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Câmbio corrói contas e eleva dívida pública

É um ?luxo caro? manter reservas elevadas, diz crítico; política deu tranquilidade durante crise, diz governista

Por Lu Aiko Otta e Fernando Nakagawa
Atualização:

O dólar barato não traz problemas somente para os exportadores, que têm pressionado por novas medidas de alívio. O próprio governo vem sentindo nas contas públicas o impacto da queda do dólar ante o real, de 21,6% este ano. Nos primeiros seis meses de 2009, o Banco Central (BC) teve R$ 93,8 bilhões em prejuízos provocados pela desvalorização do dólar. O câmbio também foi o principal responsável pela elevação do estoque da dívida pública na primeira metade de 2009, mais até do que o aumento das despesas federais. Esse fenômeno ocorre atualmente porque, ao contrário do que ocorria até poucos anos atrás, o Brasil passou a ser credor em dólares. Ou seja, no saldo entre dívidas e créditos internacionais, o País tem a receber. Se até os anos 1990, a economia brasileira enfrentava problemas com a dívida externa, hoje vive situação inversa. . Atualmente, as reservas internacionais somam US$ 213 bilhões e são mais que suficientes para pagar toda a dívida externa do governo e do setor privado. Em junho, a dívida externa era US$ 195,3 bilhões. Toda vez que o dólar sobe, o governo lucra porque tem dólares em caixa. Foi o que ocorreu no ano passado, na esteira da crise econômica, quando o dólar atingiu R$ 2,50 em dezembro. Por isso, em 2008 o BC repassou ao Tesouro Nacional um total de R$ 180 bilhões em lucros pela valorização dos dólares das reservas. Mas, quando a moeda americana se desvaloriza, como acontece desde abril, o quadro é oposto e o governo tem prejuízo. Nesse caso, a Lei de Responsabilidade Fiscal manda que o Tesouro cubra o rombo. Até o dia 10 de janeiro de 2010, terão de ser emitidos títulos para o prejuízo de R$ 93,8 bilhões registrado em junho. Alternativamente, o governo poderia compensar o prejuízo com parte do lucro repassado em 2008. De janeiro a junho deste ano, a dívida líquida do setor público aumentou de 38,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em dezembro para 43,1% do PIB em junho, um salto de 4,3 pontos porcentuais. Desse crescimento, conforme dados do próprio BC, 50% é explicado pela oscilação cambial e 35% pela piora do resultado das contas públicas. LUXO CARO "Na essência, manter reservas de US$ 250 bilhões é um luxo caro", afirma o economista José Roberto Afonso. "Obviamente, é excelente, quanto mais em tempos de crise externa. Qualquer um é a favor de uma proteção desse tamanho. Mas tem um custo fiscal monumental e isso tem sido omitido ou ignorado no debate." Afonso acha que, em vez de emitir títulos para cobrir o prejuízo do BC, o Tesouro poderia usar parte do dinheiro que tem em caixa para esse fim. Da forma como está, explica ele, o lucro que o BC teve no ano passado tem apenas inflado o chamado "colchão de liquidez" - uma reserva que o governo mantém num cofre para quitar a dívida pública que esteja vencendo, caso haja dificuldade em vender mais títulos no mercado. Um "colchão" alto e macio é importante em períodos de crise financeira. As preocupações do economista, porém, não encontram eco no governo. No BC, a avaliação é que essas críticas não são adequadas porque foi graças à acumulação de reservas que foi possível passar pela crise com menos traumas que outras economias. Não há, por exemplo, nenhuma perspectiva de mudança na relação entre BC e Tesouro no que diz respeito ao repasse de lucros e à cobertura de prejuízos. Também não há planos para diminuir as reservas. Muito ao contrário, desde maio, o BC voltou a comprar dólares no mercado. Desde então, US$ 9,3 bilhões foram adquiridos, o que aumenta o eventual prejuízo com uma futura valorização do real ante o dólar. Sobre a necessidade de emissão de títulos para cobrir a perda cambial, fontes do governo minimizam a preocupação. A explicação é que mesmo quando o título é emitido pelo Tesouro e vai para o caixa do BC, a operação não aumenta a dívida porque continua "dentro do governo". "Só se torna dívida se usarmos esse título para fazer política monetária. Se tirarmos dinheiro do mercado e entregarmos esse papel do Tesouro aos bancos, a dívida começa a existir de fato", explica uma fonte. "Essa foi a primeira vez que o governo teve lucro com a crise, que foi o resultado do Banco Central em 2008. Agora, apenas está ocorrendo o inverso, é do jogo", diz outro técnico da equipe econômica. A avaliação é que, apesar do custo fiscal, a atual política deu tranquilidade ao governo durante a crise. O Tesouro Nacional não revela o valor do "colchão de liquidez", mas explica que, por lei, o dinheiro que lá está só pode ser usado para pagar a dívida pública. Não há risco de ser gasto em outros tipos de despesa, como pagamento de salários dos servidores.

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