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Cenas de desgoverno

Teria sido menos deprimente se os participantes da reunião tivessem se limitado a não contestar os acessos de primitivismo de Bolsonaro

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

É impossível ver o vídeo da fatídica reunião ministerial de 22 de abril sem ser tomado por avassaladora apreensão com a forma como o País vem sendo governado. Calam fundo não só os gritos, como os silêncios. Entre muitas outras barbaridades, o presidente da República confessou aos brados, com todas as letras, para quem quisesse ouvir, que está ostensivamente empenhado em levar adiante um projeto com o objetivo deliberado de “armar o povo” para que possa confrontar autoridades constituídas dos governos subnacionais.

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Já houve tempo – e não me refiro às duas décadas de regime militar – em que tal confissão faria soar todos os alarmes nas Forças Armadas. Não foi o que se viu. Nenhum dos muitos oficiais-generais presentes na reunião sequer piscou. Mas o que de fato importa, no caso, é o que o Supremo e a Procuradoria-Geral da República terão a dizer sobre tão desafortunada confissão. Acuado como está, o presidente não perde oportunidade de se encalacrar cada vez mais.

Teria sido menos deprimente se os participantes da reunião tivessem se limitado a não contestar os acessos de primitivismo de Bolsonaro. Mas o que se viu foi um torneio de capachismo, em que ministros e outras autoridades presentes se revezavam em louvores aos despropósitos vociferados pelo presidente, sem descuidar do estilo primitivo que parecia ser de uso protocolar na reunião.

Afora uma intervenção curta e anódina do ministro 02 da Saúde, pouco se ouviu sobre a pandemia, a não ser diatribes impublicáveis contra governadores e prefeitos, trovejadas por um presidente inconformado com as limitações que lhe são impostas pelos preceitos constitucionais de uma República federativa.

Nesse ambiente carregado, o ministro da Economia fez o que pôde para tentar dar seu recado, com amplo uso da cota de excessos verbais que lhe cabia na reunião. Arguiu que, por abalado que tenha sido pela crise, o governo não tinha perdido a bússola. E que, se souber retomar o trilho da política econômica, tão logo a pandemia esteja sob controle, o País surpreenderá o mundo. E a reeleição do presidente estará assegurada.

O problema é que, na bússola de Bolsonaro, o único rumo a seguir passou a ser o da resistência ao impeachment. E, como bem mostrou a reunião, boa parte do governo e de seus novos aliados no Congresso anda fascinada com a possibilidade de acelerar a recuperação da economia com a adoção de políticas nacional-desenvolvimentistas.

Não há autoengano que resolva. É impossível não perceber quão gritante é a desproporção entre a enormidade dos desafios com que o País se defronta e as acanhadas possibilidades de atuação eficaz da cúpula do governo, cruamente desnudadas pelo vídeo da reunião de 22 de abril, em Brasília.

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Questão de múltipla escolha

Imagine que você esteja entre os 210 passageiros de um voo intercontinental e, em plena travessia do Atlântico, o avião seja colhido por uma tempestade perfeita – a maior em 100 anos, surgida do nada, para grande surpresa dos meteorologistas. Atribulada com o enfrentamento da tempestade e a tranquilização dos passageiros, a tripulação começa a se dar conta de que o comandante parece estar fora de si, gritando frases desconexas, alheio à gravidade da situação e, o que é pior, insistindo em manobrar o avião com alarmante imprudência, ao arrepio do que, em circunstâncias tão adversas, sugerem regras elementares de condução da aeronave.

Responda para você mesmo: o que deveria fazer a tripulação?

1) Nada, porque é ao comandante, e só a ele, que cabe a escolha da melhor forma de enfrentar a tempestade;

2) Esperar que o avião atravesse a tempestade e reavaliar a situação;

3) Esperar que o avião chegue a seu destino e avaliar se seria o caso de relatar o ocorrido à ouvidoria da empresa, com a discrição cabível;

4) Afastar o comandante da cabine de comando, tão logo quanto possível, para que o copiloto possa assumir pleno controle da aeronave em situação tão crítica;

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5) Prefiro não responder, nem para mim mesmo;

6) Não tenho tempo a perder com questão tão idiota.

*ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO