no apetite pelos mercados emergentes. Especialmente quando se pensa que você tem lá fora os mercados desenvolvidos com taxas de juros baixíssimas e muitas vezes até negativas. Invariavelmente, quando você tem um cenário de risk on, em que os mercados lá fora estão mais calmos, você tem, naturalmente, um fluxo de capitais que deveriam vir para os mercados emergentes onde está o crescimento, onde há perspectiva de crescimento de médio e longo prazos, até por questão da demografia. Mas o coronavírus teve um impacto global e, como falei, já refletiu na previsão do crescimento do PIB.

Os juros baixos facilitam para o Brasil?

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Quando a gente pensa num dia a dia mais doméstico, em curto, médio e longo prazos, a taxa média dos juros no Brasil nos últimos 20 anos foi de 13,1%. A gente espera que ela seja por volta de 5,5% nos próximos 10 anos. Isso tem várias implicações. Nunca vimos no mercado, por um período mais longo, juros baixos, inflação baixa. E a economia brasileira, tradicionalmente, é pouco alavancada. Seguimos a tradição de juros altíssimos ao longo de tantos anos. Vamos pegar como exemplo o mercado do crédito imobiliário no Brasil. Temos aí um mercado que tem um potencial de alavancagem enorme, que ainda está na sua infância, até a nível dos instrumentos para fazer isso. Acho que ainda não vimos os efeitos de uma taxa de juros baixa por um período prolongado na economia brasileira. Isso também é um ponto bastante interessante.

A senhora cita a importância das reformas, mas existe hoje dificuldade política nessas negociações entre governo e Congresso...

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Esses cenários que falei pressupõem que as reformas seguirão caminhando. A gente estima que vai haver, de alguma maneira, esse diálogo de maneira construtiva e que vão conseguir aprovar algumas dessas reformas importantes. Fora as propostas microeconômicas, como a gente falou, que seguem caminhando também. O Banco Central está com muitas coisas que podem ser encaminhadas pelo Executivo. Apesar de algumas dificuldades de vez em quando, estimamos que o Brasil siga de maneira construtiva, aprovando as reformas. Temosum Congresso bastante reformista e uma pressão para que as coisas sigam caminhando para que o crescimento não arrefeça.

O ritmo das privatizações tem sido menor do que se esperava?

Essa não é uma agenda fácil. Acho que todos os agentes envolvidos estão caminhando no sentido de avançar de uma maneira bastante construtiva nessa agenda. Mas isso era esperado. Acho difícil julgar se poderia estar indo num ritmo muito mais rápido em função do contexto no qual elas se encontram.

No Fórum Econômico Mundial, em Davos, o Brasil foi cobrado para ter melhores práticas ambientais. E ficou claro que uma política ambiental ruim poderá afastar investidores internacionais. Qual é a sua avaliação sobre essa questão?

O Brasil, para mim, tem potencial para se tornar o líder mundial em finanças verdes. Temos os maiores ativos ambientais do planeta. Toda a nossa agenda de infraestrutura é verde. Esse é o tipo de capital que temos condição de atrair. Então, essa agenda é muito importante. Lembra que falei que precisamos atrair capitais para o Brasil? Existe hoje, globalmente, uma demanda tremenda de toda essa agenda de ESG, de investimento sustentável. Mas já vínhamos sentindo isso há muito tempo. E é o capital que está buscando esses ativos ambientais. Então, é uma oportunidade imensa. Para os setores de agronegócio, de infraestrutura, para todas as áreas. A impressão é que o governo acordou para isso. Acho que tem todo um discurso para melhorar a nossa imagem lá fora. Para o nosso agronegócio é fundamental esse selo verde. Crescemos com produtividade e tem um estoque de cobertura nativa que é um dos mais elevados do planeta. Temos de aprender a monetizar os nossos ativos ambientais. Essa é uma enorme oportunidade para o Brasil.

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Caiu a ficha do governo brasileiro em relação a isso?

Acho que sim. Acho que caiu a ficha. Mas não caiu só a ficha no Brasil. Caiu no Mundo. Para mim, 2019 vai ser visto como o ano da virada da questão climática, o ano em que teve uma virada geral. Porque essa preocupação virou um mainstream. E eu digo que o dinheiro fala. Hoje você tem os presidentes das empresas pressionados por isso, você tem os fundos de pensão pressionados pelos seus investidores. Você tem uma pressão muito grande do investidor, do pensionista. A primeira coisa que você, como fiduciário, tem de fazer é investir num ativo que tem sustentabilidade. É uma questão de risco. O ativo de infraestrutura tem de ser climaticamente resiliente. Tem toda uma questão até de mitigação de risco no longo prazo. Então, acho que a ficha caiu no mundo e nós aqui somos quem tem o maior potencial de tirar benefício disso.

A cotação do dólar, no nível em que está, se tornou um problema?

O dólar está alto em função de um monte de fatores. Mas acho que começou no último trimestre, com o juro baixo, no nível em que estamos vivendo. Como eu falei, esse juro tão baixo nós nunca vivemos, com perspectiva de permanência estrutural. Então, o que tivemos? No final do ano passado, teve uma série de empresas, e a Petrobrás foi uma delas, trocando dívida em dólar por dívida em real. Esse foi o primeiro movimento que aconteceu. E claro que isso também se desdobra nesse primeiro bimestre agora com muitas empresas até repatriando dividendos. Mas há uma série de outros fatores. Agora, há a história do coronavírus e as taxas de expectativa de crescimento do PIB que baixaram... Não tenha dúvida de que aquela expectativa que tínhamos no começo do ano de um crescimento mais robusto era um dos fatores que estavam impulsionando o real. Com o evento do coronavírus e com a baixa dessa expectativa, obviamente há umimpacto. Outro fator foi a balança comercial, em função das discussões envolvendo China e Argentina. A gente tem um começo de ano com um coronavírus, que fez com que o mundo entrasse num modo de risk off. E aí você tem, naturalmente, a valorização do dólar em relação a todas as moedas, incluindo o real. E quando se compara o Brasil com outros mercados, que costumam competir com a gente em comércio, como Índia, Rússia, África do Sul, Turquia e México, estamos com os juros mais baixos. Isso também acaba afetando. O Brasil foi o país que teve a maior desvalorização depois da história do coronavírus. Então, eu diria que tem vários fatores que estão corroborando e são fatores que estão se juntando. Achamos que a cotação deve terminar o ano por volta de R$ 4, R$ 4,10".

O Congresso está prestes a votar o projeto de autonomia do BC. Qual a sua avaliação sobre isso?

É muito positivo. Acabamos de falar do dólar. Acho que o projeto vai ser um fator positivo para o real. Acho que vai ser positivo para a nossa economia. É mais um movimento para a direção certa.

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