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Novo crédito imobiliário da Caixa dá segurança ao banco, mas pode oferecer risco ao cliente

Para associações do mercado imobiliário, mudança deve contribuir para o aumento do crédito, mas especialista alerta que medida pode não favorecer o tomador de crédito que não tem seu rendimento atrelado à inflação

Por Érika Motoda
Atualização:

A Caixa Econômica Federal anunciou nesta terça, 20, a linha de crédito imobiliário com custo indexado ao IPCA, o índice oficial de inflação, que poderá  substituir a Taxa Referencial (TR) em novos contratos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e do Sistema Financeiro Imobiliário (SFI). As taxas vão variar de 2,95% a 4,95% ao ano, segundo o presidente do banco, Pedro Guimarães

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Com a adoção do IPCA, haverá uma queda de até 51% no valor da prestação em comparação com os contratos tradicionais ligados à TR, cuja taxa está em 8,5%. A diferença pode ser explicada pelo fato de que, ao indexar o crédito imobiliário ao IPCA, o banco estará menos exposto a riscos, pois é o seu cliente quem se responsabilizará por cobrir as eventuais flutuações da inflação. Portanto, não será mais necessário calcular as parcelas em função das alterações da TR

Atualmente, quem financia imóvel pelo SFH paga uma taxa de juros fixa, cujo limite é de 12%, acrescido do valor da TR - que atualiza o saldo devedor. Como o valor da TR hoje é zero, o mutuário da casa própria acaba pagando apenas o valor fixo. Mesmo que a TR seja zero, não significa que o banco esteja no prejuízo, pois os juros são jogados para cima justamente para que as parcelas pagas pelos clientes cubram as variações da TR. 

Os setores ligados ao mercado imobiliário se animaram com a novidade, que pode ampliar as possibilidades de captação crédito, já que, hoje, os recursos do SFH vêm de depósitos em poupanças das instituições integrantes do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS)

Para o presidente da Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), Luiz Antônio França, com essa indexação, o banco conseguirá securitizar com mais facilidade sua carteira com emissão de títulos, pois o IPCA é um indexador conhecido pelos gestores do mercado financeiro e cria espaço para mais operações de crédito imobiliário. Além disso, para ele, as condições macroeconômicas, com as reformas em curso, trazem segurança a esse tipo de operação, já que a tendência é que a inflação e a taxa de juros não saiam de controle.

O presidente do Sindicato da Habitação de São Paulo (Secovi-SP), Basilio Jafet, acredita que os mutuários também serão beneficiados, porque se trata de mais uma possibilidade de financiamento da casa própria e, se a inflação se mantiver “comportada”, as prestações serão menores.

Ao indexar o crédito imobiliário ao IPCA, Caixa estará menos exposta a riscos, pois é o seu cliente quem se responsabilizará por cobrir as eventuais flutuações da inflação Foto: José Cruz/ Agência Brasil

A medida, porém, pode ser mais perigosa àqueles que não têm seus rendimentos corrigidos pela inflação, explicou o professor de Economia e Negócios imobiliários da FGV, Alberto Ajzental. É o caso dos trabalhadores que atuam como pessoa jurídica (PJ), por exemplo.

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Leia a entrevista com o professor:

O que a mudança da indexação de TR para IPCA significa para os tomadores de crédito imobiliário e para a Caixa? É vantajoso para ambos os lados?

Não. O IPCA é bem mais volátil do que a TR. Então, aumenta o risco para o tomador de crédito. Porque se eu fecho uma taxa de 8,5% que valerá por décadas (atual sistema), eu sei que é o número que vou ter que pagar e não corro o risco de variações. Mas se coloco um componente de inflação, que é o IPCA, não há como ter controle sobre a inflação futura, principalmente em prazos longuíssimos de 35 anos (que é o tempo de financiamento  máximo).

E para a Caixa, a mudança representa uma vantagem?

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Para a Caixa, diminui o risco. Em várias operações, você precisa se proteger da inflação. Então, se tenho alguém que se comprometeu a pagar uma dívida baseada em IPCA, tenho um papel que cobre essa inflação e consigo ampliar as formas de capitalização, porque consigo colocar esse papel à venda no mercado.

É por isso que o mercado se animou com a mudança?

Sim. O mercado é comprador, e estão faltando papel e investimento, principalmente com a enorme queda da Selic. Antigamente o País comprava uma poupança ou uma renda fixa e estava tudo bem na época em que a Selic era 14,25%. Mas agora que a Selic está em 6% e ainda pode cair mais, não dá mais dinheiro. 

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Mas vai haver prejuízo para o tomador de crédito, uma vez que os salários também são corrigidos pela inflação?

Nem todo tomador de empréstimo é assalariado. Se tenho um negócio, não tenho garantia de que vá crescer no mesmo nível da inflação. As pessoas que não têm seus rendimentos atrelados ao IPCA são as mais vulneráveis. 

Com o atual cenário econômico, com as reformas da Previdência e a tributária avançando, a gente corre o risco de ter um descontrole da inflação no médio e longo prazo? 

Quando falamos de 20, 25 ou 30 anos, é imprevisível.

Se a gente tiver o crédito mais baixo, corre-se o risco de aumentar a inflação por conta da demanda?

Não creio em grande demanda. A gente continua com um crescimento econômico pífio e ainda há 13 milhões de desempregados. Mesmo que o mercado imobiliário esteja retomando [o crescimento], você não vê uma explosão de consumo.

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