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Cenário global preocupante

Fatores negativos externos e internos tendem a retardar o início e a reduzir a velocidade da retomada do crescimento no Brasil. Tratarei, hoje, das adversidades globais. No próximo artigo analisarei as dificuldades internas. As análises otimistas vinham se sustentando no fato de a ampla liquidez internacional favorecer o fluxo de capitais para os países emergentes. Mesmo antes da eleição americana, o ponto fraco desse raciocínio era não levar em conta que juros baixos decorrem da fragilidade do crescimento no mundo desenvolvido, e isso não é bom para ninguém. Se a renda das famílias não subir, os atuais preços internacionais dos ativos, principalmente ações e imóveis, não são sustentáveis. O que estamos vendo seria uma bolha, decorrente do excesso de liquidez. Em algum momento bolhas estouram e provocam enormes estragos para a economia global, com reflexos negativos significativos para os países emergentes. Há autores respeitáveis que são céticos quanto ao crescimento da economia dos EUA. Destaco Robert Gordon, cujas ideias estão reunidas no livro The Rise and Fall of American Growth: The U.S. Standard of Living since the Civil War. Para Gordon, nem sempre as invenções e o progresso tecnológico se exprimem em real aumento da riqueza e muito menos do bem-estar. Algumas invenções são mais impactantes que outras. O período de 1870 a 1970, o "século especial", em suas palavras, reúne inovações que revolucionaram a vida cotidiana dos EUA, tornando, quando comparados com qualquer período anterior, irreconhecíveis a forma como as pessoas moravam, se alimentavam, se vestiam, se deslocavam, se comunicavam e trabalhavam. Foi nessa época que surgiram a eletricidade, o motor a explosão, os eletrodomésticos, o telefone e o transporte aéreo, entre outros. Notáveis avanços na saúde e no saneamento básico provocaram expressiva elevação da expectativa de vida. Tudo isso se refletiu em acelerado aumento da produtividade e do crescimento econômico. Tal concentração de inovações, com tamanho impacto no padrão de vida das famílias, dificilmente se repetiria no horizonte visível. Gordon é cético quanto aos efeitos da revolução digital no crescimento econômico. Os avanços concentram-se nos setores de coleta e processamento de dados, comunicação e entretenimento, que representam só cerca de 7% do PIB e nem de longe têm o impacto transformador na vida das pessoas equivalente às inovações do "século especial". Finalmente, Gordon se atém ao aumento das desigualdades, adversidade capaz de bloquear o crescimento. A  notória piora da qualidade da educação nos EUA, em parte decorrente da crescente concentração de renda e riqueza, é destacada também como um importante freio à elevação da produtividade.  Gordon tem razão? Talvez. Não tomo suas análises a valor de face, mas sua tese não pode ser sumariamente descartada. O fato é que a produtividade das economias desenvolvidas caiu dramaticamente após 1970, exceto na década de 1990. Tal queda acentuou-se na grande recessão de 2007/2008 e continua até hoje.  A eleição de Donald Trump para presidir os EUA não ajuda em nada a recuperação da produtividade, dadas as crenças de Trump no protecionismo e sua aversão ao livre mercado. Não são menos graves as tensões políticas e o crescimento anêmico da Europa, bem como os riscos associados à economia chinesa. A China tem conseguido manter o crescimento na casa dos 6,5% ao ano graças ao anabolizante do crédito subsidiado, fornecido pelos bancos públicos a setores que já demonstram excesso de capacidade e enormes dificuldades para pagar suas dívidas. Antes das eleições americanas o cenário global era desafiador. Com Trump, tornou-se preocupante.

Por Claudio Adilson Gonçalez
Atualização:

*Economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da Assessoria Econômica do Ministério da Fazenda

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