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Calmaria, a um custo alto

Uma enorme alta nos juros estancou movimento de fuga do peso argentino. Mas o crescimento econômico será afetado

Por The Economist
Atualização:

A mensagem para os mercados financeiros não poderia ser mais clara. Na manhã da última sexta-feira, após uma forte queda do valor do peso, o Banco Central da Argentina aumentou a taxa de juros em 6,75 pontos porcentuais – a terceira elevação em uma semana. A taxa básica agora está em 40%, contra os 27,25% praticados em 27 de abril. Enquanto isso, do outro lado de Buenos Aires, Nicolás Dujovne, o ministro da Fazenda, afirmou a repórteres que o déficit orçamentário argentino, que foi de 3,9% em 2017, seria reduzido a 2,7% neste ano, em vez da meta anterior de 3,2%. Depois dos dois anúncios, o peso ganhou 5% de valor em relação ao dólar. 

Argentina iniciou negociações para obter um empréstimo junto ao Fundo Monetário Internacional (FMI) para conter a alta do dólar Foto: AFP PHOTO / Eitan ABRAMOVICH

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As duas medidas combinadas foram capazes de frear o que parecia ser o começo de uma crise em larga escala. O peso argentino havia perdido um quinto de seu favor frente ao dólar desde o início do ano, o pior desempenho entre as moedas de países emergentes. No entanto, as medidas para proteger a moeda prejudicam as perspectivas de crescimento – e também são um golpe para o presidente argentino, Mauricio Macri.

Os problemas começaram em janeiro, na esteira de decisão do Banco Central, anunciada em 28 de dezembro de 2017, de afrouxar sua meta inflacionária de 12% para 15%. A decisão foi tomada à revelia do governo federal, que estava preocupado com o impacto das altas taxas de juros para o crescimento da economia. Então, o BC reduziu a taxa básica do país em 0,75 ponto porcentual, causando uma expectativa de aumento da inflação. Investidores começaram a questionar a independência do BC e o comprometimento com a redução da alta de preços.

++‘Era urgente frear a escalada do dólar’, diz sócio de consultoria argentina

Choque externo. A ansiedade se intensificou depois que o retorno sobre os papéis do Tesouro americano foi elevado em 3% no fim de abril. Isso fez os investidores retirarem dinheiro de países emergentes e de outros ativos de risco. A Argentina foi a primeira da fila. Além de exibir uma inflação de 25% nos últimos 12 meses, investidores temiam também a alta dívida externa do país e o déficit de conta corrente da ordem de 5% do Produto Interno Bruto (PIB).

Decisões políticas na Argentina contribuíram para exacerbar o choque externo. Investidores internacionais ficaram mais propensos a vender bônus argentinos para comprar dólares quando o governo criou um novo imposto sobre ganhos de capital no país para agradar seus opositores. As tensões dentro do Cambiemos, a aliança política governamental, em relação à rapidez da redução dos subsídios para o setor de energia e outros preços administrados ajudaram a elevar a desconfiança sobre o comprometimento do governo com a redução de seus gastos.

Na última semana de abril, diante de um peso cada vez mais fraco, e da preocupado com o impacto que isso poderia ter na inflação, o governo vendeu US$ 4,3 bilhões em reservas externas em apenas cinco dias. Entre 27 de abril e 3 de maio, a taxa de juros subiu 6 pontos porcentuais. Mas tudo isso teve pouco efeito. Depois de o peso se desvalorizar 7,8% em relação ao dólar somente no dia 3 de maio, o Banco Central teve de agir de forma mais drástica, elevando a taxa de juros para 40% ao ano na sexta-feira, dia 4.

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Fôlego momentâneo. A decisão parece ter evitado uma crise de grandes proporções, pelo menos por enquanto. “É um passo na direção certa”, diz Alberto Ramos, do banco de investimento Goldman Sachs. O pânico parece ter sido controlado. Mas a Argentina ainda não está livre de perigos. O BC terá de se preparar para novas pressões de baixa do peso, especialmente se os dados de inflação continuarem a vir acima das expectativas.

Isso significa que as taxas de juros continuarão altas por algum tempo. “Se o BC reduzir as taxas cedo demais, existe o risco de que a crise que acabamos de ver se repita”, diz Edward Glossop, da consultoria Capital Economics. Em 4 de março, a agência de classificação de risco Fitch modificou a perspectiva para a Argentina de “positiva” para “estável”, citando problemas como a inflação alta e a volatilidade econômica. Como as eleições presidenciais só estão marcadas para outubro de 2019, Macri terá algum tempo para estabilizar a situação.

O presidente argentino tinha a expectativa de que a economia do país pudesse começar a mostrar recuperação no segundo semestre de 2018. Havia a expectativa de que a inflação comece a cair e que o poder de compra dos salários dos trabalhadores mostrasse alguma recuperação. Mas a seca que o país enfrentou recentemente já vinha afetando esse cenário. Agora, com juros mais altos e as medidas de contenção fiscal anunciadas na semana passada, há ainda menos razão para otimismo, de acordo com Glossop.

Riscos à frente. Macri e o Banco Central tentam de todas as formas garantir que a Argentina não tenha de repetir a experiência do Brasil, que só foi capaz de controlar a inflação após enfrentar a mais longa recessão de sua história. “Será que será necessária uma grande crise econômica para que a Argentina consiga finalmente reduzir a inflação?”, questiona Ramos, do Goldman Sachs. A Argentina certamente espera que não.

© 2018 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED.  DIREITOS RESERVADOS.  PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM

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