Brumadinho aumenta pressão de investidor estrangeiro por mais transparência e segurança na mineração

Movimento formado por 110 investidores com mais de US$ 14 trilhões sob gestão questionou 727 mineradoras e deu origem a banco de dados global com informações de 1.939 barragens

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Por Fernanda Guimarães
5 min de leitura

RIO e SÃO PAULO - O colapso da barragem da Vale que vitimou 270 pessoas em Brumadinho (MG), um ano atrás, foi o gatilho para investidores estrangeiros pressionarem as mineradoras por maior transparência e segurança. Capitaneado pelo fundo de pensão The Church of England, um grupo de 110 investidores com mais de US$ 14 trilhões sob gestão questionou 727 mineradoras sobre suas barragens. Nesta sexta-feira, 24, véspera do aniversário da tragédia, se concretiza o primeiro resultado do movimento: um banco de dados global com informações de 1.939 barragens. Até o fim do semestre, deve sair do papel um código de melhores práticas para o armazenamento de rejeitos, com um padrão internacional a ser seguido por quem quiser atrair esse público.

Parque da Cachoeira, em Brumadinho (MG) Foto: Douglas Magno/ AFP

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A Vale sentiu na pele a reação desses atores. O Church of England se desfez das ações da mineradora. O megafundo de pensão californiano Calpers, de US$ 402 bilhões, vendeu todo seu portfólio de bonds (títulos de dívida) da companhia após o rompimento da barragem, sob o argumento das punições e custos de remediação a que ela será submetida. Líder em investimentos integrados ao desenvolvimento social, ambiental e de governança (ESG, na sigla em inglês), a gestora holandesa Robeco pôs a Vale em uma lista de empresas com restrições de investimento.

Consultados pelo Estadão/Broadcast, Church of England e Robeco afirmaram que ainda é cedo para pensar em reinvestir na mineradora brasileira. A Calpers não comentou. “Infelizmente, a Vale continua na nossa lista de exclusão. Os acidentes na empresa foram severos. Só teremos conforto em revisar nosso posicionamento uma vez que a Vale tenha descomissionado (fechado) todas as barragens em situação de risco em suas operações e tenha de fato implementado uma gestão ambiental de acordo com os padrões a serem estabelecidos pela iniciativa de investidores globais para a segurança no setor", diz a gestora da Robeco para Brasil, Daniela da Costa-Bulthuis.

"Não temos planos de afrouxar nossa restrição de investimento na companhia. Ainda há um longo caminho antes de considerarmos voltar a investir na Vale", afirma o diretor de Ética e Engajamento do Church of England, Adam Matthews.

Ao lado de especialistas e investidores, Matthews participa nesta sexta-feira, 24, em Londres, de uma cúpula sobre segurança de mineração e rejeitos. Para marcar um ano de Brumadinho, representantes das comunidades afetadas pela tragédia foram convidados a dar depoimentos. Segundo ele, o banco de dados criado a partir das respostas de 332 empresas mostrará onde estão as barragens, imagens das comunidades próximas e informação sobre suas condições de segurança.

O desastre de Brumadinho tem destaque no portal. “Estamos falando de um volume de 48 bilhões de metros cúbicos de rejeitos, cerca de 42 mil vezes o tamanho do Estádio de Wembley”, diz.

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Questões ambientais pesam nas ações da Vale

Sob os holofotes do Fórum Econômico Mundial de Davos, os critérios ESG têm sido uma das causas do elevado desconto sobre o preço das ações entre a mineradora brasileira e suas principais concorrentes, as australianas BHP Billiton e Rio Tinto. Relatório recente do Citi apontou que 50% dessa diferença - de 20% a 30% no valor dos papéis, a depender do critério de análise - se devem justamente a questões ambientais, sociais e de governança.

O diretor de ratings corporativos da agência de classificação de riscos Fitch, Phillip Wrenn, afirmou ao Estadão/Broadcast que são exatamente deficiências em relação à questões ESG que impedem atualmente a Vale de ter um rating corporativo acima do que "BBB-". "O acidente de Brumadinho ocorreu, apesar de a administração afirmar que nunca mais haveria um rompimento na barragem de rejeitos semelhante à ocorrida na Samarco - uma joint venture entre Vale e BHP Billiton - três anos antes", disse.

Para ele, preocupações adicionais com ESG estão relacionadas com o gerenciamento de resíduos e materiais perigosos, além da resistência social aos projetos da mineradora, sejam eles de expansão ou novos projetos.

Daniela, da Robeco, disse que Brumadinho provocou a discussão sobre o impacto socioambiental da mineração. Para ela, um ano depois da tragédia, a ação de investidores já refletiu em maior abertura das mineradoras para falar sobre suas operações e os riscos ambientais relacionados. Membro da Iniciativa de Segurança para Investidores em Mineração e Rejeitos, nome do grupo criado pela Church of England, a gestora conduzirá, a partir deste ano, um trabalho com suas investidas mais relevantes em busca das melhores práticas de segurança no setor.

“Empresas que não endereçarem questões de segurança e ambiental vão ter um risco crescente de passivos ambientais, trabalhistas e de reputação. Isso fará com que investidores descontem mais os preços das ações para refletir esses riscos associados, reduzindo o potencial de valorização das empresas”, diz Daniela.

Notas de risco ganham mais importância

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Com a demanda e o olhar cada vez mais atento dos investidores para questões ESG, as classificadoras de risco têm dado maior espaço a esses fatores em seus relatórios, afirmou a diretora de ratings corporativos a S&P, Flavia Bedran. Segundo ela, os riscos ambientais, sociais e de governança sempre foram inerentes à análise, mas hoje a abertura é maior nos relatórios. "Estamos colocando essas informações mais em evidência. Os fundos europeus estão bastante restritivos (em relação às questões ESG)".

No capital social da Vale, o único fundo estrangeiro com mais de 5% das ações é o BlackRock. O presidente da maior gestora do mundo, com mais de US$ 7 trilhões sob gestão, Larry Fink, tem sido ao longo dos últimos anos uma das vozes mais ativas em relação aos o investimentos e questões ESG, além do capitalismo responsável. Em sua última carta, destinada às lideranças empresarias de todo o mundo, Fink afirmou que a BlackRock vai desinvestir em setores com maior risco ao nível da sustentabilidade do globo, como produtores de carvão.

"Até o fim de 2020, todos os portfólios ativos e estratégias de consultoria estarão totalmente integradas a critérios ESG - isso significa que nossos gestores de portfólio serão responsáveis pela gestão adequada da exposição aos riscos ESG e pela documentação de como essas considerações afetaram as decisões de investimento realizadas", conforme carta da gestora, enviada a clientes na semana passada.

Ciente desse cenário, a Vale dedicou boa parte do Vale Day, encontro com analistas de mercado realizado no fim do ano passado, em Nova York e Londres, para apresentar seu plano estratégico para os próximos anos: reparar integralmente as consequências de Brumadinho, se transformar em uma empresa mais segura e confiável, e estabelecer um novo pacto com a sociedade, adotando metas envolvendo mudança climática, energia e florestas. A companhia informa que também lançou um portal voltado a dar transparência às suas ações ESG, expondo avanços e “gaps” da empresa.

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