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Calote russo deve ter impacto limitado na economia global, diz Otaviano Canuto, ex-Banco Mundial

País precisa pagar hoje US$ 117 milhões de juros de dívida externa, mas expectativa é que não consiga pagar, por conta do bloqueio das reservas no exterior

Foto do author Cynthia Decloedt
Por Cynthia Decloedt (Broadcast)
Atualização:

São Paulo - A Rússia acabará sendo o maior prejudicado pelo não pagamento de seus compromissos com juro de títulos de dívida que emitiu no exterior em dólares e cujo vencimento é nesta quarta-feira, 16. Para os mercados, o evento terá consequências menores, provavelmente inferiores às vistas na moratória de 1998. Isso porque, além de aguardado desde o anúncio das sanções, a exposição da comunidade financeira internacional à Rússia é menor do que já foi há mais de duas décadas. A opinião é do ex-vice presidente do Banco Mundial e atualmente membro sênior do Policy Center for the New South, Otaviano Canuto.

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A Rússia precisa pagar nesta quarta US$ 117 milhões em juro correspondente a dois títulos de dívida (bonds) com vencimentos em 2023 e 2043 e que, juntos, somam US$ 4,5 bilhões. O governo russo autorizou o pagamento em rublos de dívidas em moeda estrangeira. O ministro das finanças da Rússia, Anton Siluanov, afirmou nesta semana que os pagamentos serão feitos na moeda local até que o Ocidente desbloqueie os US$ 300 bilhões que estão no exterior e correspondem à metade das reservas do país.

A outra fatia, além de rublos, é composta por ouro e pelo yuan (a moeda chinesa), o que levantou suspeitas entre investidores de que a Rússia poderia recorrer à China para realizar os pagamentos. Outro grande vencimento do país com títulos emitidos no exterior em dólares acontece em abril, envolvendo mais de US$ 2 bilhões.

Canuto não acredita que a China saia em socorro da Rússia e prevê escassez de dólares para o país. Ao contrário do evento de moratória anterior, em 1998, a Rússia não poderá contar com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para renegociar essa dívida.

Para Canuto, o eventual calote aumenta os desafios econômicos que o país já enfrenta por conta das sanções econômicas. Ele estima uma recessão profunda este ano na Rússia, na casa de 15%. 

Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice presidente do Banco Mundial Foto: Fabio Motta/Estadão - Arquivo 14/09/2015

A Rússia tem US$ 117 milhões em juro de títulos de dívida emitidos em dólares e com vencimento nesta quarta-feira. Haverá um calote?

Será calote na hipótese de os contratos não contemplarem a possibilidade de os pagamentos serem feitos em rublos. Tais calotes têm sido esperados desde o anúncio das sanções. Não há como converter rublos nesse momento, nem mesmo que sejam convertidos em yuans. Os chineses não vão brincar com os riscos de enquadramento como burladores das sanções.

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Qual pode ser, em sua opinião, a extensão do calote sobre outras dívidas da Rússia no exterior?

Pelo que tenho lido, vai ter impacto em algumas instituições europeias, mas não se espera que sejam grandes o suficiente para causar problemas sistêmicos.

É possível fazer um paralelo deste possível calote com a moratória da Rússia em 1998?

Certamente, uma diferença em relação a 1998 é que o FMI (Fundo Monetário Internacional) foi então em socorro da Rússia e, desta vez, não há essa possibilidade.

Qual seria o desdobramento da ausência do FMI?

Carência de dólares. As reservas do Banco Central da Rússia não estão sequer acessíveis. Só não haveria calote caso o devedor tivesse dólares fora e quisesse usá-los - combinação improvável - sem precisar passar pelo banco central e bancos sancionados.

O sr. considera o provável calote russo um grande evento ou de média importância?

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Para os russos um grande evento. Aqui fora, um médio evento.

Por que um médio evento para a comunidade financeira externa?

A exposição direta de credores não é significativa o suficiente para causar problemas sistêmicos. No caso de fundos mútuos, temia-se que a retirada de dinheiro por investidores pudesse causar algum contágio - por conta de vendas de outros ativos por administradores para fazer caixa. Mas não se tem visto isso nas semanas após as sanções, apesar de calotes já serem considerados como dados. No geral, as condições financeiras continuam favoráveis, mesmo com leve deterioração nas últimas semanas.

A Rússia deixou de ser destino dos investidores desde a guerra contra a Crimeia?

O próprio banco central russo vendeu reservas em dólar, euros e libra para comprar ouro e yuan desde a guerra contra a Crimeia. Mas ficou no meio do caminho antes de zerar (as posições nas moedas ocidentais).

O sr. disse que, para a Rússia, o calote será um grande evento. Quais são as implicações?

Recessão profunda. Possivelmente uma queda de 15% no PIB este ano.

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