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Jornalista e comentarista de economia

Opinião|Cavalo de pau na Grécia

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Está aberta a temporada para debates sobre qual opção é a mais forte: a vontade soberana do povo grego ou a decisão dos deuses, senhores do Olimpo, os mesmos que conduzem o destino dos mortais? O governo do primeiro-ministro da Grécia, Alexis Tsipras, apoiado em votação consagradora no Parlamento realizada sábado de madrugada, aceitou, com modificações cosméticas, o mesmo plano de salvamento imposto pelos credores que o povo grego rejeitara cinco dias antes em plebiscito, por mais de 61% dos votos. Uma profusão de análises publicadas na imprensa mundial e na internet não duvida de que o governo Tsipras capitulou. Companheiros seus do partido de esquerda, o Syriza, hoje à frente da coligação de governo, passaram a denunciar o que lhes pareceu notória traição de Tsipras. Ficou mais importante aceitar o novo empréstimo-ponte que pode subir os 73 bilhões de euros do que seguir peitando indefinidamente os credores à borda do precipício. Hoje, as autoridades da área do euro se reúnem em Bruxelas para as formalidades destinadas a sacramentar o pacote grego e baixar as cortinas sobre a atual fase da crise. Nos próximos dias, os mesmos analistas se empenharão em vasculhar as razões subjacentes a esse espetacular cavalo de pau sobre a posição anterior. Não é preciso cavoucar demais para entender que o principal fator que impôs a vontade dos credores foi a iminência do colapso. Há dez dias, os bancos não puderam ser reabertos porque a corrida aos saques provocaria quebra do sistema financeiro. Mas o corralito, racionamento das retiradas (de apenas 60 euros diários por correntista), foi suficiente para provocar a paralisação do sistema nacional de pagamentos e para semear a desolação entre aposentados e funcionários públicos. Ou a situação se normalizaria com a injeção de dinheiro novo e com o restabelecimento das linhas de assistência bancária do Banco Central Europeu ou a economia naufragaria em semanas. Outra opção ao desastre seria a saída da Grécia do bloco do euro. Mas foi entendida como ainda mais desastrosa. Se for aprovado hoje pelos credores, o dinheiro novo não irrigará a economia. Praticamente todo ele se destinará ao pagamento de dívidas com vencimento iminente. Sairá dos cofres dos credores e voltará automaticamente para eles. Para rejeitar a proposta que acabam de aceitar, os gregos vinham argumentando que a política da austeridade não funciona e que sua aplicação provocaria suicídio coletivo. Agora parecem ter entendido que o suicídio coletivo seria inevitável se o barco do euro fosse abandonado em troca da volta à dracma, que viria superdesvalorizada. O império do euro passou a ser visto como fortaleza sem possibilidade de escape, como o inferno de Dante. O alto custo inviabiliza a saída de quem já estiver lá dentro. Se há males que vêm para bem, crises inevitáveis como esta, numa união monetária carregada de vícios de origem, como a do euro, pode empurrar os países-membros para a unificação dos sistemas fiscais. (Veja, ainda, o Confira.)CONFIRA * Risco de desmantelamento Na sua edição de sexta-feira, o principal diário espanhol, El País, publicou entrevista do brilhante e controverso ministro da Economia da França, Emmanuel Macron, de 37 anos. Nela, expressa o que outros especialistas têm advertido. A crise da Grécia é sintoma de problema mais profundo: ausência de mecanismos automáticos de socorro, que só podem ser conseguidos com a união política. Sem essa construção política, em dez anos o euro se desmantelará - avisa Macron.

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* Nova agenda "O discurso da solidariedade deve vir acompanhado do discurso da responsabilidade. É preciso ter uma agenda de convergência econômica, fiscal, de mercado de trabalho, um modelo social, políticas de solidariedade".

* Esquerda conservadora "O liberalismo político é um elemento da esquerda. A esquerda é o partido da emancipação e da liberdade em coordenação com a solidariedade. Senão a esquerda se torna um partido conservador", diz Macron.

Opinião por Celso Ming

Comentarista de Economia

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