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Chega da política do esparadrapo

Por ADRIANO PIRES
Atualização:

Apesar da insistência do governo em afirmar que a situação está sob controle, a verdade é que o setor de energia elétrica permanece sem rumo e a única medida concreta tomada até aqui foi o tarifaço. Este, que vai elevar as tarifas de energia elétrica este ano em 70% ou mais, dependendo da região da concessionária, tem como objetivo reduzir o consumo de energia, evitando o racionamento, e, ao mesmo tempo, pagar a conta de R$ 111,5 bilhões criada pelo governo de 2013 a 2015 em razão de um conjunto de medidas imediatistas e populistas. Esse aumento recairá sobre todos os consumidores residenciais, comércio e serviços e o setor industrial, que pagarão pelas barbeiragens cometidas pelo governo nos últimos anos. É bem provável que, com essa brutal elevação das tarifas, associada à retração econômica, o governo resolva o problema do racionamento e a conta criada como consequência da Lei n.º 12.783/13. Entretanto, o tarifaço trará outros problemas que poderiam ser minimizados, caso o governo assumisse a necessidade de um racionamento, em vez da racionalização da energia. O termo racionalização, aliás, está errado, já que a queda de consumo ocorrerá por elevação de tarifas, e não por medidas de racionalização, que seriam aquelas que incentivassem o uso de equipamentos mais eficientes e um melhor gerenciamento da demanda de energia. O que de fato ocorre hoje é um racionamento branco, promovido pela adoção de uma brutal elevação de tarifas nunca antes vivida no País. No período do racionamento de 2001, o governo FHC, no intuito de não penalizar as camadas de mais baixa renda e incentivar o uso racional de energia, criou o sistema de cotas, em que o consumidor era premiado se conseguisse se manter num determinado nível de consumo. Caso contrário, seria penalizado com um tarifaço. Agora, o governo do PT resolveu penalizar toda a sociedade, sem distinção de renda e de setor econômico. O consumidor, em particular o da chamada classe C, se sentirá vítima de um estelionato. Afinal, foram os governos do PT que incentivaram a compra de produtos da chamada linha branca com desoneração fiscal e aumento de linhas de crédito, e então esse consumidor comprou seu primeiro ar-condicionado. Em janeiro de 2013, quando a presidente Dilma anunciou a redução das tarifas em 18%, esse consumidor adquiriu seu segundo ar-condicionado, que acabou substituindo o chuveiro elétrico como o grande vilão pela elevação do consumo de ponta do sistema elétrico. Agora, o governo o obriga a desligar os dois aparelhos de ar-condicionado. As distribuidoras terão suas receitas reduzidas em 2015, por causa da queda de consumo, do aumento da inadimplência e do furto de energia, o famoso gato. Como o governo, por razões mais políticas do que técnicas, não quer decretar um racionamento, as distribuidoras não têm como rever contratos de compra de energia e vão piorar a sua situação econômico-financeira, que passou a ficar difícil desde que foi sancionada a Lei n.º 12.783/13. As empresas geradoras também enfrentarão graves problemas. Mesmo com a queda no consumo, o governo manterá todas as usinas térmicas ligadas em 2015, para que possamos entrar em 2016 com um melhor nível de água nos reservatórios. Com isso os geradores hidráulicos, para cumprir contratos, continuarão a comprar energia térmica no mercado a preços altos, o que aprofundará a conta dessas empresas, de R$ 20 bilhões para algo em torno de R$ 40 bilhões. Melhor seria o racionamento: possibilitaria a renegociação dos contratos e, com isso, estancaria o crescimento dessa conta, melhorando a situação dos geradores hidráulicos. O aumento de tarifas era necessário? Com certeza. O erro é querer consertar todas as barbeiragens usando somente o tarifaço. O governo precisa combater as verdadeiras causas que nos levaram à crise atual, e não apenas anunciar medidas-esparadrapo. Não é justo exigir da sociedade o sacrifício de encarar um tarifaço dessa magnitude para que, ao final deste ano, voltemos ao cenário de racionamento.* É diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE)

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