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Chegar a outubro

A cinco meses das eleições, a apreensão com a insustentabilidade do quadro fiscal tornou-se muito mais incômoda

Por Rogério L. Furquim Werneck
Atualização:

A esperança de que o vigor da recuperação da economia pudesse ter efeito favorável sobre a evolução do quadro eleitoral vem se mostrando infundada. Na verdade, o que se observa no momento é justo o contrário: a prolongada indefinição do quadro eleitoral vem tendo efeito adverso sobre o vigor da recuperação. As expectativas de crescimento do PIB, em 2018, vêm sendo rapidamente revisadas para baixo. A expansão de 3%, que parecia crível em janeiro, já passou a ser considerada irrealista.

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Com o País já a quase cinco meses das eleições e ainda em meio a tanta incerteza acerca do desfecho da disputa presidencial, a apreensão com a insustentabilidade do quadro fiscal tornou-se muito mais incômoda. Já não pode ser tão facilmente descartada com base na velha alegação escapista de que ainda há tempo de sobra para equacionar o problema e que, de uma maneira ou de outra, a crise fiscal acabará superada. Não chega a ser uma surpresa que, nessas circunstâncias, a retomada dos investimentos, e até do consumo, continue em boa parte entravada.

É reconfortante que a saída de Henrique Meirelles da Fazenda, num momento em que o presidente passou a enfrentar novo processo de fragilização, não tenha dado ensejo a enfraquecimento da equipe econômica. Muito pelo contrário. Por paradoxal que possa parecer, a equipe se fortaleceu. A nova escalação da Fazenda é o melhor seguro com que agora conta o País para continuar a crer que as contas públicas permanecerão sob relativo controle até o final do ano.

Mas não há como ter ilusões. O jogo mudou. Tudo indica que o governo não conseguirá entregar a maior parte das 15 medidas alardeadas em fevereiro que, mesmo sem a reforma da Previdência, supostamente dariam força ao círculo virtuoso que se vislumbrava no final do ano passado. Assediado de novo pelo Ministério Público e fadado a perder boa parte do escasso capital político que ainda lhe resta, o presidente parece já não nutrir fantasias sobre o que o final do mandato lhe reserva. A agenda do Executivo com o Congresso passou a ter caráter essencialmente defensivo: proteger a retaguarda do presidente, no seu embate com o Ministério Público, e evitar a aprovação de medidas que tornem o quadro fiscal ainda mais difícil do que já é.

É natural que, com a proximidade das eleições, parte importante da batalha pela preservação do controle fiscal venha sendo travada dentro do próprio Executivo. Na esteira da decepção com o vigor da recuperação da economia e, especialmente, com o ritmo de queda do desemprego, a equipe econômica vem tendo de se desdobrar para conter a prodigalidade fiscal, dentro do governo. Nem sempre com sucesso, como bem ilustra a emblemática decisão do Planalto de conceder ao Bolsa Família reajuste acima da inflação, em meio ao pavoroso atoleiro fiscal em que o País está metido.

Tirando bom proveito da fragilidade do Planalto, a base governista parece cada vez mais voraz no seu empenho em extrair benesses do governo. Na derrubada de vetos presidenciais a excessos do Congresso nessa extração de benesses, tem havido conluio escancarado entre os interesses contrariados na base governista e seus representantes no ministério de Temer. 

Tanto no Congresso como no âmbito do próprio Executivo há uma profusão de propostas de armações fiscais prontas para serem impostas a um governo que se mostra cada vez mais frágil. Liberalidades com o FGTS, linhas de crédito indefensáveis da Caixa Econômica, ampliação dos recursos para financiamento público de campanhas eleitorais, operações de salvatagem de governadores falidos, linhas de financiamento para governos municipais e novos perdões absurdos de dívidas fiscais. 

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Não há como subestimar as dificuldades que terão de ser enfrentadas pela equipe econômica nos próximos meses, para que consiga evitar sério agravamento do quadro fiscal. Chegar a outubro com contas públicas sob relativo controle exigirá longa travessia em campo minado.  Depois de outubro, será o que as urnas quiserem. 

ECONOMISTA, DOUTOR PELA UNIVERSIDADE HARVARD, É PROFESSOR TITULAR DO DEPARTAMENTO DE ECONOMIA DA PUC-RIO

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