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Jornalista e colunista do Broadcast

Opinião|Cegueira aos riscos

Índice de Volatilidade, conhecido como 'índice do medo',calculado pela bolsa americana que negocia contratos de opções, voltou a cair

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Foto do author Fábio Alves
Atualização:

No dia em que um novo escândalo político envolvendo Donald Trump espalhou-se pela imprensa e mostrou-se como uma das mais sérias ameaças ao presidente americano, o índice de ações S&P 500 bateu recorde histórico no fechamento do pregão da segunda-feira ao atingir 2.402,32 pontos.

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E isso não é tudo: o Índice de Volatilidade (VIX, na sigla em inglês) calculado pela CBOE, a bolsa americana que negocia contratos de opções, voltou a cair. Mais conhecido como “índice do medo”, o VIX mede a aposta dos investidores em relação a uma potencial queda forte do mercado acionário, no caso o índice S&P 500, que lhe dá lastro. Estariam os investidores no mundo inteiro, incluindo os brasileiros, anestesiados por uma cegueira aos riscos econômicos e políticos que podem deflagrar uma maciça correção nos preços mais à frente?

No último dia 8, após a vitória de Emmanuel Macron à presidência da França, o VIX caiu para o menor nível em 24 anos ao fechar em 9,71. Na segunda-feira, dia 15, quando o jornal The Washington Post revelou que Trump teria divulgado informações altamente confidenciais para o ministro das relações exteriores da Rússia, Sergei Lavrov, sobre um ataque terrorista planejado pelo Estado Islâmico, o VIX fechou em 10,42. Ou seja, os investidores na bolsa americana nem sequer demonstram qualquer ansiedade que esse novo escândalo político ameace o mandato de Trump.

É bom lembrar que, depois de uma primeira tentativa frustrada, Trump conseguiu aprovar seu projeto para a área de saúde, substituindo o programa adotado por Barack Obama pela apertadíssima margem de um único voto a mais do que o necessário na Câmara dos Deputados, apesar de os republicanos deterem larga maioria na Casa. E o texto aprovado deve provavelmente sofrer pesadas modificações no Senado americano, também dominado pelo partido de Trump.

Ao passar a maior parte do tempo se defendendo de escândalos políticos, como o da demissão do diretor do FBI (a polícia federal), James Comey, o presidente americano parece ter cada vez menos capital político para aprovar as suas promessas de campanha para estimular o crescimento da economia dos Estados Unidos. Mas nada disso está sendo levado em conta nos preços das ações e de outros ativos, como o dólar.

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Na China, por exemplo, os indicadores de produção industrial e vendas no varejo para o mês de abril vieram mais fracos do que esperado e apontam para uma perda de fôlego da atividade econômica. Apesar disso, as bolsas chinesas fecharam em alta na segunda-feira, assim como várias commodities. Tampouco o termômetro do medo do mercado vem reagindo às crescentes tensões geopolíticas mundiais.

A cegueira aos riscos vem contaminando os mercados emergentes, em particular o Brasil. Os ativos emergentes, como as moedas e as bolsas, sofrem influência do comportamento do VIX. E como o índice do medo está próximo dos níveis recordes de baixa, os investidores tendem a ser mais lenientes com os fundamentos das economias emergentes.

No Brasil, o dólar fechou na segunda-feira a R$ 3,10, menor nível em um mês, enquanto a Bovespa terminou o dia a 68.474,18 pontos, maior patamar desde 22 de fevereiro. Os investidores estão unicamente focados na perspectiva de corte agressivo da taxa Selic pelo Banco Central.

Já há analistas prevendo que o BC vai reduzir os juros básicos da economia até 7,00% (hoje estão em 11,25%) ao final do ciclo de afrouxamento monetário. Poucos são aqueles preocupados com o fato de que o desempenho fiscal no curto prazo do governo Michel Temer é fraco, a promessa de ajuste das contas públicas no médio e longo prazos (via reforma da Previdência) é diluída a cada dia que passa nas negociações no Congresso e que a desaceleração da inflação contou com fatores favoráveis extraordinários (como o clima) e com a brutal recessão que asfixiou a demanda.

Se a conta dessa fatura (com inflação em alta e risco de elevar os juros novamente) ficar para 2019 e para o próximo presidente da República, ninguém no mercado, por enquanto, demonstra ansiedade. Mas enquanto a cegueira aos riscos não se restringir apenas ao Brasil, quem se importa?

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*é colunista do Broadcast