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Líder de mercado na Oliver Wyman, Ana Carla Abrão trabalhou no setor financeiro a maior parte de sua vida, focada em temas relacionados a controle de riscos, crédito, spread bancário, compliance e varejo, tributação e questões tributárias.

Buraco Negro

Papel do Coaf é fundamental no combate à corrupção e à lavagem de dinheiro

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Por Ana Carla Abrão
Atualização:

O Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) foi instituído pela Lei 9.613, de março de 1998. Além de criar o Coaf, a lei dispõe sobre “os crimes de ‘lavagem’ ou ocultação de bens, direitos e valores; a prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos previstos nessa lei e dá outras providências”, reforçando um conjunto de avanços econômicos e institucionais que aconteceram na segunda metade dos anos 90, durante o governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.

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Além disso, o Coaf surge também com o objetivo de acompanhar importantes movimentos internacionais, complementando um conjunto de medidas que visavam ao fortalecimento do ambiente institucional brasileiro, com ênfase em temas cujas implicações iam além das nossas fronteiras e exigiam cooperação e integração com órgãos similares em outros países.

As competências do Coaf ficaram claras na lei, abrangendo o recebimento, exame e identificação das ocorrências suspeitas de atividades ilícitas com o objetivo de disciplinar e aplicar penas administrativas. Cabe ainda ao conselho coordenar e propor mecanismos de cooperação e de troca de informações que viabilizem ações rápidas e eficientes no combate à ocultação ou dissimulação de bens, direitos e valores e, não menos importante, quando concluir pela existência de crimes previstos na lei, de fundados indícios de sua prática, ou de qualquer outro ilícito, comunicar às autoridades competentes para que façam a instauração dos procedimentos cabíveis.

Mas o Coaf não atua sozinho. Juntamente com a sua criação, a Lei 9.613 estabeleceu exigências e diretrizes que deram origem a uma complexa e importante estrutura de monitoramento e controles internos por parte das diversas instituições financeiras.

São essas estruturas, hoje incorporadas nos processos de conduta de bancos e corretoras, a exigência de conformidade com a lei e com os critérios definidos pelo Coaf e a consequente atuação do conselho na consolidação e processamento dessas informações, que hoje permitem que transações que até pouco tempo eram feitas na obscuridade, sejam passíveis de investigações que, não raro, levam à identificação de ações criminosas. É toda uma cadeia de informações e processos, criada em torno dessa estrutura e que merece ser valorizada, melhorada e fortalecida. Não o contrário.

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O primeiro ataque ao Coaf veio do Congresso Nacional, que rejeitou a proposta do governo de transferir o conselho para o Ministério da Justiça. Sob o argumento nada velado de não deixar nas mãos do ministro Sergio Moro esse importante instrumento de combate à lavagem de dinheiro, a maioria dos nossos parlamentares preferiu mantê-lo no Ministério da Economia – como se ali o órgão não fosse ter o tratamento e a prioridade necessárias para continuar a exercer o seu papel. Mas o golpe mais forte veio com a decisão do ministro Dias Toffoli de suspender todas as investigações que fossem baseadas em dados repassados pelo Coaf sem autorização judicial.

A decisão do presidente do STF, mesmo que amparada em interpretações de leis não necessariamente sensíveis aos anseios da sociedade, tem como resultado uma insegurança institucional inédita nos 20 anos de existência do conselho. Relativizando, equivale a jogar o Coaf num Buraco Negro, aquela região do espaço da qual uma vez lá dentro, nem mesmo partículas que se movem à velocidade da luz conseguem sair. É esse o tratamento que as informações do Coaf podem vir a ter se não se corrigir essa decisão e se condicionar o uso das informações a uma decisão judicial.

Há que se lembrar que o nosso passado recente muito se beneficiou e que nosso futuro como nação desenvolvida, integrada, íntegra e ética, depende da continuidade dos avanços no combate à corrupção, à lavagem de dinheiro e ao financiamento ao terrorismo. E isso só se faz com acesso a informação, capacidade de processar essas informações e produção de inteligência financeira. Esse é o papel do Coaf, que merece ser fortalecido para que possa cumprir sua missão de promover a proteção da nossa economia e a prevenção e o combate ao crime.

Jogar as informações do Coaf no Buraco Negro significa fazer deixar de existir crimes que precisam ser combatidos – e não esquecidos.

*ECONOMISTA E SÓCIA DA CONSULTORIA OLIVER WYMAN

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