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Caos da telefonia vai além das panes

Para entidades de defesa do consumidor, atendimento a usuários é considerado o pior, e não há sinais de melhora

Por Renato Cruz
Atualização:

As panes da Telefônica são a face mais visível de um problema maior: a baixa qualidade do atendimento das empresas de telecomunicações. O setor lidera as reclamações nas entidades de defesa do consumidor, submetendo seus clientes a caladões, serviços intermitentes e outras falhas técnicas, a informações erradas e esperas sem fim nos call centers, a cobranças por serviços que não foram contratados e não foram prestados. Segundo o Ministério da Justiça, cerca de 30% das reclamações apresentadas nos Procons desde outubro de 2004 estão relacionadas a telefonia fixa, telefonia móvel e aparelhos celulares. Neste semestre, o número também ficou perto de 30%. "O comportamento das empresas é preocupante", afirmou Ricardo Wada, diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC) do Ministério da Justiça. "As operadoras estão transferindo o atendimento do consumidor para os órgãos públicos." Um balanço do comportamento das empresas desde que entrou em vigor a chamada Lei do SAC, que definiu regras para o serviço de atendimento ao consumidor de setores regulados, apontou que as operadoras de telecomunicações tiveram o pior desempenho. Entre dezembro de 2008 a abril de 2009, as operadoras de telecomunicações responderam por mais da metade das reclamações relativas ao SAC, segundo o Ministério da Justiça. As empresas costumam justificar a quantidade de queixas com o número de clientes que atendem. Existem no País 41,7 milhões de telefones fixos em serviço e 157,5 milhões de celulares. Para Wada, não é desculpa. "Existe meio bilhão de cartões de crédito no Brasil", comparou o diretor do DPDC. No semestre, 11,4% das reclamações recebidas pelos Procons foram relacionadas aos cartões. O principal motivo de reclamação contra as teles são cobranças abusivas ou indevidas. O desespero do consumidor é tanto que o administrador de empresas Carlos Teixeira chegou a enviar para este jornal uma mensagem de correio eletrônico com o título: "Socorro - A Telefônica quer me matar". No começo deste ano, ele descobriu que seu nome havia sido mandado para o SPC pela operadora, por causa das contas de abril e maio do ano passado. Apesar de ter provado, com os comprovantes, que havia pago as contas em dia, não conseguiu limpar seu nome até agora. Por causa do que aconteceu, Teixeira mudou de operadora e, dias depois, recebeu uma ligação da Telefônica perguntando porque havia deixado de ser cliente. "Tenho quase 60 anos e já estava à beira de um enfarte", disse o administrador de empresas, que chegou a receber uma nova conta da Telefônica depois de ter mudado de operadora. Ele tentou várias vezes conseguir o cancelamento dos débitos, perdendo horas ao telefone, e chegou a reclamar para a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). "Parece que querem levar você à loucura. Não consigo me desvencilhar deles." A Telefônica informou, por meio de sua assessoria, que já cancelou as "contas indevidamente emitidas" e tomou as providências para tirar o nome de Teixeira do SPC. A Telefônica lidera o ranking de reclamações do Procon-SP. Entre as dez mais reclamadas no ano passado, cinco são operadoras de telecomunicações ou fabricantes de aparelhos. Na lista de queixas sobre serviços essenciais, sete entre as dez são empresas de telefonia. "A nosso ver, existe um problema sério de regulamentação", afirma Roberto Pfeiffer, diretor executivo do Procon-SP. "Nas regras do setor, é praticamente inexistente a preocupação com o modo de comercialização dos serviços." Para Pfeiffer, as empresas não se sentem obrigadas a cumprir as condições que oferecem na comercialização do serviço. Daniela Trettel, advogada do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), concorda que os problemas do setor refletem uma regulação falha. "Quando a regulação e a agência foram estruturadas, todo o pensamento estava voltado para a privatização, e se esqueceram do consumidor", explicou Daniela. "As metas de qualidade têm somente indicadores quase matemáticos, e não levam em conta a satisfação do consumidor." A advogada considera muito brandas as punições para as operadoras previstas pela regulamentação. "Não doem no bolso", disse Daniela, acrescentando que a Anatel deveria tomar medidas que reforcem a concorrência no setor. "Em outros países, os consumidores participam na elaboração das normas, e não são somente chamados a opinar durante uma consulta pública de 15 dias, quando a norma já está escrita." A Telefônica sofreu cinco panes nos últimos 12 meses, sendo quatro do Speedy, seu serviço de banda larga, e uma da telefonia fixa. A Anatel suspendeu as vendas do Speedy na segunda-feira e exigiu que a operadora elaborasse um plano para garantir a prestação do serviço. Esse plano foi entregue à agência na sexta-feira. Além das panes, existem muitos problemas que afetam individualmente os consumidores. Edison Peixoto, que trabalha com marketing cultural, ficou sem o Speedy no dia 20 e, até sexta-feira, o serviço não tinha voltado. "Moro na Serra da Cantareira e não tenho escapatória", disse Peixoto. "Aqui não existe outro serviço de banda larga." Por meio de sua assessoria, a Telefônica informou que mandaria um técnico ontem para verificar o problema.

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